Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ave, Balotelli, Caeser te salutant

Na quinta-feira (28/6) a Itália despachou a Alemanha da Eurocopa com dois belíssimos gols de Balotelli, ou seja, do mesmo jogador que havia sido retratado como King Kong gerando uma intensa polêmica sobre racismo durante a semana. Não é de hoje que este jogador é hostilizado por racistas. O racismo é um fato deprimente e cada vez mais comum na Europa, mas a reação a ele é quase sempre igualmente vigorosa e virtuosa. Este foi um caso exemplar.

Ao invés de abaixar a cabeça ou se recusar a jogar, Balotelli foi a campo e exerceu seu ofício com tanta dedicação e maestria que acabou fazendo os dois gols que levaram a Itália à final da Eurocopa. Hoje, podemos dizer até mesmo que Balotelli encarnou a maior de todas as virtudes romanas. Digo isto tendo em mente o que escreveu Júlio César em seu livro A Guerra Civil (Livro Terceiro): “Si non omnia caderent secunda, Fortunam esse industria subleuandam.”

Antonio da Silveira Mendonça (Bellum Civile, edição bilingue, Estação Liberdade, 2003, p. 265) traduz esta frase como “Se nem tudo ocorria favoravelmente, deviam com o esforço pessoal prestar ajuda à Fortuna.” Numa tradução espanhola (D. José Goya Muniain e D. Manuel Balbuena, Obras Maestras, Comentários de La Guerra de Las Galias y de La Guerra Civil, Ibéria Joaquim Gil Editores, 1945, p. 311) a mesma frase tem um sentido um pouquinho diferente: “Si acaece algún revés, conviene com la industria suplir la falta de fortuna”. Nas duas traduções, entretanto, fica evidente que a virtude é atribuída não à sorte (ou fortuna, como diziam os romanos) mas ao esforço humano.

Recurso irônico à erudição

Balotelli não teve sorte. Nasceu negro numa Europa que parece novamente esquecer o caráter multiétnico do Império Romano, numa Europa em que a xenofobia racista procura se impor mediante o desprezo pelo esforço pessoal daqueles que não são brancos. Mas na partida com a Alemanha, entretanto, a virtude do esforço humano derrotou a falta de sorte e o racismo. Quem poderia hoje dizer que carrega a chama da civilização defendida com tanto vigor por Júlio César? O negro Balotelli ou os branquelos racistas que o chamam de macaco, que o desenham como King Kong e que, eventualmente, atiram bananas para ele nos estádios?

A imprensa faz bem em atacar os racistas e elevar Balotelli à posição de símbolo da luta contra o racismo. Escrevi este texto miúdo não porque pretendo me equiparar aos luminares da imprensa brasileira e mundial, mas porque acredito que o ataque ao racismo também pode ser feito recorrendo-se ironicamente à erudição que alguns racistas adoram ostentar.

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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]