Luis Alejandro Nitrihual Valdebenito é um jornalista, professor e pesquisador chileno. Atualmente trabalha no Centro de Pesquisa em Comunicação, Discurso e Poder, na Universidade de La Frontera (Temuco, Chile). É Doutor em Ciências da Informação e em Literatura Hispano Americana pela Universidade Complutense de Madri. Editor do jornal El Cronista Independiente e colunista de Le Monde Diplomatique e Cooperativa (no Chile) e Publico (na Espanha), seus estudos estão focados nas questões de propriedade de mídia e crítica literária.
El asalto de la Oligarquía. Medios de Comunicación y Sociedad neoliberal en Chile (2016); Más allá de la crítica I (2017); Viviendo el Estado de Excepción (2020); Pensar la crítica. Función de la crítica literaria chilena. Siglo XIX. (2021); Ubicar y Detener (2021) e La máquina de Kafka (2018) são alguns de seus recentes trabalhos. Leia mais na entrevista a seguir.
EMJ – De que forma você avalia a cobertura dos direitos humanos e das minorias na mídia chilena?
Luis Alejandro Valdebenito – Antes de tudo, devemos considerar uma distinção entre os meios tradicionais de comunicação, que conhecemos como mainstream, e os alternativos, a exemplo das plataformas digitais e mídias sociais. Penso que os meios tradicionais — que no Chile, como em boa parte do mundo, ficam concentrados nas mãos de uma pequena parcela da população – estão perdendo sua capacidade de influência. A hegemonia, entendida como a capacidade dessas instituições de gerar consenso, está sendo extinta. Isso poderia explicar, de alguma forma, a crise política vivida em muitos países. O apelo às marchas, a disseminação de material político contra-hegemônico e a reivindicação pela violação dos direitos humanos circulam ao vivo nas mídias sociais, e o Chile não é exceção. Durante a revolução de 2019, pudemos ver, em tempo real, o comportamento da polícia chilena militarizada, que cegou ou fez centenas de pessoas perderem um de seus olhos. Muitos meios de comunicação de massa tradicionais tentaram não se aprofundar nesses fatos desconfortáveis, mas acabaram aceitando as evidências espalhadas pelas plataformas online e redes sociais. É lá que o espaço do visível está sendo construído, é lá onde estão as minorias anteriormente escondidas.
EMJ – Em 2008, você publicou no Portal USP um artigo sobre crítica de literatura indígena nos jornais chilenos. Como está hoje a crítica literária em relação às minorias em seu país, passados mais de 10 anos?
LAV – Neste trabalho que você mencionou, estávamos explorando a mídia tradicional em que a literatura indígena era escassa. Vale lembrar que há 50 anos as mulheres também não estavam na mídia. Exceto algumas exceções, essa era uma literatura invisível: apenas uma pequena parcela dos críticos ousou colocá-la em circulação. Paradoxalmente, nosso Primeiro Prêmio Nobre é uma mulher, Gabriela Mistral. Devemos muito a essa poetisa latino-americana. Embora isso tenha mudado nos últimos anos, como produto da luta pelo reconhecimento de alguns setores, e nos faz ter nas altas ligas nacionais Elicura Chihuailaf, Prêmio Nacional de Literatura, um conhecido e talentoso poeta mapuche. Isso não poderia ter sido pensado há 10 anos! Além disso, nem sequer foi possível pensar em uma mulher mapuche sendo presidente da Assembleia Constituinte, e aqui estamos com Elisa Loncon assumindo esse cargo. Como resultado de muitas dessas conquistas coletivas, muitas fontes de mídia estão aceitando que somos uma sociedade mestiça, com a qual as primeiras nações têm muito a contribuir.
EMJ – Ao falarmos em jornalismo regional e local é inevitável nos referirmos às particularidades da vida nas comunidades. De que forma esse tipo de imprensa funciona na mídia chilena? Quais temas aparecem com mais frequência?
LAV – O jornalismo chileno é centralizado, como é a arquitetura política. Por exemplo, sempre que vemos as notícias em canais de TV nacionais, 80% das informações são sobre a capital do país. Por conta de não haver uma lei para a mídia chilena, ela é favorecida pela propaganda, mesmo a estatal. El Mercurio e Copesa, os maiores conglomerados de mídia, tomam grande parte do bolo de publicidade. Isso faz com que apenas os grandes possam sobreviver e, em um círculo vicioso bastante fechado, o centralismo informativo se reproduz. Precisamos de uma lei de mídia que justifique o pluralismo informativo. Uma lei que regulamente, garanta e penalize. O que é visível hoje, na grande mídia, é aquilo que é relevante em Santiago, nossa capital. Deve haver um avanço político em direção à descentralização que impulsione a mídia local e comunitária.
EMJ – As redes sociais modificaram o jornalismo no Chile nos últimos 20 ou 30 anos? De que forma você avalia essas mudanças?
LAV – Mudou significativamente. As grandes fontes da mídia acreditam manter seu poder, mas isso é apenas uma ilusão. As pessoas são informadas por meio de muitas fontes diferentes, e isso também tem suas sombras… Entretanto, no final, diminuiu o poder dos blocos hegemônicos e, é claro, trata-se de algo sempre positivo porque as redes sociais obrigaram a mídia a mudar. Por exemplo, essas plataformas obrigaram o mainstream a difundir a violação dos direitos humanos em 2019. Não são mais aceitáveis na TV certas práticas violentas, misóginas, homofóbicas, entre outras; a televisão tinha que se adaptar ou simplesmente sucumbir. É por isso que muitos “rostos” de Pinochet desapareceram da tela. Eu realmente acho isso extremamente positivo. No entanto, como mencionei antes, existem sombras. Por exemplo, o que acontece com o financiamento de anúncios que vai para as grandes corporações, como o Facebook ou outras? O Estado precisa investir nelas? Qual o limite para isso? O que acontece com a privacidade e a venda de dados pessoais nesse tipo de plataforma? Esses são alguns dos problemas que as redes sociais apresentam tanto no Chile como no resto do mundo.
EMJ – De que forma o jornalismo chileno está cobrindo a pandemia de Covid-19? Qual o espaço da ciência e do interesse público na cobertura?
LAV – Estamos terminando um texto, com um grupo de colegas da Espanha, onde exploramos a cobertura apresentada pelos dois maiores jornais chilenos do mainstream: El Mercurio e La Tercera. Verificou-se que há falta de pluralismo na cobertura. Isso é percebido pela ausência de vozes críticas em suas matérias principais, quando esse tipo de mídia, entre outros, é transformado em voz oficial do governo. Precisamos progredir rumo a um verdadeiro pluralismo no campo público chileno e, para fazê-lo, diferenças e argumentos reais devem surgir, só assim contribuiremos para uma sociedade mais democrática.
EMJ – Como você avalia a formação dos jornalistas no Chile, considerando o que você acompanhou na sua geração, como estudante, e o que vê hoje, na preparação dos futuros jornalistas?
LAV – Vejo meus alunos bem-preparados para um mundo informativo que está em redemoinho. Hoje em dia, tudo é rápido e continuará sendo assim, pois as redes sociais vieram para ficar. Estamos caminhando para um mundo cada vez mais virtual, onde a inteligência artificial e as máquinas trarão desafios para os seres humanos. As práticas de trabalho vão mudar, na verdade já são outras. O que a nossa geração viu na ficção científica, os jovens vêem no seu dia a dia. O que espero que possa ser recuperado — e sempre procuro agregar essa questão em meu trabalho como professor universitário — é a perspectiva crítica necessária para observar todos os fenômenos sociais. Temos que ensinar os futuros jornalistas a desconfiar, capacitá-los com uma espécie de roupa de mergulho que permita que afundem no oceano de dados e saiam com alguma aproximação da realidade. Eu acredito que esse é o caminho a seguir.
Esta entrevista faz parte de uma série sobre jornalismo no mundo, uma iniciativa do pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor – Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas são originalmente publicadas em inglês no Medium.
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Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: EnioOnLine.