Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Veja

COPA 2006
Marcelo Marthe

Futebol com bobagem

‘Na terça-feira passada, quando a seleção brasileira derrotou Gana nas oitavas-de-final da Copa do Mundo, a televisão mais uma vez não economizou para satisfazer o apetite dos espectadores pelo torneio. Depois de alcançar 66 pontos no ibope e ser sintonizada por nove em cada dez aparelhos com a transmissão da partida, a Globo ainda explorou o tema à exaustão em seus noticiários e num debate que entrou pela madrugada, sob o comando do locutor Galvão Bueno. Participante dessa última atração, a cantora Ivete Sangalo gastou seu ufanismo. ‘Vamos fazer uns quatro nesses franceses metidos a besta’, disse a baiana sobre as chances do Brasil nas quartas-de-final. A seu lado, o ex-jogador Leonardo também soltou suas pérolas. ‘Ronaldinho Gaúcho não vai encantar enquanto ficar prisioneiro do sistema da seleção’, afirmou – sim, até no futebol a culpa é sempre do ‘sistema’. Para arrematar, o apresentador Pedro Bial sentenciou: ‘Ronaldinho é prisioneiro dos elogios’. A mesa-redonda da Globo foi um bom painel dos estilos de comentaristas que pipocam na TV nesta Copa (veja quadros).

De rádios do interior do Amapá às redes de TV, um exército de 600 profissionais foi enviado pelos veículos de comunicação brasileiros para a cobertura do Mundial. Nenhum outro país enviou tantos correspondentes à Alemanha. Essa exuberância foi alvo de comentários venenosos da imprensa estrangeira. Tome-se um artigo veiculado pela agência de notícias Reuters, intitulado ‘Brasil traz uma mídia enlouquecedora’. ‘Como uma manada de gnus cruzando o Serengeti (parque de animais selvagens na África), a imprensa brasileira baixa sobre os locais mais insuspeitos, aplanando – e entrevistando – tudo o que encontra pelo caminho’, lê-se no texto. À falta de pautas mais relevantes, diz ainda a matéria, os jornalistas brasileiros não se fazem de rogados em entrevistar-se uns aos outros. Uma reportagem do diário inglês The Guardian vai no mesmo tom. Afirma que o Brasil ‘mede a sua história’ em Copas e que a imprensa nacional não poupa das transmissões ao vivo nem mesmo as sessões de alongamento dos jogadores.

O interesse dos brasileiros por futebol é mesmo inesgotável. Para muitos torcedores do país, faz todo o sentido acompanhar boletins exaustivos sobre o edema na coxa de Robinho. O único porém é que, diante dessa overdose de cobertura, as asneiras surgem inevitavelmente. Na semana passada, uma reportagem do canal Globonews especulava: por que Ronaldinho Gaúcho passa a língua nos lábios ao cantar o Hino Nacional? Nas mesas-redondas, as bobagens também fluem. Para além de Galvão Bueno e seus colegas, outros comentaristas encontraram seu lugar ao sol na Copa. As mulheres ganharam mais espaço nesses programas que em qualquer outra Copa. A vereadora paulistana Soninha Francine, que foi VJ da MTV e hoje ganha o pão como comentarista do canal ESPN Brasil, revelou-se especialista em tiradas nacionalistas açucaradas. ‘É tocante ver as crianças alemãs com a bandeira do Brasil, superorgulhosas’, já declarou. Milly Lacombe, do concorrente SporTV, não perde a chance de se arriscar como técnica – um vício renitente, faça-se justiça, em comentaristas de qualquer sexo. ‘O que falta ao Zé Roberto é desobediência tática’, disse, numa análise sobre o meio-campista.

Às profissionais juntam-se as diletantes – invariavelmente, sem papas na língua. Na condição de namorada de Rodrigo Paiva, assessor de imprensa da CBF, a atriz Maitê Proença acompanha a seleção de perto na Alemanha. Num programa no SporTV, deu uma de psicóloga de Ronaldo Fenômeno: ‘O problema dele não é a bolha no pé nem o dente. É depressão’. Maitê ironizou ainda o casamento-relâmpago do jogador com a modelo Daniella Cicarelli. ‘Ronaldo topou com uma pedra no caminho. Uma pedrona’, disse. E emendou: ‘Aquela ali atrapalhou bastante’. Em outra mesa-redonda no SporTV, a cantora Fernanda Abreu fez sua contribuição ao bestiário da Copa, ao divagar (ou melhor, viajar) sobre a força da equipe anfitriã. Recordou até o genocídio nazista em suas estultices.

Os comentaristas velhos de guerra também redobraram sua visibilidade na Copa – o que não significa que suas mesas-redondas tenham ficado menos modorrentas. Milton Neves, que comanda o 3º Tempo na Record, está mais bravateiro do que nunca. Teve de se retratar depois de cantar a derrota de Portugal para a Holanda – uma previsão furada. ‘Se Portugal passar pela Holanda, mudo meu nome para Luís de Camões’, declarou (essa, Camões não merecia). Nada é mais emblemático da encheção de lingüiça na cobertura da Copa que as mesas-redondas conduzidas por José Trajano na ESPN Brasil. Com semblante de eterno mau humor, ele é daqueles que têm a primeira e a última palavra em tudo – e ai de quem se rebelar. Como Trajano é diretor de programação do canal, os colegas de bancada pisam em ovos. Não raro, a discussão sai do campo do futebol e descamba para a lavagem de roupa suja. Seu principal alvo é o jornalista Juca Kfouri, a quem ele adora desautorizar no ar. E bem que costuma ter razão. Os participantes não se agüentam de rir toda vez que Kfouri tira da manga a teoria estapafúrdia de que está em curso um complô para impedir o Brasil de ganhar a Copa.

Os comentaristas ‘poetas’ também têm sua parte nas asneiras. O pai das reportagens de TV com texto rimado é o veterano Armando Nogueira – que marca presença nas mesas-redondas do SporTV. De Pedro Bassan a César Tralli, ele possui discípulos na cobertura da Globo. O mais aplicado deles é Pedro Bial. Ele não se contenta em descrever um gol. Tem de recorrer a uma linguagem neoconcretista, ou coisa que o valha: ‘Bola rolando e o time mordia. Transpirava atitude, vontade tamanho GG. O primeiro gol foi made in Brazil’. Para Bial, a Copa do Mundo é um sarau. Com o perdão da rima.’



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O que os ouvidos não ouvem…

‘Na semana passada, uma trombada entre Carlos Alberto Parreira e a Rede Globo agitou os bastidores da Copa. O técnico da seleção ficou furioso com um quadro do Fantástico em que adolescentes surdos decifraram, por meio da leitura labial, o que ele falou durante partidas do Brasil. Parreira confidencia ao assistente Zagallo que gostou do desempenho de Gilberto Silva, mas que seria duro escalá-lo no lugar de Emerson. Quando Ronaldo marcou um gol contra o Japão, desancou os críticos. ‘Ainda pedem para o Ronaldo ir embora’, disse. As frases são entremeadas de palavrões – como é de esperar no calor de um jogo. Numa entrevista coletiva no dia seguinte à exibição do quadro, um Parreira carrancudo reclamou de invasão de privacidade. Temerosa de que sua cobertura da seleção fosse limitada pelo técnico, a Globo, que enviou 160 profissionais à Alemanha, apressou-se em colocar panos quentes na polêmica. O apresentador Pedro Bial pediu desculpas a Parreira depois da coletiva, e mais tarde sua colega Fátima Bernardes fez o mesmo no Jornal Nacional. Em nota, a Globo negou a intenção de aborrecer o treinador. Embora a emissora negue, sabe-se que a retratação gerou divergências em sua cúpula de jornalismo. Apesar do imbróglio, a atração será mantida no Fantástico. Uma decisão sensata, já que a leitura labial se revelou uma idéia divertida e está longe de ser uma invasão da privacidade. O que ocorre em campo é de interesse legítimo do torcedor.’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

O Globo – 1

O Globo – 2

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