Ana Paula Padrão ganhou R$ 1.800 milhão com seu reality show de gastronomia mas não parou por aí. Dá cursos de autoajuda sobre, por exemplo, como se vestir para subir na carreira, e já conseguiu anúncio de perfumarias, produtos de limpeza. Sem falar no merchandising, R$ 8000,00 por cada apresentação-relâmpago de marcas de tempero ou facas de cozinha. “Eu quis testar se o público me estranharia na publicidade, mas foi bastante natural”, diz na capa da Vejinha paulista da semana passada (12/08). Nem dá para comparar. Quando apresentava o Jornal Nacional da Globo ganhava R$ 90 mil mensais, ao se transpor para a SBT chegou a R$ 270 mil. Mas era só jornalista. Ela conta como faz para manter esse padrão: botox duas vezes por ano e seis gotas de rivotril para dormir.
Se somarmos ao que Patricia Poeta ganhou ao deixar o jornalismo para virar garota propaganda de detergente chegamos a R$ 3.300 milhões. Patrícia embolsou R$ 1.500 milhão depois da quarentena garantida pelo contrato da Globo, e ainda não desistiu. Na nova espécie de reality show também na Globo, É de Casa , volta ao tempo em que as mulheres ainda não haviam historicamente queimado o sutiã e conquistado seu lugar. O programa fala daquilo que nossas avós gostavam, de decoração, entretenimento, saúde, do cotidiano da vida doméstica e, afirma, jornalismo (?).
Fátima Bernardes ganhou todas as páginas de anúncios estampada entre salsichas, pés de porco, linguiças, e nem liga se o seu programa Encontro na Globo, sem graça como o É de Casa de Patrícia Poeta, está perdendo IBOPE para Tom & Jerry no SBT. Quem se importa com compromisso de imagem quando levou no bolso R$ 5 milhões do frigorífico Seara?
Não bastaram para o ex-correspondente internacional Pedro Bial os R$ 3 milhões que recebe por cada edição do BBB (já está na 15ª.). Precisou vender Fiat por R$ 4 milhões e declarar na capa da Vejinha carioca de janeiro deste ano que não tinha qualquer vergonha, “não sou apenas jornalista ou apresentador, sou um homem de televisão”. Debaixo de um edredon como apareceu na foto (“quer dar uma espiadinha?”, perguntava), justificava tudo dizendo que já teve uma forte depressão e que durante anos bebia todos os dias mas agora saiu dessa. Justifica o BBB como “um formato trash feito com um grau de excelência sem igual. Transformamos o que chamam de lixo em luxo”. O luxo foi para o bolso dele, o telespectador ficou com o resto.
O Jornalismo foi o trampolim para as agências de publicidade se pendurarem atrás da fama de cada um dos profissionais que abandonou o posto, a carreira. Mas nem assim o Jornalismo garantiu os ganhos de Roberto Carlos vendendo bife, apesar de vegetariano, R$ 15 milhões. Nem os da übermodelo Gisele Bündchen que só em 2013 ganhou R$106 milhões. Vende shampoo mas detesta cabelereiro, vai se aposentar milionária vendendo aquilo que as feministas queimaram quando resolveram que as mulheres deveriam ocupar um lugar sério na sociedade: sutiãs na nova linha de lingerie Intimates.
Morto este ano aos 87 anos deixando duas dúzias de romances, poesias, ensaios, peças e revitalizando o orgulho do pernambucano pelas suas raízes nordestinas, Ariano Suassuna declarava sua paixão incondicional pela literatura e a criação artística. “Isso não tem, nunca teve, nada a ver com o mercado, literatura não tem nada a ver com mercado, tem a ver com festa, missão, vocação”
Aprendemos na faculdade que Jornalismo era isso, festa, missão, vocação e não tinha nada a ver com mercado. De anúncios tratava outro departamento e que não se metesse nas nossas matérias. Agora, o que Ana Paula, Patrícia, Fátima, Pedro fazem ao ver o Brasil se revirar nas ruas a favor ou contra, reivindicando, o brasileiro agindo enfim como cidadão? Vendem autoajuda, panelas, produtos de limpeza, salsichas e carros? Deve dar comichão.
Neste sábado o mega-escritor Leonardo Padura deu uma lição em Ana Paula, Fátima, Patrícia, Pedro, nos jornais que minguam e demitem a torto e a direito, nos jornalistas que perderam a chama, a meta, e viraram joguetes do mercado e da Bolsa de Valores à base do rivotril. O cubano que já reabilitou a história de Trotsky em O Homem que Amava os Cachorros (Boitempo) e no mês que vem virá lançar mais um de seus imperdíveis romances históricos, Hereges (Boitempo), passou um sabão nos jornais, nos jornalistas e na sociedade com o artigo Quarto Poder publicado na Folha de S. Paulo deste sábado (Ilustrada, 15/08).
Padura critica “a superficialidade nas análises e o servilismo do poder público, que tomou conta de grande parte do trabalho informativo. Por isso, fica cada vez mais evidente a improvisação e a falta de profissionalismo de muitos dos que vivem do exercício do jornalismo”
Aponta os salários cada vez menos atraentes – não era o caso dos ex-jornalistas citados acima – e constata que as redações se enchem cada vez mais de jovens pouco preparados “que precisam ganhar o pão e não buscar complicações para suas vidas”
“Em lugares onde se fala com orgulho da liberdade de expressão e dos direitos humanos, matam-se moralmente os profissionais da imprensa com as pressões políticas, econômicas e editoriais”
“Fazer hoje um jornalismo honesto, comprometido com a verdade e a sociedade, é uma postura que está se tornando cada vez menos comum ao redor do mundo…E ainda há quem pergunte sobre as razões do estado calamitoso do jornalismo em nível universal?”.
Padura justifica: “meus colegas da imprensa – e falo assim porque nunca deixei de fazer jornalismo e de sentir-me jornalista – sabem que falo a verdade”
Ai de ti, Jornalismo. Ai, de Ti, Copacabana foi o livro que Rubem Braga lançou em 1960. Era jornalista profissional desde os 15 anos e, morreu aos 77 no Rio de Janeiro em 1990, deixando pelo menos 30 livros de crônicas além das que escrevia para o Jornal Hoje da TV Globo. Nesta, famosa, ele cantava “Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas…Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras…Canta tua última canção, Copacabana”
Se o jornalista Rubem Braga fosse vivo talvez refizesse a famosa crônica em 2015 cantando a derrota para o Jornalismo. -Ai de ti, Jornalismo, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas… Ai de ti, Jornalismo, porque a ti te chamaram Quarto Poder, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras… Canta tua última canção, Jornalismo. Ai de ti -.
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Norma Curi é jornalista