Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Breno Borges, o desgarrado?

Na quarta-feira (4/7) foi divulgada a sentença do zagueiro Breno Borges, nos últimos 5 anos jogador do Bayern de Munique: 3 anos e 9 meses de prisão, acusado de incêndio grave em setembro de 2011, na casa onde morava de aluguel.

Durante todo o julgamento, que ocupou a mídia durante semanas, as reportagens da TV e o discurso da mídia alemã (a brasileira optou pela confortável tradução dos textos das agências) tinham quase sempre o foco: o prejuízo financeiro causado e o estado alterado – alcoolizado e dopado – em que o jogador brasileiro estaria na hora do crime.

O depoimento do ex-empresário do jogador levou ainda mais polêmica ao caso; ele declarou que Breno fazia frequentemente uso de calmantes cedidos sem receita médica pelo próprio Bayern.

O clube

O poder de influência do clube – que tem Franz Beckenbauer como presidente de honra
e Karl-Heinz Rummenigge na diretoria – é tão grande que somente depois de semanas, e já na rebarba do processo, foi instaurado inquérito para averiguar se houve por parte do Bayern violação contra a lei vigente de distribuição de medicamentos.

Depois que a poeira baixar e Breno estiver sumido das manchetes dos jornais, esse inquérito será silenciosamente empurrado para debaixo do tapete e não terá relevância na mídia, nem mesmo para o cantinho de página, mesmo porque é praxe do clube “limpar” os escândalos diretamente com a mídia, a portas fechadas.

O apelo de Giovanne Elber

Um dos poucos momentos em que as câmeras de TV deram uma folga para a estigmatização do acusado foi por meio da presença do ex-atacante Giovanne Elber em uma das audiências. Mais de uma vez artilheiro da Bundesliga, com passagem histórica pelo VfB Stuttgart e pelo próprio Bayern, Elber goza de grande reputação na opinião pública na Alemanha pelo seu engajamento em obras sociais e por ser um exemplo de sucesso de integração de jogadores estrangeiros no país.

Visivelmente tocado com o destino do colega, Giovanne Elber confessou frente às câmeras que, durante sua permanência no clube, também ele teria tido fases de grande estresse com a família, resultante de frustração por ficar fora de campo, e acusou o clube de não acompanhar com a devida atenção e eficiência os jovens jogadores estrangeiros em seu processo de adaptação cultural. No dia seguinte, os jornais estavam cheios de manchetes, questionando o Bayern, que em nenhum momento se pronunciou diante das críticas.

A gana pelo sucesso

Com a idade de 18 anos, o zagueiro Breno foi comprado pelo Bayern por 12 milhões de euros. A estada de Breno no clube foi recheada de atropelos, enganos e pouquíssimo tempo no campo. Antipatia recíproca com o então técnico Louis van Gaal, longos períodos machucado principalmente no joelho, período “emprestado” para o FC Nuremberg para “adquirir prática no campo”, a saudade do Brasil e a barreira da língua completaram o drama do jogador.

Existem, sim, histórias positivas de jogadores sul-americanos na Bundesliga: além de Giovanne Elber e o paraguaio Roque Santa Cruz (Bayern), Aílton (Werder Bremen, Wolfsburg), Amoroso (Borussia Dortmund), Rafinha (Bayern) e o peruano Claudio Pizarro. E há outras biografias, menos felizes mas não tão dramáticas como a de Breno Borges: Marcelinho Paraíba e Alex Alves, ambos do Hertha Berlim, são especialmente equivocados na percepção do que é jogar na Europa.

Claro que um jogador brasileiro atuar na Itália e na Espanha terá trajetória de adaptação mais fácil devido à mentalidade latina, ao clima e à semelhança com a língua portuguesa. Na Alemanha, o buraco é bem mais embaixo: oito meses de clima frio, uma língua dificílima, mentalidade totalmente diferente da brasileira. Com a característica agravante de uma cidade como Munique, pouco cosmopolita e, por natureza,
restrita até mesmo para alemães vindos de outras partes do país. Se o treinador for o notório mão de ferro, Felix Magath (ex-Bayern, hoje Wolfsburg), então é um Deus no acuda.

O que faltou

Faltou o outro lado da notícia. Em vez do uso do estigma “garoto problema”, teria sido mais esclarecedor iluminar os reais motivos que levaram esse jovem de 23 anos a acabar com sua carreira de jogador de futebol.

Durante todo o julgamento, o que chamou a atenção foi o silêncio de Breno, só quebrado no dia da sentença para se desculpar perante o clube e ao proprietário da casa onde morava. “Eu não fui um bom exemplo para os meus filhos”, disse.

O posicionamento do promotor durante o último dia do julgamento deixou a entender que Breno estava dopado e alcoolizado: “Ele mesmo contribuiu para esse estado. Ao longo de cinco anos, não conseguiu aprender o alemão”, afirmou. O advogado de defesa de Breno, não menos infeliz, comparou seu cliente a Kasper Hauser, “aquele que não se encontrou no mundo”.

A mídia alemã pecou por não buscar a diferença, não pesquisar detalhes da estada do jogador durante cinco anos em Munique. Como pôde a frustração dele chegar a tal ponto? A mídia preferiu sucumbir ao sensacionalismo, ao exótico e à comodidade de lhe pregar o perfil de “desgarrado”. Uma postura que inibe o discurso crítico.

***

[Fátima Lacerda é formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988]