Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Veja

ELEIÇÕES NOS EUA
Diogo Mainardi

O brasileiro Obama

‘Eu desconfio de qualquer americano que saiba localizar a Toscana no mapa. O melhor dos Estados Unidos é isso: o sincero descaso de seus habitantes pelo que acontece a mais de 1 milha de suas casas hipotecadas. Quem está do lado de fora, na Toscana ou no Tocantins, costuma interpretar esse descaso como uma forma de menosprezo. Mas é o contrário: é uma forma de modéstia. Os americanos apegam-se a um ou dois conceitos herdados de seus antepassados e, com humildade, simplesmente se recusam a discuti-los. Temo o dia em que eles decidam endurecer o molejo de seus Dodge Durango. Temo o dia em que um estudante secundarista de Dakota do Norte seja proibido de descarregar sua espingarda no pátio da escola. Temo o dia em que um imigrante ilegal, sem plano de saúde, seja prontamente atendido no hospital.

Barack Obama representa um americano mais cosmopolita, que come espaguete com bottarga, instala um bidê em seu banheiro e está disposto a tomar chá de menta com o terrorista palestino que dá aulas em Colúmbia. Com Barack Obama, a campanha eleitoral americana se internacionalizou. Pior do que isso: ela se abrasileirou. Alguns dias atrás, Barack Obama imitou nossa propaganda e fez um programa de TV de meia hora. Como um candidato à prefeitura de Fortaleza ou de Rio Branco, ele prometeu oferecer remédio grátis e construir umas creches na Zona Oeste, se é que entendi direito. O abrasileiramento da campanha de Barack Obama tem outros aspectos igualmente alarmantes, como o plano de redistribuir renda aumentando os impostos dos mais ricos, e doando dinheiro aos mais pobres. O futuro dos Estados Unidos é Patrus Ananias.

O ritmo de samba contaminou até mesmo a imprensa americana. Nas primeiras páginas dos jornais, Barack Obama recebeu 45% de cobertura positiva. John McCain, 6%. O New York Times comportou-se como o jornal de um senador maranhense, aderindo à campanha de seu candidato. Um jornal pode aderir à campanha do candidato que quiser. O que está errado é o empenho em abafar todos os fatos que possam criar-lhe algum tipo de constrangimento. Foi o que ocorreu neste ano nos Estados Unidos. Qualquer pergunta sobre Barack Obama foi caracterizada como uma forma de racismo, ou de asnice, ou de caipirice.

Se a campanha de Barack Obama contou com mais dinheiro, com a torcida do presidente iraniano e com a ajudinha marota da imprensa, a de John McCain respondeu à altura com Tito, o Construtor. Tito, o Construtor, é igual a Bob, o Construtor: tem o mesmo capacete de operário, o mesmo trator, a mesma betoneira. Só que, ao contrário de Bob, o Construtor, que é feito de plástico, Tito, o Construtor, é feito de tamales e de chicharrón. Ele é um imigrante colombiano. Na semana passada, subiu no palanque dos republicanos e, com seu sotaque de Speedy Gonzales, pediu mais liberdade e menos impostos, recusando as migalhas do governo e defendendo o trabalho duro. Se Barack Obama derrotar Tito, o Construtor, nunca mais ponho os pés na Toscana.’

 

 

LIVRO
Jerônimo Teixeira

Deu no New York Times

‘A certa altura, em uma comemoração entre amigos no Rio de Janeiro, em maio de 2004, pediram ao americano Larry Rohter que cantasse. O então correspondente do The New York Times no Brasil levantou-se e entoou – com voz desafinada, segundo o relato – Apesar de Você, célebre canção de protesto disfarçado contra a ditadura militar. ‘Como vai proibir quando o galo insistir em cantar?’, diz um dos versos. Um dos presentes observou que Chico Buarque, autor da música, era partidário de Luiz Inácio Lula da Silva. Rohter apreciou a ironia: na sua interpretação improvisada, a letra voltava-se exatamente contra o governo Lula, que tentara expulsá-lo do país. O motivo dessa tentativa de intimidação – talvez o episódio mais vergonhoso das complicadas relações da administração petista com a imprensa livre – chega a ser trivial: uma reportagem sobre o notório gosto de Lula pelas bebidas alcoólicas. O caso é narrado em detalhes por Rohter em Deu no New York Times (tradução de Otacílio Nunes, Daniel Estill, Saulo Adriano e Antonio Machado; Objetiva; 416 páginas; 39,90 reais), que chega nesta semana às livrarias brasileiras e do qual VEJA antecipa alguns trechos, com exclusividade, ao longo das próximas páginas.

A obra divide-se em cinco seções: Cultura, Sociedade, Política, Amazônia e Economia/Ciência. Cada uma delas traz as melhores reportagens do autor sobre o tema, introduzidas por um comentário geral, com uma visão mais pessoal e opinativa do que era permitido ao repórter em sua cobertura cotidiana. Aos 58 anos, casado com uma carioca que cursava como ele a Universidade Georgetown, em 1967, Rohter conhece o país como poucos brasileiros. Começou a trabalhar para o escritório da Rede Globo em Nova York no início da década de 70, produzindo segmentos para o Fantástico, e em 1972 veio ao país pela primeira vez, para trabalhar como uma espécie de cicerone de músicos estrangeiros que se apresentavam no Festival Internacional da Canção produzido pela emissora. Depois dessa experiência inicial, foram quatro anos no Brasil como repórter da revista Newsweek e, em seguida, oito anos e meio como correspondente do Times, função que ele deixou em março. De volta aos Estados Unidos, Rohter cobriu a campanha presidencial de McCain para o jornal. Seu livro traz a visão crítica que se espera de um bom observador estrangeiro – as ilusões ufanistas e os vícios nacionais (a corrupção em particular) estão rigorosamente documentados. Mas é também uma obra muito generosa com o Brasil. A própria interpretação de Rohter para a tentativa de expulsá-lo em 2004 é, afinal, positiva. ‘O Judiciário agiu de maneira louvável. O pleno funcionamento das instituições brasileiras foi o grande destaque do episódio’, disse ele, por telefone, de sua casa em Nova York, a VEJA.

‘De modo geral, suas matérias sobre o Brasil eram ricas e objetivas’, diz o diplomata Roberto Abdenur, ex-embaixador em Washington – cuja única restrição ao trabalho de Rohter é exatamente aquele sobre o presidente e a bebida: ‘A reportagem era distorcida e exagerada. Lula gosta de beber seu uísque, mas jamais ouvi que isso era problema’. De fato, os hábitos etílicos do presidente já tinham ampla divulgação em notas e artigos na imprensa nacional, sem que ninguém levasse isso tão a sério. O relato de Rohter só criou tanta celeuma porque saiu no Times, um dos maiores jornais americanos e, a despeito de algumas crises de credibilidade recentes (como a causada em 2003 pelo repórter Jayson Blair, que publicou matérias inventadas), ainda o mais influente deles. Junte-se a isso o pensamento provinciano brasileiro de que, se ‘deu no New York Times’, pouca coisa não é, e eis que o governo armou um circo desproporcional ao assunto.

Na interpretação apresentada em Deu no New York Times, o incidente da tentativa de expulsão vai mais fundo do que apenas ao copo de uísque presidencial. O governo já estaria irritado com Rohter por causa de reportagens anteriores – republicadas, com comentários do autor, no livro recém-lançado. Uma delas, de março de 2004, dizia respeito ao esforço de um governo de esquerda para manter ocultos os fatos sobre a guerrilha do Araguaia, na qual membros do PC do B e o Exército se enfrentaram entre 1970 e 1974. Rohter lembrou uma dolorosa dívida moral do estado brasileiro para com os camponeses locais, que, pegos no fogo cruzado entre guerrilha e repressão, foram desalojados, torturados ou mortos pelas Forças Armadas. ‘Eles eram as principais vítimas do episódio, mas pareciam ter sido esquecidos por todos os outros protagonistas: Forças Armadas, governo e até os próprios guerrilheiros’, escreve o jornalista. Outra reportagem, ainda mais incômoda para o governo, saíra um mês antes, em fevereiro de 2004. Falava do assassinato do prefeito petista Celso Daniel, de Santo André, e lembrava as possíveis relações entre o crime e o esquema de corrupção que unia várias cidades administradas pelo PT, com a finalidade de arrecadar dinheiro para a campanha presidencial de Lula naquele ano de 2002. A rigor, como o próprio Rohter observa no livro, a reportagem não trazia novidades sobre o caso (que, passados quase sete anos, ainda está para ser esclarecido). Mas o governo brasileiro considerou constrangedor que esses fatos fossem publicados no Times em um momento em que Lula buscava credibilidade internacional.

Já tendo acumulado esse histórico de reportagens indigestas para o petismo, Rohter resolveu xeretar a decantada intimidade de Lula com o copo – algo que, como se sabe, nunca foi visto como uma qualidade negativa e, para muitos eleitores, era francamente simpática. Rohter seguia a tradição do jornalismo americano segundo a qual homens públicos não têm vida privada. Políticos da situação e da oposição confirmaram que Lula gostava de beber, mas, à exceção de Leonel Brizola, nenhum quis ser identificado. O jornal publicou a reportagem em 9 de maio de 2004, um domingo. As reações iniciais caíram dentro do previsível: afetações de orgulho nacional ferido. Na terça-feira à noite, porém, o governo extrapolou: com base em uma lei do tempo da ditadura, resolveu cancelar o visto de Rohter e expulsá-lo do país.

De suas fontes no Planalto, o correspondente soube detalhes do que teria ocorrido na reunião ministerial que conduziu à malfadada decisão. O então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que poderia ser uma voz legalmente sensata no encontro, estava ausente, em compromisso na Suíça. Prevaleceram as opiniões alopradas de Luiz Gushiken e José Dirceu, que mais tarde tombariam nos escândalos do mensalão. A julgar pelo relato de Deu no New York Times, o próprio Lula aloprou: ‘De acordo com a mesma fonte, quando alguém objetou que me expulsar era inconstitucional porque minha mulher é brasileira, Lula replicou batendo na mesa e berrando, exaltado, ‘Que se f*** a Constituição! Quero que ele vá embora!’. Rohter permaneceu no país, graças a um pedido de habeas corpus impetrado pelo então senador Sérgio Cabral e aceito pelo juiz Francisco Peçanha Martins, do Superior Tribunal de Justiça. O governo recuou, buscando um acordo com o New York Times – que Márcio Thomaz Bastos tentou vender como um pedido de desculpas do jornal. ‘Foi pouco comum termos um incidente dessa ordem em um país democrático’, diz Susan Chira, editora da seção Internacional do Times.

Os ataques contra o correspondente não se restringiram aos esforços oficiais para mandá-lo de volta a Nova York. Uma campanha insidiosa passou a ser fomentada na internet, talvez a primeira ação concertada de uma prática que se tornaria corrente no PT dali em diante sempre que se quisesse destruir a reputação de um ‘inimigo’ da causa. Os agentes petistas fizeram circular um texto em que Rohter era acusado de ser agente da CIA, de abusar sexualmente de indiazinhas na Amazônia e de conspirar para derrubar o venezuelano Hugo Chávez. Ele era acusado também de beber ‘possivelmente bem mais que Lula’. Até aqui nada de muito novo para quem já sofreu esse tipo de ataque. A novidade é quanto Rohter avançou na identificação dos autores da campanha caluniosa. O texto contra ele vinha assinado por uma professora da Universidade de Brasília. Procurada por Rohter, ela negou a autoria. O colunista Ricardo Noblat buscou a fonte de uma cópia recebida desse e-mail e chegou até um endereço… no Palácio do Planalto. A fantasia paranóica de que a reportagem atendia aos interesses conservadores do governo Bush esbarra na orientação política do New York Times, conhecido por sua oposição desinibida aos republicanos e a Bush. O livro do correspondente americano aponta algumas afinidades entre Bush e seu colega brasileiro. Diz ele: ‘Ideologia não é o único fator a determinar a relação entre presidentes e países. A personalidade também é importante. No caso de Bush e Lula, ajuda a explicar por que os dois se dão bem’.

Há bem mais em Deu no New York Times do que o incidente da quase-expulsão. Nos textos reunidos no livro, Rohter fala da música de Gilberto Gil e Caetano Veloso e da tecnologia agrícola da Embrapa, de jegues e de Paulo Coelho. O livro contém outra peça que criou polêmica, mas por razões mais, digamos, cosméticas do que políticas: uma reportagem sobre a obesidade entre os brasileiros. Rohter teve azar com o fotógrafo. Para ilustrar a matéria, baseada em estatísticas do IBGE, o retratista buscou gordinhas em uma praia do Rio – e fotografou turistas checas fofinhas como se fossem brasileiras. Os cariocas, é claro, pegaram no pé do então correspondente. Ossos – e gorduras – do ofício. ‘Larry é um profissional consumado e versátil, que escreve tanto artigos de análise política quanto de crítica cultural. Sua visão nuançada e profunda do Brasil assegurou que o New York Times publicasse um grande número de reportagens sobre o país’, diz Susan Chira, que foi editora de Rohter.

De certo modo, Deu no New York Times pode ser lido como uma versão contemporânea dos relatos de viajantes sobre a vida brasileira. Essa tradição começou na colônia, com Jean de Léry e Hans Staden, e incluiu figuras de proa da ciência mundial, como os naturalistas Darwin e Humboldt, que mandavam ao então centro do mundo notícias e impressões das terras remotas que visitavam. O Brasil não é mais o país exótico e selvagem que esses aventureiros e cientistas buscavam – mas o olhar do estrangeiro ainda pode desvendar aspectos inusitados para os nativos. O estrangeiro é mais desassombrado para afrontar unanimidades nacionais – como a arquitetura de Brasília, já desmontada por críticos como Robert Hughes e Marshall Berman e mais uma vez criticada por Rohter. Para quem tem o ex-correspondente americano na conta de uma besta-fera imperialista, a leitura de seu livro pode ser iluminadora: será surpreendente ver que ele apóia algumas bandeiras caras ao atual governo. É a favor das cotas raciais nas universidades e se mostra complacente com a ex-ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro, que caiu quando se soube de sua farra com os cartões corporativos. Concorde-se ou discorde-se dele, Larry Rohter é um repórter inquieto, um representante da melhor tradição americana da liberdade de imprensa. É bom que o galo cante sem precisar da autorização do mandante da ocasião.

Lula e a bebida

‘O meu relacionamento com Lula, embora esporádico, data dos anos 70, quando ele estava surgindo como líder sindical e eu, um correspondente recém-chegado ao Brasil, o acompanhei e o observei. Já conversei bastante com ele, ouvindo declarações astutas e também bobagens, todas devidamente anotadas no meu bloquinho. Já tomei água, refrigerante e até uma cachacinha com ele. Então, fico perplexo quando ouço o presidente alegar que nunca teve nenhum contato comigo. A verdade é comprovadamente outra’

‘Também fiquei impressionado na época com as generosas quantidades de álcool que ele consumia. Como tenho por hábito quando estou trabalhando, eu me limitava a tomar Fanta Laranja, e me lembro de Lula me provocar com bom humor por causa disso. ‘Que que é isso, meu caro? Um jornalista que não gosta de beber?’. Enquanto ia de uma reunião a outra, ele bebia o que lhe oferecessem: cachaça, uísque, conhaque para se aquecer em manhãs frias, e mesmo a cerveja da qual ele afirma não gostar. Às vezes seus olhos ficavam injetados e sua fala, enrolada. Era difícil dizer se isso se devia ao álcool, porque ele estava visivelmente fatigado de tensão e falta de sono, e tendia, mesmo quando não tinha bebido, a falar alto e divagar em público, pulando de um tópico a outro’

A tentativa de expulsão

‘A resposta inicial foi bem o que eu esperava: uma explosão de nacionalismo, parte dela bastante hipócrita. Em certo momento, houve um desfile de mais de doze políticos de Brasília me denunciando em um canal de televisão a cabo. Eu tive de rir, porque dois dos que me atacavam – um de um partido aliado ao PT, o outro uma importante figura da oposição – tinham sido informantes para minha reportagem e expressado suas preocupações com a recente passividade de Lula e suas suspeitas de que ele andava bebendo em excesso’

‘Contudo, devo confessar que nunca pensei que Lula e seus assessores seriam tolos ao ponto de ordenar minha expulsão do país. Fiquei tão chocado quanto qualquer outra pessoa quando a medida foi anunciada na noite de terça-feira, e soube, assim que ouvi o noticiário, que eles tinham superestimado sua força e iam sofrer uma derrota. Uma coisa era eles invectivarem contra um gringo metido e narigudo que estava ‘manchando’ a ‘honra’ do Brasil. Mas ao tentarem me expulsar, empregando uma lei que datava dos piores dias da ditadura militar, eles tinham ido longe demais e agora estavam também pisando nos calos dos brasileiros’

Márcio Thomaz Bastos

‘Depois, muitos de meus colegas na imprensa brasileira retrataram Bastos como o líder sensato e cheio de princípios que havia habilmente costurado uma resolução para uma crise desnecessária. Não partilho essa opinião. A meu ver, o comportamento de Bastos quando retornou da Suíça foi tortuoso e ficou aquém dos padrões éticos exigidos dele como o principal representante legal do país. Ele tinha sido advogado pessoal de Lula antes de ingressar no ministério, e, como ocorreu depois, durante a crise do mensalão de 2005 e 2006, agiu não para defender os interesses mais amplos da nação brasileira, mas para favorecer os interesses partidários mais estreitos de seu antigo cliente e do Partido dos Trabalhadores.Para mim, o verdadeiro herói não louvado do episódio, se é que houve um, foi Sérgio Cabral, que na época era senador pelo estado do Rio de Janeiro, e hoje é governador desse estado e um aliado de Lula. Sem me conhecer pessoalmente, mas reconhecendo que estava em jogo um princípio importante, ele entrou com um pedido de habeas corpus para evitar minha expulsão’

Marco Aurélio Garcia

‘Em sua função como conselheiro de Lula em assuntos de segurança nacional e política externa, Garcia, ex-professor universitário, parecia se ver como uma espécie de Henry Kissinger tupiniquim, um mestre da realpolitik. A realidade, contudo, é que ele parece mais um Renato Aragão da diplomacia, um trapalhão cujo principal talento é bagunçar as coisas’

Lula e Bush

‘As semelhanças de Lula com George W. Bush têm mais a ver com caráter e personalidade. Como Bush, Lula não parece ter muita curiosidade intelectual. Ele não gosta de ler relatórios, muito menos livros, tem uma ideologia estreita que impede que novas experiências mudem sua perspectiva, tinha muito pouca experiência do mundo fora das fronteiras de seu próprio país antes de assumir o governo, e disse algumas coisas notavelmente ingênuas e desinformadas enquanto viajava pelo exterior. Ambos maltratam sua língua nativa, mas ambos são tidos como calorosos e cativantes em situações de contato pessoal. Talvez isso explique a afinidade que eles parecem ter desenvolvido um pelo outro: apesar de suas diferenças ideológicas, parecem reconhecer um no outro espíritos aparentados. De nenhum dos dois, contudo, pode-se dizer que tenha crescido em estatura ou credibilidade enquanto ocupava o cargo’

Oscar Niemeyer

‘Outro exemplo de um aspecto da cultura brasileira elogiado muito mais do que ele provavelmente merece é a obra do arquiteto Oscar Niemeyer. Sei que isso pode soar chocante, porque há um consenso quase universal aqui no Brasil de que Niemeyer é um gênio. (…) Deixando de lado a política stalinista de Niemeyer, que é execrável, há uma contradição fundamental e irreconciliável entre o que ele professa e a obra que ele produziu. Ele afirma querer uma sociedade baseada em princípios igualitários, mas sua arquitetura, para usar a linguagem do mundo da computação, não é user-friendly. Ao contrário: ela é profundamente elitista e mesmo egoísta, concentrada principalmente em fazer declarações grandiosas e eloqüentes por si mesmas, para satisfação de Niemeyer e seus admiradores, mesmo que cause desconforto ou inconveniência ao usuário’

O esquema nas prefeituras petistas

‘A atividade ilegal de levantamento de dinheiro em Santo André não era um caso isolado, como afirmavam os líderes do partido, mas era antes parte de um esquema generalizado para acumular uma grande soma em caixa 2 para a campanha, para contrabalançar o apoio da comunidade empresarial aos tucanos. Tinham sido dadas ordens a todos os prefeitos do PT, minha fonte me relatou, para levantar dinheiro por todos os meios possíveis, e cada município havia recorrido a um mecanismo um pouco diferente para cumprir sua cota. Em Santo André eram as empresas de ônibus, como havia ficado claro na investigação do assassinato de Celso Daniel. (…) Em Campinas, onde o prefeito, Antonio da Costa Santos, o ‘Toninho do PT’, tinha sido assassinado quatro meses antes de Celso Daniel, era o superfaturamento de obras públicas e de contratos de estacionamento. E em Ribeirão Preto eram os contratos de coleta de lixo. ‘Ribeirão Preto também?’, perguntei, um pouco chocado, mas no mesmo instante percebendo a importância do que ouvia. Estávamos falando obviamente da época em que Antonio Palocci era prefeito lá, e agora, como ministro da Fazenda, ele se tornara o símbolo da adoção por Lula da responsabilidade fiscal’

O caso Celso Daniel

‘Enquanto fazia reportagens em São Paulo no começo de 2004, eu tinha entrevistado dois dos irmãos de Celso Daniel, um dos quais tinha se escondido depois de receber ameaças de morte. Bruno e João Francisco Daniel disseram com toda a clareza que, de acordo com o que seu irmão havia contado a eles, os membros mais importantes do PT não apenas sabiam do esquema de corrupção que provocou sua morte, como haviam desempenhado um papel ativo em sua operação. Além disso, eles me disseram, esses membros do PT tinham confirmado para Bruno esse papel. Em resultado disso e de outras entrevistas, minha reportagem incluía um parágrafo, mais ou menos na metade do texto, que imediatamente disparou o alarme no governo e no partido governante.

‘Pouco tempo depois do enterro de Celso, Gilberto Carvalho me contou que tinha feito várias entregas em dinheiro vivo ao partido e que, em uma ocasião, ele ficou apavorado porque estava transportando mais de 600 000 dólares em uma maleta’, disse Bruno Daniel na entrevista. ‘Ele me contou que entregava o dinheiro diretamente a José Dirceu, e foi isso que eu disse aos promotores’.’

Genoíno e a guerrilha do Araguaia

‘As entrevistas com Genoíno, que parecia sempre achar a imprensa estrangeira insuficientemente respeitosa, eram sempre delicadas, e nenhuma delas foi mais delicada que esta. Eu entrevistara Genoíno várias vezes no passado, e ele sempre mostrara impaciência comigo e com minhas perguntas, que ele obviamente julgava serem especialmente impertinentes. Mas esta estava fadada a ser uma situação especialmente sensível, dada a história pessoal dele. Ele era tão suscetível a fofocas de que se tornara um dedo-duro sob tortura e revelara informações que comprometiam seus companheiros militantes que tinha até escrito um artigo de jornal negando os boatos’’

 

 

 

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