Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Zuenir Ventura

‘Passar quase um mês fora sem saber o que acontecia no Brasil, a não ser por meio de notícias pingadas, e encontrar na volta Roberto Jefferson cassado, Maluf na cadeia e Severino afastado da presidência da Câmara não deixa de ser uma experiência animadora, parecendo anunciar novos tempos – pelo menos até se olhar para o que não foi feito. Entre nós há sempre um ‘por outro lado’ para baixar a bola, dificultando medir o quanto se avançou ou se recuou.

Continuo achando que essa crise, apesar de tudo, é mais positiva do que qualquer outra foi. É crise de amadurecimento, de perda de inocência e ilusões, de queda de mitos, de fim de utopias. Ouvi na TV o professor Denis Rosenfield afirmar que só agora caiu o Muro de Berlim aqui. A ironia é que foi derrubado sem querer pelo próprio PT. Reivindico a prioridade de ter escrito que ‘o PT no poder fez pela direita o que a própria direita não foi capaz de fazer. E produziu na esquerda mais estragos do que a repressão’.

Em matéria de pedagogia política aprendeu-se muito com o ‘partido da ética’ conduzindo o país. Em quatro meses, o Brasil escancarou as entranhas, mostrou as partes podres e melhorou, na medida em que melhora qualquer organismo submetido à extirpação de um tumor.

Mas, por outro lado, ainda no avião, lendo as notícias sobre as manobras do governo, a escandalosa eleição do novo presidente da Câmara, as tentativas de livrar a cara de cassáveis, tive a conhecida sensação de que tudo parecia estar mudando para ficar como estava. Afinal, avançaram muito pouco as investigações, apesar da avalanche de indícios fornecidos pelos depoimentos, extratos bancários, cheques, cueca e malas. Salvo engano de quem está chegando, é pouco apresentar como provas materiais de tanta corrupção apenas a propina de R$ 3 mil para o diretor dos Correios e o Land Rover para Sílvio Pereira. Não é não?

E a grana, que correu como enxurrada pelo valerioduto, não dá para saber de onde veio? Num país onde é tão fácil sonegar, usar caixa 2, fazer remessas ilegais para o exterior, como se explica ser tão difícil para a Receita, a PF, o BC descobrirem como isso é feito? Pode-se alegar que as CPIs não terminaram o trabalho, é verdade. Mas, de qualquer maneira, foi pouco resultado para tanta promessa de faxina feita.

A dez mil metros de altitude comecei a sentir cheiro de pizza, que em terra aumentou, dando a impressão de que ela só não irá para o forno se houver clamor popular. Essa foi outra lição da crise: não é o zelo pelo decoro que faz os parlamentares punirem os colegas culpados, mas o medo da opinião pública. A Câmara dos Deputados é como chope: só na pressão.’



Elio Gaspari

‘Uma boa leitura: ‘Lula e Mefistófeles’’, copyright Folha de S. Paulo, 9/10/05

‘Está na internet a melhor narrativa da crise do PT-Federal. Chama-se ‘Lula e Mefistófeles’ e foi escrita por Norman Gall, diretor-executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, sediado em São Paulo. É uma produção típica do padrão Gall de qualidade. Longo (equivale a 80 páginas de livro), metódico (não esquece uma só maracutaia) e rigoroso (segue o argumento do título). Mefistófeles, o ‘arcanjo da corrupção’, é Roberto Jefferson e tudo o que teve em volta, do petequeiro dos Correios a Marcos Valério e José Dirceu. Para quem está atrás de foco, o encadeamento do trabalho é enciclopédico.

Devastador na simplicidade: ‘Lula teve suas escolhas. O que ele fez com elas reflete uma personalidade muito complexa, alguém cuja ascensão espetacular gerou uma arrogância que o fez perder seu norte moral’. Lula fez um pacto com Asmodeu, e a conta chegou. Gall mostra o que há de estrutural na crise e o que nela foi injetado pela trama petista.

Achou dois antecedentes históricos. Um, produzido pela acomodação do Estado inglês a uma nova ordem econômica, foi o escândalo financeiro da Bolha dos Mares do Sul (1711-1730) que emporcalhou família real, ministros, parlamentares e plutocratas. Outro foi o governo cleptófilo do presidente cubano Carlos Prío Socarrás (1948-1952), no qual líderes estudantis de biografias românticas meteram-se no que o historiador inglês Hugh Thomas chamou de ‘gangsterismo’.

Nos anos 70, quando o Congresso brasileiro aprovou por unanimidade o acordo nuclear assinado com a Alemanha, Gall escreveu um artigo na revista americana ‘Foreign Policy’, mostrando que aquilo estava mais para maluquice. Hoje, com números e fatos conhecidos, ele associa o PT e os esquemas do Banco Rural às descobertas da CPI do Banestado, em que reinou a paleolítica figura do deputado federal José Mentor (PT-SP).

Para quem acha que atravessar 80 páginas de baixaria é tarefa dura, na segunda terça parte do trabalho Gall demonstra que ter esperança no Brasil é um bom negócio. Comparando Pindorama com a Rússia, a Índia e a China, garante que dias melhores poderão vir. Na parte final do ‘Mefistófeles’ há a proposta de um consenso para que o Brasil mude de crises e de cara. Basicamente, são idéias para previdência, educação e infra-estrutura. O julgamento dessa plataforma dependerá da opinião de cada um, mas Gall sabe expor a sua. Noves fora o tom de ‘eu sei’ dos viajantes do século 19, algumas sugestões são instigantes, sobretudo para a educação.

É difícil que alguém repasse o artigo a Lula. O texto explica porque: ‘Tendo estudado apenas até a quinta série, Lula (…) é um improvisador altamente inteligente que possui o dom de ouvir e que convive com a dificuldade de ler. Uma pessoa de seu convívio próximo disse que é doloroso ver Lula, o presidente, fazendo força por uma hora para ler uma única página impressa’. Uma hora por página parece exagero, mas num outro trecho é Lula quem informa: ‘Sabe, nunca na vida li livro nenhum’.

De fato, no memorável depoimento (‘Lula, Filho do Brasil’) em que o ‘nosso guia’ contou sua história à jornalista Denise Paraná, não há a palavra livro. São 103 páginas.

É o seguinte o endereço do Instituto Fernand Braudel, em que está o ‘Lula e Mefistófeles’ em português e em inglês: http://www.braudel.org.br/.’



O DIA vs. O GLOBO
Nicola Pamplona

‘Grupo ‘O Dia’ acusa ‘O Globo’ de venda casada’, copyright O Estado de S. Paulo, 8/10/05

‘A disputa acirrada pelos leitores fluminenses foi parar na Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), órgão que investiga infrações à ordem econômica e à concorrência entre empresas. O grupo O Dia, que edita dois jornais no Rio, entrou com representação na SDE contra a Infoglobo, editora de O Globo, Extra e do site Globo Online, acusando o concorrente de venda casada de anúncios classificados e práticas comerciais predatórias.

A SDE já pediu uma manifestação da Infoglobo sobre o assunto para decidir se abrirá processo. A assessoria de imprensa do órgão informou que a representação ainda está sob sigilo e, por isso, não poderia dar maiores informações. Segundo fontes que acompanham o embate, O Dia pediu que os órgãos de defesa da concorrência determinem a venda do jornal Extra pela empresa concorrente, com o objetivo de impedir a suposta venda casada de anúncios.

O alvo da representação é o produto Classificados do Rio, da Infoglobo, que garante ao cliente veiculação simultânea de anúncios classificados nos três veículos da empresa. Segundo avaliação do concorrente, a repetição dos anúncios configuraria infração à ordem econômica, já que poderia ser interpretada como venda casada de produtos. Além disso, O Dia reclama de concorrência predatória, já que o cliente paga o preço de um anúncio e ganha três.

A Infoglobo informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que ainda avalia as denúncias do concorrente, mas que suas práticas comerciais são compatíveis com as utilizadas no mercado. Até o início da noite de ontem, o grupo O Dia ainda não havia retornado o pedido de entrevista.

A briga entre os dois grupos se acirrou ainda em meados da década de 90, quando o jornal O Dia, inicialmente voltado para as classes C e D, passou por um processo de reformulação gráfica e editorial com o objetivo de ampliar seu público e avançar para cima dos leitores do rival. Como resposta, o Globo lançou o Extra, mais barato que O Dia, em uma tentativa de roubar parte do mercado cativo deste último.

Atualmente, o Extra sai a R$ 1,10 nas bancas, e O Dia, a R$ 1,30, enquanto O Globo tem o preço de R$ 2,00.’