Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Veja

FOTOGRAFIA
Juliana Linhares

A folhinha vai pegar fogo

‘Terry Richardson gosta de pôr fogo em moças bonitas. No sentido figurado, claro. Ele provoca, provoca e provoca mais um pouco, para ver até onde elas podem ir. Como é fotógrafo, americano e badalado, oportunidades não faltam. E poucas vezes se reuniram jovens tão belas e condições tão favoráveis para instintos piromaníacos quanto nas sessões para o próximo calendário da Pirelli, feitas em Trancoso, na Bahia. Houve um dia em que as fotos começaram à tarde, na praia. As modelos jogavam vôlei. Só de tanguinha preta, de lacinho. Enquanto Richardson fotografa, dois assistentes fazem fotos dele e outros dois filmam tudo. Terry tocou em diversas bandas de punk antes de virar fotógrafo. Costuma dizer que seu estilo de fotografar tem a ver com o estilo punk. Nesse dia, na praia, tocava Rolling Stones e Depeche Mode. A sessão de fotos acabou quando Richardson saiu correndo para o mar e gritou para que todos o acompanhassem. Branquíssimo e tatuadíssimo, ele se esgueirou feito criança no meio das beldades. Assistentes fotografando, incitou as meninas a gritar em uníssono: ‘Hi, uncle Terry’. Ato contínuo, todos – tiozão, modelos e assistentes – se jogaram no mar, com pranchas e bodyboards. As meninas continuavam de tanguinha, algumas nem isso. Brincaram na água até a noite cair.

A sessão foi retomada à meia-noite. Richardson quis que sua produção armasse um luau na praia. Encomendou porco no rolete – o maior que o cozinheiro encontrasse. Bicho assando, festa rolando, consumo de caipirinhas estourando. Quando todas já estavam bem alegrinhas, Richardson apareceu com farinha e ovo e começou uma guerrinha com as modelos. Em pouco tempo, elas rolavam na areia. Roupa zero. As mais ousadinhas subiram no suíno no espeto, brincaram de montaria e simularam uma aproximação maior. As duas brasileiras que estavam no luau, a veterana Ana Beatriz Barros e a novata Gracie Carvalho, não quiseram fazer parte da loucura. ‘Não era a minha. Foi hot demais’, informa Ana Beatriz. Ela garante que o fotógrafo não obriga ninguém a fazer as fotos mais picantes. ‘Ele vai incendiando as meninas, mas cada uma só faz o que quer.’ Apesar da naturalidade com que expõe o corpo espetacular – ela é modelo, certo? –, Ana Beatriz sabia exatamente onde riscar os seus limites: ‘Eu queria algo mais sensual, não sexy. Foi por isso que, no contrato, coloquei que não faria nu total. As minhas fotos vão ficar lindas, mas elegantes’. Ana já fotografou com Richardson pelo menos outras sete vezes e diz que o calendário Pirelli era o único trabalho que faltava no seu currículo. ‘É a realização para qualquer modelo’, conta. Segundo Fabia Snider, assistente de comunicação da Pirelli, as modelos ‘praticamente pedem para fazer esse calendário’, por causa da projeção que dá. ‘Elas ganham pouco, cerca de 15.000 a 17.000 dólares, muito menos do que ganhariam em qualquer campanha, mas vêm felizes da vida’, diz Fabia. Toda a produção do calendário, segundo ela, custou uns 2 milhões de dólares.

Especialistas em fantasias masculinas diriam que valeu cada centavo. Mas deu um trabalhão. Empenhado em fazer o calendário mais sexy da história, Richardson colocou modelos nuas e seminuas dentro de um mangue cheio de caranguejos. Fim de tarde, chuvinha fina, começou o ataque aéreo. ‘Nunca vi insetos tão selvagens’, decretou a modelo australiana Abbey Lee, contabilizando mais de 25 picadas de pernilongo nas pernas. Em outro momento, diante de câmeras que não a sua, Richardson repartiu um cacho de bananas com a húngara Eniko Mihalik, ambos bem à vontade. As modelos escolhidas por ele tinham características em comum. ‘Primeiro, aceitaram fazer fotos nuas, ou pelo menos seminuas. Segundo, todas são muito jovens, entre 18 e 24 anos. A exceção é Ana Beatriz, que tem 27. Por fim, nenhuma tem silicone. Queríamos um visual bem natural, fosse de peitinhos, fosse de peitões’, enumera Jennifer Starr, diretora de casting. Na segunda categoria, destacaram-se a holandesa Marloes Horst e seus suspensórios de cerejas.

Sob o inclemente sol baiano, Richardson fotografava com um lençol amarrado no pescoço, em forma de capa, contribuindo para aumentar a bizarrice do conjunto. Aos 43 anos, ex-drogado, ele tem os braços cobertos por tatuagens – são mais de vinte. Há desenhos de mulheres, ao estilo de velhos marinheiros, teias de aranha e até um garotinho triste que, segundo já declarou, simboliza ele mesmo na infância. A obra se completa com costeletas à la Wolverine, bigodinho, óculos de grau de lentes enormes, anéis em quase todos os dedos e alvíssimo abdômen trincado de músculos. Seus assistentes são todos de Nova York, todos tatuados e todos aprovados nos testes mais extremos de modernidade, o que provocou mais que um choque, um cataclismo cultural com a equipe da Pirelli. Imagine-se a tribo de Richardson em contraposição a italianos como Gioacchino del Balzo, diretor criativo da marca, que flanava pelas areias, chiquérrimo, enfiado em sapatos, meias, chapéu-panamá, um lenço amarrado no pescoço, outro pendurado no bolso do paletó. Juntando todos, havia pelo menos quarenta pessoas nas sessões de fotos. A mistura das duas turmas, em meio à massa de mulheres estonteantes, impressionou até os frequentadores da internacional Trancoso. ‘Quando acabavam as fotos, elas, nuas como estavam, corriam para o mar e ficavam brincando na água, como se estivessem em uma ilha deserta’, descreve o empresário Eduardo Rios, que estava a passeio na praia e flagrou algumas cenas. ‘Quando vi aquela cena louca, quase chorei. Parecia uma miragem. Tive de ligar para o meu pai, meu irmão e meus amigos, porque senão ia enlouquecer.’ O juízo dos garçons dos bares e restaurantes que receberam as modelos também foi submetido a duras provas. ‘Elas almoçavam peladinhas, como tinham vindo das fotos. Depois, ficavam bravas quando a gente não tirava o olho delas. Só se eu fosse doido para não olhar’, conta um dos que serviram a equipe.

Terry Richardson é conhecido porque seus trabalhos contêm uma altíssima voltagem erótica, para alguns até pornográfica. ‘Me chamam de pornô-chique, de rei do trash, mas, para mim, minhas fotos estão no limite da obscenidade e da arte’, diz o fotógrafo, que também costuma ir para o outro lado da câmera. ‘Não peço que ninguém faça nada diante das minhas lentes que eu mesmo não seja capaz de querer fazer.’ Seus primeiros trabalhos tinham um ar de espontaneidade, com pouca produção, pouca técnica de iluminação e câmeras toscas, que virou moda. Com o tempo, foram ficando mais picantes. Em 2002, Richardson esteve no Brasil pela primeira vez para fotografar um catálogo de moda com Daniela Cicarelli, que aparecia em evoluções quase explícitas com rapazes praticamente nus. Em 2007, fotografou para um livro sobre o Rio de Janeiro, com Dercy Gonçalves, Yasmin Brunet, Cauã Reymond e Adriane Galisteu. Foi a bailes funk, a favelas e a boates gay. A seco, jura, porque largou o vício em drogas pesadas há cinco anos, depois de ver a morte de perto. ‘Hoje, fotografar sem drogas no corpo é muito bom. Parece com a sensação de fazer sexo sem ter bebido. Você sente tudo o que está acontecendo’, diz. Confiram no calendário.’

 

TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Ele põe fogo no circo

‘Com seu nome no centro do escândalo dos atos secretos do Senado Federal, José Sarney não conseguiu escapar do repórter-humorista Danilo Gentili, do CQC, programa da Band. Na quarta-feira passada, depois de encurralar Sarney numa das saídas do Congresso, Gentili disparou uma questão espinhosa sobre a campanha institucional que o político sacou da manga para despistar as denúncias: ‘O melhor não seria uma campanha para os senadores pararem de se meter em escândalos?’. A entrevista deverá ir ao ar nesta segunda. Com seu modo inconveniente de perguntar o óbvio, Gentili se converteu numa figura temida pelos políticos. Há três semanas, teve um bate-boca com o deputado Sérgio Moraes, aquele que disse se lixar para a opinião pública. Gentili o perseguiu pelos cor-redores da Câmara. Moraes sacou de um palavrão e reagiu com sua costumeira elegância. ‘Vibrei quando isso aconteceu. Gosto de ver o circo pegar fogo’, diz o humorista.

Gentili deu à sátira política uma voltagem explosiva. Antes dele, a contundência que se via nessa área vinha do Casseta & Planeta, com suas imitações mordazes de figurões da política. O CQC vai além, ao investir no enfrentamento direto. Gentili encarna o papel de ‘humorista camicase’. Numa de suas aventuras, foi expulso do Zoológico de São Paulo por conturbar uma cerimônia com autoridades municipais. No ano passado, levou uns safanões de seguranças de Marta Suplicy durante a campanha à prefeitura paulistana. O apelo é claro: os espectadores do programa sentem um gosto de vingança ao ver políticos ridicularizados e confrontados com verdades que gostariam de lhes dizer ‘na cara’. ‘Os comediantes brasileiros são muito amenos. Preferem fazer humor circense a apontar o dedo para os políticos’, afirma Gentili.

Na visão do repórter incendiário, a maioria dos políticos brasileiros (em especial, os da esquerda) é desprovida de senso de humor. ‘É absurdo como essa gente se leva a sério’, diz. Um dos mais travados é o deputado José Genoíno. O petista ligado ao episódio do dólar na cueca vive fugindo de Gentili. Mas não são só os políticos que estão sujeitos ao veneno do CQC. Recentemente, Gentili triturou o cantor Paulo Ricardo, ex-RPM, numa entrevista. ‘Obrigado por ter atendido a gente antes de começar seu show’, disse a ele. ‘Assim, dá para a gente ir embora antes de você cantar.’

Hoje com 29 anos, Gentili iniciou sua carreira em 2005 no circuito paulistano de stand up comedy, gênero em que o humorista improvisa sozinho no palco. Entrou no CQC quando o programa estreou, em 2008, para uma participação temporária, mas acabou efetivado graças ao sucesso de um quadro em que entrevistava pessoas conhecidas se passando por um estudante de jornalismo. No papel do ‘repórter inexperiente’, ele já revelava seus atributos. Com 1,92 metro, um jeito de andar que lembra o de Tropeço, mordomo da Família Addams, Gentili tem um grande timing cômico, que faz tremer deputados e senadores. ‘Antes de fazer o trajeto do plenário a seus gabinetes, os deputados agora mandam os secretários espiar o saguão para ver se o CQC está por perto’, conta um assessor parlamentar. No ano passado, o humorista foi expulso da Câmara depois de infernizar deputados do alto e do baixo clero. A equipe do CQC recobrou suas credenciais – ainda provisórias – logo adiante. No momento, o programa pleiteia uma credencial permanente para atuar no Senado. A Polícia do Senado já emitiu parecer contrário. Sarney, o presidente da Casa, não teria gostado da seguinte tirada: ‘A revista Economist disse que o Sarney é um dinossauro. Mas isso é uma injustiça. Os dinossauros estão extintos, não fazem mais mal a ninguém’. Piada dói.. Mas é como diz Gentili: ‘Humorista tem licença para matar’.’

 

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