Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Zuenir Ventura


‘Freqüento a Bienal do Livro desde que ela se realizava no Copacabana Palace e levava umas poucas horas para ser percorrida. Agora, no Riocentro, pode-se gastar um dia e não ver tudo. Quando se transferiu para aquele fim de mundo, perguntava-se quem se arriscaria a ir até lá. Na última, compareceram cerca de 600 mil pessoas e nesta estão sendo esperadas outras tantas, desmoralizando a piada sobre a distância que se ouvia no começo: ‘Pena não ser no Rio.’ Ou então: ‘Se é aí o Riocentro, onde será o Rioperiferia?’


Há quem diga que bienal é para quem não gosta de ler; leitor que é leitor, o iniciado, o fanático ‘tem’ a sua livraria particular e o seu livreiro especial, a quem faz suas encomendas, com quem troca opinião, fala dos lançamentos e comenta as novidades. Talvez seja isso mesmo. Bienal é outra coisa, é festa. O que ela faz é promover a aproximação lúdica, alegre, prazerosa das pessoas, principalmente crianças e jovens, com os livros e seus autores.


Se esse contato físico vai criar dependência, não se sabe. Mas seria muito bom que virasse hábito e que este, com o tempo, fizesse aumentar entre os jovens o número de viciados em leitura. Não importa que comecem lendo até o pior porque aos poucos podem ir aprimorando o gosto e chegar ao melhor. O fato é que a Bienal ajuda nesse processo de iniciação. O que mais se vê lá é criança brincando com livro – pegando, folheando e até lendo. É assim que começa o vício. Experimentando.


Na disputa desigual com a televisão e a internet, tem-se que apelar mesmo, seduzir, conquistar, dirigir os condicionamentos consumistas dos visitantes, a compulsão de compra, para os livros. Não vivemos numa sociedade de consumo e de espetáculo? Então pronto. Os elitistas que me desculpem, mas o aspecto de feira, a cara de supermercado, as pessoas saindo com sacolas cheias, os filhos atormentando os pais com pedidos, tudo isso é fundamental para tentar melhorar mais um desses índices que envergonham a cidade: segundo o DataGois/UniCarioca, quatro em cada dez cariocas lêem apenas um livro por ano. Não é engano não – um por ano. E isso significa que há muita gente que nem isso.


Não sei o que é melhor, freqüentar a Bienal como leitor ou como autor. De qualquer jeito, posso garantir que, mais do que a farra do boi e outras farras que estão na moda, a do livro no Riocentro vale a pena, é muito divertida e não tem contra-indicações.’





Affonso Romano de Sant’anna


‘Dados sobre livros e leitura’, copyright O Globo, 14/05/05


‘Essa esfuziante e necessária Bienal do Livro, lá no Riocentro, é ao mesmo tempo uma festa da inteligência e, claro, uma festa do comércio. O livro, aliás, desde a descoberta da imprensa deixou de ser um objeto sagrado, peça única, para democraticamente ser (também) um bem público. E isto aconteceu logo quando Guttenberg ainda estava vivo, pois de 1456, quando surgiu a nova forma de impressão com os tipos móveis, até 1500 cerca de 35 mil títulos foram impressos. Já na última Bienal, no Rio, foram vendidos 1,6 milhão de livros, aproximadamente 400 mil unidades a mais que na edição anterior. Houve também um aumento de 13% nas vendas com uma freqüência de 560 mil visitantes, dos quais 200 mil escolares. Esperemos as estatísticas de 2005.


E estava eu aqui remoendo algumas coisas que andei lendo, outras que andei pensando sobre a questão do livro hoje. Por exemplo: as pessoas entram em livrarias e muitas vezes não se dão conta de que as livrarias passaram por uma grande transformação. O comércio do livro hoje se converteu em algo muito complexo. Se antes já não era coisa para amador, havia, no entanto, um certo romantismo, como ao tempo de José Olympio e Ênio Silveira. Agora, até mesmo os profissionais que se cuidem. Hoje as grandes redes de livraria exercem forte influência no mercado: a Livraria Leitura tem 28 lojas, a Saraiva 30, a Siciliano 57 e a Livraria Curitiba outras 14 lojas.


Por outro lado, as livrarias tendem a praticar cada vez mais as técnicas de venda usadas pelos supermercados, nos quais especialistas estudam milimetricamente a altura em que deve estar o produto, em que prateleira, se perto ou longe do caixa etc. Nos supermercados há estrategistas para arrumar os produtos e trocá-los de lugar para seduzir o comprador. O cliente vai passando, pensando que as coisas são expostas ao acaso, mas está sendo guiado por sofisticadas práticas de comunicação e venda. Lembro-me de um estudo que dizia que a cor amarela nas embalagens, por exemplo, chamava mais a atenção que outras. E está provado que produtos à altura das mãos e dos olhos vendem mais. É baseado nisto que especialistas constataram que, no pequeno varejo, incluindo as livrarias, a pessoa pode comprar 30% a mais que o planejado, se no ponto de venda houver umas artimanhas sedutoras? E que, nos hipermercados, pessoas podem comprar até 80% a mais que o programado se os apelos forem eficientes?


Pois há muito que as livrarias descobriram que não apenas time is money , mas também o espaço é dinheiro. Os dois ou dez centímetros na estante, ocupados por um livro que não vende é perda para o proprietário. E hoje os livros expostos na vitrine ou em certas mesas mais visíveis não obedecem apenas a uma sugestão do dono da livraria, mas a um acordo comercial feito com o editor.


O autor tende a achar que se o seu livro for bem escrito e atender a um determinado objetivo proposto vai andar sozinho. É mais complicado. Suponhamos, então, que seu livro conseguiu chegar à livraria, o que já é um sucesso. É como o salmão que já passou pela mais alta cachoeira para a desova. É bom, mas não é tudo. E existe, há 66 anos, uma entidade chamada POPAI (Point for Purchase Advertising Internacional), que estuda as estratégias de expor o livro no ponto de venda. No Brasil tal atividade vem de 1998.


A Câmara Brasileira do Livro traz, no ‘Panorama editorial’ de março deste ano, interessantes matérias sobre a ‘força do best-seller’ e sobre as estratégias de venda. No contexto brasileiro, segundo Sérgio Machado, da Record, um livro que venda 20 mil exemplares com certa rapidez é um best-seller. Marcos Pereira, da Sextante, especifica que 100 mil é um bom patamar para um best-seller de ficcão, mas a não-ficção, com 30 mil é também sucesso. Já os de auto-ajuda valem mesmo a partir de 200 mil exemplares. Existe uma outra categoria, a do ‘long seller’, aquele que vende permanentemente. No caso, 200 mil em dez anos faz um clássico, segundo os editores.


No entroncamento de números e estatísticas, um tema que mereceria mais análise é o fosso entre venda e leitura de livros. Livro vendido não significa livro lido. E tanto o governo quanto os editores não deveriam ficar inteiramente satisfeitos apenas diante das estatísticas de venda ou de números de títulos publicados. Digo isto porque fiquei estarrecido quando li que sondagem feita nos Estados Unidos revelou que 92% dos livros não foram lidos até o fim. Como se vê, a dificuldade não é só com livro de Joyce ou Guimarães Rosa. As pessoas compram porque fulano falou ou porque viram na lista ou assistiram a uma entrevista do autor. Quem sabe, até a capa pareceu interessante? Mas ao começarem a ler, pronto, empacam. E o livro fica perambulando pelos móveis da casa como um objeto não-identificado. Daí que seria revelador saber que livros estão sendo lidos inteiramente até o fim e por quem.


Este tema leva a um outro, igualmente instigante. Um dos tópicos levantados por vários editores é a questão da ‘fidelização’. Por exemplo, os que viraram ‘fiéis’ leitores de ‘Harry Potter’ e ‘Senhor dos anéis’. Diz-se que leitores do primeiro migraram depois para o segundo, e que com isto adubou-se um público leitor sobretudo na faixa jovem. Seria uma pesquisa interessante saber para quais livros migraram esses leitores depois daquelas leituras. Migraram ou minguaram?


Segundo dados do Índice Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf), elaborado pelo governo, se a estatística dos analfabetos propriamente ditos parece ter caído para 9%, a estatística dos analfabetos funcionais chega a 60%. E acresce um dado inquietante: sem falar em cerca de duas mil cidades que não têm bibliotecas públicas, 89% dos municípios não têm livraria alguma. Isto é alarmante. Significa que estamos explorando só 10% de nossa capacidade de produção de livros e leitura; significa que os 400 milhões de livros editados e os 50 mil títulos surgidos a cada ano poderiam ser multiplicados gerando riqueza, criando empregos e transformando nossa sociedade numa sociedade leitora.’





Alessandro Soler e Rachel Bertol


‘Pacote do governo para o setor gera decepção’, copyright O Globo, 14/05/05


‘Enquanto aproximadamente 27 mil estudantes e outros 15 mil visitantes circulavam alegremente pelos pavilhões da 12 Bienal Internacional do Livro, um pequeno mas significativo grupo não tinha muito o que comemorar. O pacote de medidas do BNDES para dar novos incentivos ao setor do livro decepcionou ontem livreiros e distribuidores que participaram da concorrida solenidade na Bienal, num lotado Auditório Guimarães Rosa. Apesar de o BNDES ter convidado entidades do setor para divulgar ‘linhas especiais de crédito para editoras, livrarias e gráficas’, somente as editoras brasileiras serão beneficiadas pela redução de limite mínimo de crédito de R$ 10 milhões para R$ 1 milhão, a exemplo do que aconteceu no ano passado para a área de cinema.


Para livrarias, a única novidade foi a ampliação do limite máximo para uso do Cartão BNDES, para financiamento de novas instalações, de R$ 50 mil para R$ 100 mil.


– Quer dizer que, para as livrarias, a novidade é somente a ampliação do limite do Cartão BNDES? – perguntou, perplexo, o presidente da Associação Estadual de Livrarias do Rio, Marcus Gasparian, dono da tradicional livraria Argumento. – Assim, poderá acontecer com o livro o que já vemos no cinema: muitos filmes são feitos, mas não há salas para exibição. O problema é que comerciante do livro no Brasil não é encarado como um grande fomentador de cultura. E isso não corresponde à realidade. Faltam livrarias no Brasil e é por isso que esta Bienal tem tantos visitantes.


BNDES promete estudar mais a questão


Constrangido com o anticlímax , o diretor da área industrial do BNDES, Armando Mariante, que participou da solenidade, reconheceu que esta é uma questão importante.


– Vamos levar estudos adiante para que o limite seja baixado também para livrarias – afirmou Mariante.


A crítica de Gasparian foi reforçada por Luiz Fernando Emediato, dono da editora Geração Editorial e gestor conselheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), de onde vem boa parte dos recursos utilizados pelo BNDES em seus financiamentos. Emediato arrancou aplausos da platéia:


– O ProLivro é maravilhoso, pois significa dinheiro barato para as editoras. Mas onde vamos pôr tantos livros? As editoras correm o risco de não ter como pagar suas dívidas, pois não terão onde vender livros. Além disso, o cidadão tem pouca renda e não pode comprar livro.


O presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (Snel), Paulo Rocco, reiterou que as medidas anunciadas ‘precisam ser aprimoradas’.


Críticas ao governo também sobraram em outro evento do segundo dia da Bienal. Luis Fernando Verissimo, durante homenagem ao centenário de nascimento do pai, Erico, afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma decepção.


– Lula frustrou os que esperavam um desastre do seu governo e frustrou mais ainda os que tinham esperança de que alguma coisa fosse mudar. Ele é realmente uma decepção para o bem e para o mal. Nada muda – lamentou Verissimo.’



Rachel Bertol


‘De olho na crise em meio à festa’, copyright O Globo, 14/05/05


‘No ano passado, os economistas Fábio Sá Earp e George Kornis começaram a divulgar os dados de uma pesquisa que assustou o mercado editorial brasileiro. Apesar das charmosas livrarias da Zona Sul, das capas de livros sofisticadas e do potencial festivo de um evento como a 12 Bienal Internacional do Livro, que acontece até o dia 22 no Riocentro, os economistas, na contramão do brilho, ao fazerem diversas entrevistas e cálculos simples, como a deflação dos valores de compra nos últimos anos, desvelaram a face de uma profunda crise, a qual editores e livreiros não costumavam levar a público. Os dados foram consolidados em livro, lançado ontem pelo BNDES na Bienal – ‘A economia da cadeia produtiva do livro’ – juntamente com o anúncio, feito com o apoio do Ministério da Cultura, de um pacote de medidas, o ProLivro, para incentivar o setor a superar os entraves que impedem a difusão da leitura.


A partir de agora, a edição do livro no país passa a receber do BNDES tratamento de ‘setor prioritário’. A exemplo do que ocorreu no ano passado para o cinema, editoras e livrarias vão poder obter diretamente no banco empréstimos a partir de R$ 1 milhão e não mais com um mínimo de R$ 10 milhões (só uma editora no Brasil tinha potencial para um empréstimo dessa soma). Além disso, as taxas de juros nas linhas especiais são menores e os prazos de pagamento mais flexíveis. O financiamento também poderá ser usado para o adiantamento de direitos autorais. O setor vai ainda ter acesso ao Cartão BNDES para financiar, em até R$ 100 mil, a compra de insumos, como papel, ou de novas instalações e infra-estrutura – por exemplo, a construção de livrarias.


O coordenador Nacional do Livro e Leitura, Galeno Amorim, acredita que, depois da desoneração fiscal anunciada no fim de 2004 (a produção de livros no Brasil tornou-se totalmente isenta de impostos), estas medidas são importantes para que, a médio prazo, o preço do livro seja mais acessível ao bolso do brasileiro. A rentabilidade das empresas, diz ele, já começou a melhorar.


– Não há solução mágica para abaixar o preço do livro. O ProLivro é um primeiro pacote de medidas que abre uma nova fase de relacionamento com as empresas do setor. Outras medidas já começam a ser estudadas – afirma Amorim.


Um problema que era negado


Segundo Fábio Sá Earp e George Kornis, ainda há muito a ser feito.


– São medidas necessárias, mas insuficientes para enfrentar a envergadura da crise, por mais êxito que se obtenha. Há uma bruta crise, que era negada, e hoje algumas pessoas admitem – afirma George Kornis, professor da Uerj.


A pesquisa consolidada por Kornis e Earp, professor da UFRJ, mostra que, de 1995 a 2003, o faturamento do setor caiu pela metade (de R$ 4,5 bilhões para R$ 2,3 bilhões), embora o PIB, mesmo com variações modestas, tenha crescido 16% no período. As compras do mercado caíram de R$ 3,4 bilhões para R$ 1,9 bilhão, acompanhando a queda da renda média do trabalhador. Além disso, os economistas levaram um susto ao descobrir que o setor, salvo exceções de empresas mais atuantes, parecia estar perdendo o bonde em comparação com o restante da economia brasileira.’



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‘Um setor diante do desafio de amadurecer’, copyright O Globo, 14/05/05


‘Na opinião de George Kornis, o mercado editorial, hoje, não consegue acompanhar a complexidade de outros setores da economia brasileira.


– É um setor que precisa amadurecer. Pois mesmo com acesso a crédito corre o risco de não saber o que fazer com o dinheiro – afirma Kornis. – Existe uma dose de experimentalismo que acaba se refletindo no preço pago pelo consumidor. No entanto, é preciso saber se adequar à realidade. Parece que o setor do livro não estava consciente da intensidade da crise.


Na opinião de Fábio Sá Earp, o setor sofre com a falta de planejamento:


– Existe, entre os editores, uma idéia forte de que vão achar, a qualquer momento, um ‘Código Da Vinci’ ou ‘Harry Potter’. É verdade que não é possível prever o best-seller, mas não é possível se basear nesse tipo de intuição. Nenhum setor econômico funciona assim.


Otimista, o coordenador do Plano Nacional do Livro e Leitura, Galeno Amorim, acredita que essa situação tende a mudar.


– A própria entrada do BNDES vai contribuir para o nível de profissionalização do setor, que já tem acontecido. O banco é muito criterioso na concessão do crédito – observa.


A pesquisa realizada pelos economistas lançou luz em questões que eram discutidas sem bases sólidas, como a do preço do livro no país. Descobriu-se que, em termos absolutos, o livro brasileiro é de fato baratíssimo (custa, em média, entre US$ 1 e US$ 3, mesmo patamar de China e Rússia, enquanto nos EUA ou na Suíça a média é de US$ 14 a US$ 17). No entanto, comparativamente à renda per capita média dos cidadãos, o livro no Brasil é bastante caro (embora menos que na Argentina ou no México). Por ano, a renda per capita permitiria, a um fanático que quisesse gastá-la inteiramente em livros, adquirir 1.500 exemplares no Brasil, contra cerca de 4 mil no Japão ou na França.


A ampliação da oferta de livros de bolso, com novas coleções, como a que foi lançada pela Companhia das Letras recentemente, é elogiada por ambos.


– Mas, para livro de bolso, ainda custam caro (perto de R$ 20) – critica Kornis.


Opiniões divergentes sobre a lei do preço único


Quanto à discutida lei do preço único, os economistas divergem: Kornis é contra, enquanto Earp defende sua adoção.


– Teríamos de aprofundar as pesquisas para saber qual seria o modelo mais adequado. Verificamos que o valor médio do livro tem variação pequena em países com sistemas diferentes de preço. Na França, há um híbrido: depois de alguns meses, o preço se torna livre e os descontos são de arrepiar. Talvez venhamos a adotar um regime desse tipo – acredita Earp.


Além de traçar o panorama do setor – com dados e sugestões que ajudaram o BNDES a moldar o ProLivro -, os economistas têm novas propostas: incentivo especial ao funcionamento de bibliotecas de referência; a criação do vale-livro, para alunos de 3 Grau, e subsídios à edição de livros técnicos-científicos. Para implementar essas medidas seria necessário, porém, aumentar o valor do orçasmento do Minc em cerca de R$ 660 milhões. Com os R$ 280 milhões aprovados (mas não liberados) para este ano, o total chegaria perto de US$ 1 bilhão.


– Não é muito se comparado a outros países, nem à escala da economia. É menos do que faturam grandes times de futebol – observa Fábio Sá Earp.’



GOVERNO LULA


Folha de S. Paulo


‘Veto Acertado’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 14/05/05


‘O veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao aumento salarial de 15% para os funcionários do Congresso gerou reações no Legislativo e levou o presidente do Senado, Renan Calheiros, a declarar que o governo ‘tem uma capacidade incrível de criar crises, sobretudo na relação entre os Poderes’.


Embora tal veredicto não possa ser acusado de inverídico, a indignação não parece justificar-se. É mais uma inversão de perspectiva, na qual o proveito pecuniário dos envolvidos ganha mais relevo do que o interesse público. A média salarial dos servidores do Legislativo é de cerca de R$ 8.000 por mês, enquanto a renda média dos empregados no setor público é de R$ 1.403, segundo o IBGE.


O aumento, que beneficiaria 34.700 funcionários, custaria R$ 570 milhões por ano. Concedê-lo tenderia, ademais, a fomentar pressões salariais de outros setores da administração, o que poderia gerar um problemático efeito cascata.


Não há dúvida de que o funcionalismo civil e militar deve receber remuneração compatível com a importância das carreiras de Estado. E é certo que em alguns casos -mas não no dos funcionários do Congresso- os proventos estão aquém do desejável. Os recursos, porém, são finitos -e, lamentavelmente, mal administrados. Se, como afirmou Calheiros, ‘o Senado tem caixa’ para bancar a elevação, é preciso lembrar que se trata de dinheiro público, para o qual se deve sempre encontrar a melhor destinação.


É claro que há no gesto do Planalto uma dimensão política. Por um lado, ele serve para lembrar os parlamentares de que o Executivo tem a seu alcance mecanismos para conter o que considera excessos do Legislativo. De outro, o presidente aproveita o ensejo para emitir um sinal de que a crise política não irá comprometer a capacidade da atual administração de manter a disciplina fiscal.


Essa ‘mensagem’ tornou-se estratégica para o governo federal, que na realidade tem aumentado despesas em sua seara, dando margem a justificadas críticas. Em que pese, no entanto, a negligência do Executivo no que tange à necessária racionalização da máquina pública, o veto ao aumento foi uma decisão acertada.’