Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Críticas à cobertura da greve na UERJ

A deflagração da greve na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ ocorreu dia 11 de junho acompanhando a greve iniciada pelas universidades federais em maio. Hoje, a situação é marcada pelo aumento da repressão, enquanto Sergio Cabral diz que só negocia se a greve acabar [G1 RJ. “Cabral diz que professores da Uerj em greve são manipulados por políticos“. 24/08/12.]. O objetivo deste artigo é fazer críticas à cobertura que a imprensa realizou sobre a repressão que se abateu sobre a greve na UERJ.

Na tarde do dia 23 de agosto, os estudantes da UERJ saíram em passeata com o objetivo de exigir a reabertura das negociações do governo estadual com os grevistas. Ao final, quando o ato entrou no estacionamento da universidade onde realizaria uma assembleia, a repressão aumentou. Vídeos na internet mostram a chegada da Tropa de Choque no campus, armados com fuzis e disparando bombas contra os estudantes que correram para se proteger [vídeo da Tropa de Choque invadindo o campus da UERJ-Maracanã. 23/08/12].

Os jornais Agência Brasil [CORRÊA, Douglas. “Manifestação de professores e estudantes da Uerj acaba em confronto com policiais militares“. Agência Brasil. 23/08/12], G1 [G1 RJ. “Ato de grevistas da Uerj termina em confusão com Batalhão de Choque“. G1. 23/08/12], Jornal do Brasil [Agência Brasil. “Professores e estudantes da Uerj entram em confronto com PM“. Jornal do Brasil. 24/08/12], O Globo [LIMA, Ludmilla de. “Vazamento de gás e manifestação complicam o trânsito na Zona Norte do Rio“. O Globo. 23/08/12], Bom dia Brasil [Bom Dia Rio. “Batalhão de Choque usa bomba de efeito moral em manifestação estudantes da UERJ“. 24/08/12] e outros divulgaram informações de que a tropa de choque se dirigiu ao protesto para auxiliar a PM (4º BPM de São Cristóvão). Todos eles citaram trechos de uma nota da PM afirmando que os estudantes depredaram um caixa eletrônico da agência do Bradesco que funciona dentro da universidade.

Legitimidade da ação policial

Mas há uma versão diferente publicada na grande imprensa. A matéria do Estado de S.Paulo incluiu uma importante declaração de um docente do curso de Comunicação que acompanhava o protesto e que nos ajuda a compreender o que aconteceu. Segue.

“Os professores já tinham se dispersado e os alunos estavam reunidos em frente à agência, que era o único lugar iluminado [a universidade estava às escuras desde o início da tarde por falta de energia elétrica]. A polícia entrou jogando gás lacrimogêneo. Foi uma coisa muito agressiva, uma repressão inútil, porque não teve depredação, nada” [THOMÉ, Clarissa. “PM lança bombas de efeito moral em protesto da UERJ“. Estado de S. Paulo. 23/08/12].

É no mínimo curioso como os outros jornais não se preocuparam em publicar declarações dos participantes das manifestações sobre o que eles apontam como justificativa para a entrada da tropa de choque no campus, a depredação de um caixa eletrônico. Cabe lembrar também que nenhuma imagem do equipamento que eles afirmam ter sido avariado veio a público.

A maioria dos jornais se limitou a publicar somente a versão da PM, com exceção do jornal Estadão, como vimos. É por se comportarem dessa maneira, sem aprofundarem as investigações e os questionamentos, que os movimentos sociais difundem a desconfiança na grande mídia. E é lamentável que nenhum dos jornais se dedicou a promover o que deveria ser cuidadosamente discutido pela sociedade: a legitimidade da ação policial dentro da universidade. A grande imprensa parece estar tão comprometida com a repressão ao movimento estudantil que mais uma vez se configura incapaz de promover um debate razoavelmente crítico sobre democracia e universidade.

Responsabilidade da reitoria

Bastou um confronto com a polícia para que a reitoria denunciasse junto à grande imprensa o “vandalismo” promovido pelos estudantes. O comunicado da reitoria [UERJ. “Nota da UERJ sobre acontecimentos no campus Maracanã“], assim como os jornais citados, procura fazer com que a sociedade referende a descabida ação policial motivada pela suposta “baderna” dos estudantes.

O Bradesco não se manifestou até o momento, a nota da reitoria se limitava a explicar que não foi ela quem chamou a polícia, e sim o Bradesco. Mas para os grevistas essas ainda eram informações insuficientes. Houve muitos questionamentos para além da veracidade dos fatos que a reitoria evitou responder num primeiro momento. Todos eles exigindo um posicionamento mais firme diante das bombas da PM contra os alunos dentro do campus. Enquanto a imprensa apenas se limitava a criticar os estudantes para fazer com a sociedade aplaudisse os estudantes.

O Sindicato dos Trabalhadores da UERJ – Sintuperj contou a sua versão sobre os fatos e apresentou pertinentes interrogações à Reitoria sobre o conflito através de nota em seu site. São questionamentos que a grande imprensa lamentavelmente não se interessou fazer. Vejam.

“(…) A segurança da Uerj prontamente assumiu o controle do evento e pediu ao Comandante da Polícia que retirasse a Tropa de Choque, pois a manifestação era pacífica. No momento da confusão, o policial responsável pela operação disse ter sido acionado pela gerente do banco Bradesco, com medo da aglomeração no pátio em frente ao prédio dos alunos.

Curiosamente, o Batalhão de Choque chegou minutos após os estudantes instalarem-se no pátio para reunião pacífica. O Sintuperj foi procurado por um dos agentes de segurança para se dirigir ao local com objetivo de ajudar a resolver a situação. Os diretores atenderam ao pedido e quando tentavam intermediar, viram-se atacados por bombas e repressão policial.

Foi um episódio lamentável para uma Universidade como a UERJ. Não há registros de tamanha violência dentro do campus, ainda mais sem a mínima justificativa.

O Sintuperj repudia veementemente a atitude truculenta da Polícia Militar e exige explicações da reitoria para o ocorrido. Agora é o Bradesco quem manda na Uerj? Pode um banco que tem concessão de espaço físico tomar iniciativas sem consultar o Reitor? Exigimos também uma explicação e retratação da agência Bradesco UERJ, caso seja comprovado o pedido de intervenção da PM. Lembramos que existe um Ato Executivo que disciplina o chamado da Polícia para o Campus. Quem vai apurar os fatos e fazer valer o que está escrito? (…)” [SINTUPERJ. “PM invade campus e reprime manifestantes“].

Garantia aos direitos

Afinal, quem manda na UERJ: a reitoria ou o Bradesco? Esse é o debate que a reitoria e a imprensa ainda tentavam evitar. A reitoria talvez tentando eximir sua parcela de culpa. Mas é o debate que professores, funcionários e estudantes estavam fazendo desde o dia 23. No seu primeiro comunicado citado mais atrás, a reitoria se limitava a atacar o protesto dos alunos e dizer que não foi ela quem convocou, solicitou e entrou em contato com a polícia. Mas o Reitor Ricardo Vieiralves ainda não interpelava o Bradesco e a PM sobre a entrada do choque para reprimir os estudantes dentro da universidade.

E a imprensa simplesmente parou de acompanhar esse debate. Com a divulgação do vídeo, dezenas de veículos de comunicação publicaram reportagens a respeito do assunto, mas em seguida não demonstraram o mesmo interesse pelo desenrolar do tema.

Enquanto a reitoria hesitava, e a imprensa se calava, diversas organizações de trabalhadores, instituições acadêmicas e democráticas, comprometidas com a comunidade universitária da UERJ e outras IES, compreenderam e defenderam que o ato dos estudantes foi uma manifestação de direitos. E a ação da polícia não passou de uma violência ilegítima. Exemplos disso foram as moções enviadas pela Aduenf [Aduenf. Nota de Repúdio do Comando de Greve da Aduenf. Blog da Aduenf. 24/08/12] e pelo Fórum das Seis, que congrega as entidades sindicais e estudantis da Unesp, Unicamp, USP e Centro Paula Souza (Ceeteps) [Fórum das Seis. Moção de Repúdio. Site da Asduerj. 27/08/12].

Todas elas apontando duras críticas à reitoria e denunciando que autoridades policiais fortemente armadas devem ser acionadas para quem delas precisam. Não contra a juventude e os trabalhadores organizados, estes não precisam de polícia, e sim, de garantias aos seus direitos. Precisam, sim, da proteção das autoridades públicas constituídas. E sobre os ombros do reitor só aumentava a pressão para que a UERJ passasse da sua posição defensiva a uma posição ofensiva diante do atropelamento dos Estatutos e dos Mandamentos Universitários protagonizados pelo Bradesco e pela PM do RJ.

Pressão do movimento

Se num primeiro momento a Reitoria apenas se limitava a dizer que não havia ela solicitado a presença da polícia e que dispensava a ajuda da PM para contornar os conflitos, num segundo momento o posicionamento da Reitoria sofreu um grande giro frente à enorme pressão realizada pelo movimento grevista da comunidade universitária da UERJ, do RJ e de todo o Brasil desde o primeiro minuto que PM pôs os pés dentro da UERJ. Vejam abaixo trechos de ofício do reitor Ricardo Vieiralves encaminhado ao comandante-geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, coronel Erir Ribeiro da Costa Filho.

“(…) Nossa abertura à sociedade, no entanto, não qualifica a UERJ da mesma maneira que uma via pública, uma praça ou um espaço público qualquer. Somos uma instituição com limites e a responsabilidade de representação, conforme a legislação em vigor e os mandamentos universitários, é exclusivamente do reitor. Por isto, a ação policial nas dependências da UERJ só pode ser solicitada pelo reitor ou pelo vice-reitor da UERJ.

No último dia 23 de agosto a PM adentrou a UERJ em ação policial não solicitada pelo reitor, mas por um permissionário da UERJ, no caso um banco que ocupa nossas instalações. Solicito que V. Exa. apure as responsabilidades desta ação policial, visto que não houve autorização do reitor e nem decisão judicial que justificasse tal ato.

Temos na Universidade as condições que a legislação nos confere de punir administrativamente abusos que venham a ser cometidos contra o patrimônio público e outros atos. Se algum ato cometido no interior da UERJ for criminoso tomaremos as medidas necessárias com a devida comunicação às autoridades policiais e judiciais.

Por tudo isto, e para evitar danos desnecessários a uma instituição de ensino, quero solicitar a V. Exa. que não faça ação policial alguma na UERJ sem a devida requisição do reitor. Posso afirmar, sem receio de errar, que é improvável que o reitor solicite a presença policial. Nossa instituição não promove atos criminosos, mas atos de educação (…)” [UERJ. “Ofício do reitor reafirmando ao comando da PM que policiais não podem entrar na Universidade“. Site da UERJ. 27/08/12].

Intromissão inaceitável

A postura da reitoria nesse segundo momento é muito diferente da primeira, agora a postura da reitoria está parecendo mais com o que a comunidade universitária vinha exigindo. A primeira evidência disso é que este segundo documento não faz acusações prévias, como antes, de que a manifestação dos estudantes danificou o patrimônio do Bradesco. E a segunda é a cobrança para que a PM apure as irregularidades na sua ação policial.

A comunidade universitária vinha exigindo que o reitor Ricardo Vieiralves tivesse pulso firme diante dos graves acontecimentos e que não vacilasse em resguardar os interesses e a integridade da comunidade e do patrimônio público. O movimento exigia uma posição além de uma declaração formal, ou seja, muito mais do que aquele comunicado publicado anteriormente no site da universidade. E parece que está conseguindo avançar nesse seu objetivo com o conteúdo rigoroso deste ofício do reitor Ricardo Vieiralves ao comandante-geral da PM. Demos um passo à frente.

Falando de greves, vimos como o Sintuperj foi mais fundo na investigação do que a grande imprensa. O sindicato elaborou provocativos questionamentos que os jornais que fizeram a cobertura dos eventos se “esqueceram” de fazer.

Acreditamos assim que seria bem interessante se os leitores pudessem ler mais e debater mais a imprensa operária. Por que o governo Cabral demora tanto a negociar com estes grevistas que paralisam as universidades em sinal de protesto? E como vimos, agora até mesmo estão facilitando a repressão com a Tropa de Choque dentro da universidade. Por que será que estes questionamentos sobre as greves raramente são feitos nessas reportagens? Este não é um tema menos importante para quem se preocupa com a democracia. Pois é inaceitável a intromissão da PM nos conflitos internos das universidades, são situações que remetem nossa memória aos tempos da ditadura militar.

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[Flávio Almeida Reis é mestrando em Geografia pela UFF e diretor da Associação de Pós-Graduandos da UFF]