Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Veja


TELEVISÃO
Marcelo Marthe


O estraga-prazeres


‘Toda madrugada, uma legião de mulheres gruda os olhos na transmissão em pay-per-view do Big Brother Brasil para acompanhar o banho do lutador Marcelo Dourado. ‘Tanto as meninas quanto as senhoras ficam enlouquecidas’, diz Lilian Novaes, carioca que comanda o Tevescopio, blog que defende Dourado. Feioso e com cara de poucos amigos, o lutador não se enquadra no perfil de galã. Ainda assim, as fãs conseguem enxergar até esse atributo no marmanjo. Para outra parcela do público, porém, Dourado é um monstro. Com a escalação de um emo gay, uma drag queen, uma lésbica e heterossexuais simpatizantes, a décima edição do BBB era destinada a ser uma celebração da ‘diversidade’, para usar a palavra em voga entre os politicamente corretos. Mas Dourado, de 37 anos (e que teve passagem apagada por uma versão anterior do BBB), estragou a festa. Militantes acusam-no de homofobia por declarações como a de que só os gays transmitiriam aids – que levou a Procuradoria da República em São Paulo a instaurar um inquérito contra a Globo. Há duas semanas, irritado com as fofocas da lésbica Morango, Dourado deu outra baixaria. Em meio a palavrões, vociferou que quebraria seus dedos e a despacharia para um hospital ‘se ela fosse homem’.


Era de esperar que Dourado fosse defenestrado, já que esse tipo de agressividade não costuma dar ibope. ‘O Brasil teria de mudar para que alguém que não seja pobre ou bonzinho triunfe no BBB’, diz o diretor Boninho. Essa percepção, no entanto, foi posta em xeque. Dourado bateu a lésbica num paredão com recorde de 77 milhões de votos. Na semana passada, a marca voltou a ser rompida: numa eleição de 92 milhões, ele venceu a namoradinha de seu maior desafeto, o modelo Eliéser. Ao que tudo indica, sua santificação não decorre de uma inclinação do público contra as minorias, e sim o oposto disso. Há a sensação de que ele está sofrendo uma discriminação às avessas – uma espécie de ‘heterofobia’. É patente que a franca maioria na casa preferiria vê-lo pelas costas. Dourado se beneficia ainda da falta de outras figuras masculinas fortes. Seu contraponto, o também fortão Cadu, é fofo demais para ser macho alfa.


Há, por fim, a influência das torcidas organizadas – gente que passa o dia participando de correntes de votações. Na semana passada, a animosidade entre comunidades pró e contra Dourado atingiu nível crítico. A niteroiense Susan Mello, autora de um blog que desanca o rapaz, o De Cara pra Lua, denunciou ameaças. ‘Falaram até que vão dar um tiro em mim’, diz ela. A vida não está nada dourada neste BBB.’


 


JOSÉ MINDLIN
Bruno Meier


Os livros ficam


‘Aos 13 anos, José Mindlin entrou num sebo de São Paulo e comprou seu primeiro livro: um exemplar do Discurso sobre a História Universal, volume datado de 1740 e escrito pelo bispo francês Jacob Bossuet. Aquele título seria a pedra inaugural de um empreendimento extraordinário. Ao longo dos mais de oitenta anos que ainda teria pela frente, Mindlin constituiu a maior e a mais relevante biblioteca privada do país. A coleção conta com 45 000 volumes. O bibliófilo, empresário e intelectual paulistano chegou a calcular quanto tempo precisaria para absorver todo o conhecimento contido neles: 300 anos. ‘Como não consegui encontrar a fórmula para viver tanto, resolvi me contentar com o tempo de que disponho – enquanto durar, eu vou aproveitando’, declarou certa vez. Internado desde o mês passado em São Paulo em razão de uma pneumonia, Mindlin morreu na manhã do último domingo, aos 95 anos. Ele pode não ter tido tempo para dar conta da leitura de seus livros – mas realizou em vida seu maior sonho, que era garantir o acesso da posteridade a seus tesouros. Em 2006, depois de quinze anos de luta contra entraves burocráticos, Mindlin consumou a transferência da parte de seu acervo dedicada ao Brasil, com 25 000 volumes, para a Universidade de São Paulo. Costumava justificar sua generosidade com uma frase atribuída ao escocês Andrew Carnegie, o homem mais rico dos Estados Unidos no início do século XX: ‘Os homens passam, mas os livros ficam’.


Filho de imigrantes judeus russos, Mindlin nasceu em São Paulo, em 1914. Foi do pai que herdou a paixão pela cultura e pela arte. Teve contato, desde cedo, com estudiosos e escritores, como Mário de Andrade. Paralelamente ao culto dos livros, desenvolveu uma trajetória profissional bem-sucedida. Aos 15 anos, iniciou sua carreira como jornalista no diário O Estado de S.Paulo. Mais tarde, cursaria direito na Universidade de São Paulo e faria cursos de extensão em Nova York. A atuação na advocacia foi o prelúdio de seu grande passo como empreendedor: a fundação da Metal Leve, fabricante de peças automotivas, em 1949. Mindlin fez dela um exemplo de empresa nacional moderna. A Metal Leve chegou a ter 7 000 funcionários e duas fábricas nos Estados Unidos. Em 1996, o empresário vendeu a companhia para a maior concorrente, a alemã Mahle – e passou a devotar-se em tempo integral à sua coleção.


Mindlin também foi um homem público de atuação exemplar. Ainda nos tempos de O Estado de S.Paulo, desenvolveu uma tática para enfrentar a censura da Revolução de 1930: para confundir a escuta telefônica, passava instruções à sucursal carioca do jornal em inglês. Em 1975, com o país sob a ditadura militar, Mindlin assumiu a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo – e logo enfrentaria um duro golpe com a prisão e a morte nos porões da repressão de Vladimir Herzog, que ele próprio havia indicado para chefiar o jornalismo da TV Cultura. Irredutível em seus princípios, pediu demissão do cargo. ‘Mindlin foi uma grande figura como pessoa, intelectual e também, num certo momento, uma grande figura política, quando soube defender a liberdade de imprensa’, declarou em seu velório o governador de São Paulo, José Serra. Em 2006, o empresário conquistaria outra deferência: foi eleito imortal da Academia Brasileira de Letras.


Na casa espaçosa em que moravam, Mindlin e sua mulher, Guita (falecida há quatro anos), cuidaram por seis décadas de sua coleção. Entre as raridades figuram a primeira edição de Os Lusíadas, de Luís de Camões (de 1572), os originais de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (corrigidos pelo autor), e a primeira edição ilustrada dos Triunfos, de Petrarca, impressa em 1488 e seu livro mais antigo. No fim da vida, míope e vítima de uma deformação na retina, Mindlin já não conseguia se debruçar sobre as obras sozinho. Passou então a recorrer a amigos, universitários e empregados para fazerem isso por ele. ‘Tenho obsessão de ler e reunir livros. Um pouco patológica, mas mansa – porque não faz mal a ninguém e me faz sentir bem’, dizia.’


 


ENCONTRO
Liberdade não se negocia


‘Desde que o PT chegou ao poder, os radicais do partido arquitetam um plano atrás do outro para tentar controlar jornalistas e inviabilizar comercialmente as empresas de comunicação. Primeiro, veio a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que teria poderes para proibir reportagens. Depois, eles passaram a defender com ainda maior despudor o ‘controle social dos meios de comunicação’ – que é apenas um rótulo menos chocante para a implantação da censura oficial no Brasil. Na semana passada, pela primeira vez, ouviram-se vozes organizadas contrárias a essa marcha da insensatez. Durante um encontro feito pelo Instituto Millenium, em São Paulo, jornalistas, empresários, intelectuais e políticos avaliaram os riscos reais que o radicalismo oferece à democracia no Brasil, opondo-se à pregação totalitária.


Hélio Costa (PMDB), ministro das Comunicações, reafirmou suas convicções pessoais ‘rigorosamente contrárias’ a qualquer controle sobre ideias. Mais tranquilizadora foi sua fala como integrante do governo. Disse Costa: ‘O governo deixou claro que em hipótese alguma aceitaria uma discussão sobre o controle social da mídia’. Correto. A mesma posição já foi externada, com graus diferentes de convicção, pelo presidente Lula e pela ministra e candidata Dilma Rousseff. Isso, porém, não impediu que Brasília continuasse patrocinando encontros dominados por liberticidas. Não impediu também que uma proposta sem chifres, mas diabólica de censura à imprensa fosse embutida no Programa Nacional de Direitos Humanos-3. O documento recebeu a chancela de Lula e Dilma e só foi recolhido depois da imensa repercussão negativa.


O sociólogo Demétrio Magnoli reafirmou a volatilidade da situação: ‘O PT mantém relações ambivalentes com a democracia. O partido celebra a Venezuela de Hugo Chávez e aplaude o regime castrista’. Em sua palestra especial no encontro, Roberto Civita, editor de VEJA e presidente do conselho do Grupo Abril, lembrou que a liberdade, como base do edifício democrático, é um valor inegociável. Disse Civita: ‘A liberdade de credo, de ir e vir, de se reunir, de acesso à informação e todas as demais liberdades não devem ser condicionadas, limitadas ou regulamentadas. Devem, sim, ser garantidas – e responsavelmente exercidas e praticadas. Sempre que se tentou legislar ou enquadrar atividades que na sua origem são livres, a democracia, e a sociedade em última instância, correu perigo’.’


 


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