Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Desrespeito à educação laica

Apenas algumas semanas após a Folha de S.Paulo publicar uma reportagem sobre o caso do estudante Ciel Viera, que foi hostilizado por se recusar a rezar o pai-nosso durante uma aula de geografia, a imprensa paranaense relatou mais um exemplo de bullying religioso em uma escola pública. O caso em questão, ocorrido no dia 12 de abril, envolveu dois alunos do 1º ano do ensino médio e a professora de inglês do Colégio Estadual General Carneiro, localizado no município de Roncador (PR). “Ela [professora de inglês] entrou na sala e mandou todo mundo levantar para participar da oração. Eu e mais um menino ficamos sentados e ela falou pra gente se retirar da sala. Saímos e quando terminou a oração, ela nos chamou”, relatou um dos estudantes, que diz ter se sentido discriminado. “Me senti como se fosse pior que os outros alunos”, completou.

De acordo com a reportagem da edição paranaense do portal G1, ao chegar em casa, o estudante ofendido relatou o fato ao seu tio, Wanderson Flores da Rocha, também ateu. “Fiquei muito bravo, não gostei. Eles não poderiam ter feito isso, foi muita falta de respeito. Isso não poderia ter acontecido, porque o nosso Estado é laico e a escola é pública”, disse Wanderson. Dessa forma, ambos entraram em contato, através de uma rede social, com a Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), entidade que tem por objetivo defender os interesses e direitos dos indivíduos que não têm religião. Após ser contatada, a associação encaminhou um ofício à escola orientando sobre os direitos legais de ateus e agnósticos.

O documento citou o artigo 5º da Constituição Federal que estabelece que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença”. Finalmente, na segunda-feira (16/4), o Conselho Diretor do Colégio General Carneiro determinou que não houvesse mais rezas em salas de aula. “Senti que minha opinião vale”, concluiu o estudante ateu. Entretanto, “no dia seguinte [17/4], a mesma professora já chamou quem quisesse para rezar de novo. […] Foi uma provocação ao meu sobrinho”, afirmou Wanderson ao jornal O Diário do Norte do Paraná.

Denúncias na mídia

Segundo Daniel Sottomaior, presidente da Atea, discriminações contra ateus são frequentes no ambiente escolar, porém “o que chama a atenção é que de uns tempos para cá as pessoas têm denunciado esses abusos com maior frequência”. Por outro lado, de acordo com a diretora, rezar o pai-nosso antes das aulas era um costume da escola. “A cidade tem dois padroeiros e a maior parte da comunidade é religiosa. Todos são habituados a ficar em pé e rezar. (…) A professora não fez isso para constranger ou discriminar”, afirmou. Ora, as instituições escolares devem ser espaços para a difusão do conhecimento e para a livre circulação de ideias. Não faz sentido transformar a sala de aula em uma espécie de catecismo.

Ao contrário do afirmado por alguns apedeutas, lutar por uma escola realmente laica não é uma reivindicação de “professores esquerdistas”. Muito pelo contrário, trata-se de uma demanda que transcende aspectos ideológicos. Não obstante, são os veículos de comunicação ligados à direita, como o jornal Folha de S.Paulo e a revista Veja, que mais denunciam os desrespeitos à laicidade estatal. Portanto, não se trata de uma questão política, mas de bom-senso. Nesse aspecto, é preciso congratular alguns setores da mídia brasileira por denunciarem os casos de bullying religioso. Em última instância, mais do que uma questão constitucional, exigir uma educação totalmente desvinculada de qualquer tipo de credo religioso deve ser um engajamento de todos aqueles que querem um ambiente escolar livre de todo tipo de obscurantismo e intolerância.

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[Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de História e Geografia em Barbacena, MG]