Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Berlim, a ovelha negra da República

O escândalo onipresente na mídia envolvendo o aeroporto BBI (Berlin-Brandenburg International), na região vizinha de Brandenburgo, espelha a cloaca política que persiste desde o tempo em que Berlim gozava o status de uma ilha. Eberhard Diepgen, ex-prefeito, e seu aliado político Klaus-Rüdiger Landowsky são os protagonistas do que a mídia alemã chama do Filz (feltro) político que impera até hoje no trâmite político de Berlim como estado. Landowsky, que durante muitos anos ocupou a cadeira no conselho de administração do Banco BerlinHyp, jogou milhões de marcos sistematicamente pela janela, oferecendo, no melhor estilo Papai Noel, crédito para especuladores imobiliários deslumbrados com os terrenos na parte leste da cidade no início dos anos 1990.

A construção do que o jargão denomina Großflughafen (aeroporto de grande porte) começou em 2006, planejado primeiramente para ser inaugurado em 30 de outubro de 2011, data adiada para 3/6/2012 e, em maio último, estourando a bomba na mídia, foi divulgado o próximo, 17/3/2013, que recentemente foi deixada em aberto durante a coletiva de imprensa dada em 16/08 por representantes da holding, composta pela concessionária do aeroporto, as cidades de Berlim e Brandenburgo e a União.

O prefeito da cidade de Berlim, o social-democrata Klaus Wowereit, acoplou o sucesso desse megaempreendimento com o galgar de uma carreira política em âmbito federal. O aeroporto BBI Willy Brandt seria o pedigree para finalmente convencer membros do partido de sua capacidade de firmeza e sucesso em grandes projetos. Como presidente do Conselho de Supervisão, ele carrega toda a responsabilidade sobre o projeto. Logo depois do anúncio do cancelamento de 03/06/2012 como data de inauguração, rolou a cabeça de Rainer Schwarz, responsável técnico, que foi substituído por Horst Amann, ex-responsável técnico do aeroporto de Frankfurt. Mais uma vez, alguém do “resto” da Alemanha tem que vir a Berlim para “tirar as castanhas do fogo”, como diz um ditado popular.

Mão de obra barata

Sempre presente nas colunas sociais dos jornais formato tabloide, Wowereit vem sucessivamente perdendo popularidade. Depois da coletiva de imprensa do dia 16/08, que mostrou um grêmio de responsáveis consternados, o tabloide Bild e o mais respeitado jornal do país, o Süddeutsche Zeitung, exigiram indiretamente a renúncia do prefeito com a manchete: “Quem que vai assumir a responsabilidade?”

Erro no planejamento de custo e da janela temporária na implementação técnica da proteção de incêndio e uso de mão de obra barata de trabalhadores do leste europeu sem qualquer vínculo empregatício, mesmo quando o site da holding garante “condições sociais de trabalho” e a garantia de não trabalhar com firmas terceirizadas.

O programa Monitor de TV, da rede pública ARD, por vezes premiado por suas pesquisas acuradas no âmbito do jornalismo investigativo, flagrou com câmera escondida o uso de mão de obra barata do leste europeu: ao amanhecer do dia, trabalhadores se encontravam no pátio do aeroporto e eram apanhados por ônibus que os levariam ao local de trabalho. Quem conseguisse entrar no ônibus na marra, às cotoveladas, tinha trabalho para aquele dia; quem não conseguisse, voltava para casa e tentava a sorte no dia seguinte. Um trabalhador romeno confessou ter somente um número de celular para contato, sem mesmo conhecer o nome do contratante. Em depoimento comovente, ele declarou depois de cinco semanas de trabalho não ter recebido sequer um euro, o que resultou na procura de abrigo e alimentação na Caritas.

Governo federal vai ter que arcar com o prejuízo

Como se tudo isso não bastasse, em procedimento de controle de rotina da polícia alfandegária à procura de trabalhadores ilegais, foi descoberto o alemão Florian L., de 21 anos, há anos convertido muçulmano com o nome Abu Azzam al-Almani e já fichado na polícia como “elemento perigoso no espectro islâmico”. De acordo com a revista Stern, Florian trabalhava para a Ibragim Security, firma terceirizada da Securitas, responsável principal na área de segurança de parque técnico de contêineres com acesso a todas as informações sobre planejamento de segurança em forma de planilhas e documentos.

Contando com abertura do novo aeroporto em 3/6, companhias aéreas aumentaram suas respectivas frotas comprando aviões de grande porte, ampliando suas rotas em destinos e horários, sem falar no aumento do contingente de recursos humanos para serviços de bordo e terrestre. A companhia AirBerlin, a mais prejudicada de todas, se encontra à beira da falência.

Todos os dias no noticiário local Abendschau são mencionados valores astronômicos que terão que ser ressarcidos a essas companhias, sem falar nos lojistas do novo aeroporto com despesas de aluguéis nas novas lojas, sem poder usá-las e ainda tendo que mantê-las no aeroporto de Tegel, construído durante o período em que somente companhias aéreas dos países aliados podiam pousar em Berlim. Pelo anunciado na última coletiva, a holding do aeroporto ainda não tem ideia do valor total para ressarcimento dos prejudicados com o já segundo adiamento da inauguração.

A cada dia aparecem na mídia dicas, sugestões de quem pode “ajudar” com uma bolada, para finalmente terminar a novela. Enquanto o Partido Liberal, integrantes do governo, recusa qualquer tipo de injeção financeira para salvar o aeroporto, membros do governo regional de Berlim exigem a responsabilidade da União. Mesmo sem nenhum pronunciamento da chanceler Angela Merkel, no final das contas, mais uma vez, o governo federal vai ter que arcar com o prejuízo do amadorismo do estado de Berlim.

Caixa de surpresas

Farpas na mídia entre membros do governo federal e o da região de Berlim se tornaram diárias. O ministro dos Transportes, Peter Ramsauer, afirmou em entrevista: “Se não houver 100% de certeza de que é possível abrir em 17/03/2012, o pessoal da holding deveria tomar muito cuidado em divulgar qualquer data”.

Dia 14/09, em coletiva, a holding irá ou divulgar uma nova data ou divulgará mais problemas até agora desconhecidos daquele que está planejado para ser o maior aeroporto da Europa, com um contingente de 220 milhões de passageiros por ano. O veredicto do novo chefe técnico ansiosamente aguardado pela mídia é uma roleta russa, uma caixa de surpresas. Tudo pode acontecer.

Veja mais

>> http://www.airberlin.com/site/start.php?LANG=deu&all=1&MARKT=DE

>> https://www.youtube.com/watch?v=Mhc8uVxovAc

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[Fátima Lacerda é formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988]