Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Apple mantém vigor mesmo sem Steve Jobs

Quando Steve Jobs morreu, em 5 de outubro do ano passado, aos 56 anos, fãs da Apple acenderam velas virtuais em seus iPhones com a mesma rapidez com que investidores e analistas começaram a perguntar: a Apple vai conseguir manter-se tão inovadora – e lucrativa – sem Jobs no comando?

Agora, às vésperas do primeiro aniversário de morte do cofundador da Apple, considerado um visionário na indústria de tecnologia, essa pergunta parece não ter tanta importância. Pelo menos, por enquanto. Em 12 meses, a Apple renovou a linha de computadores Mac, apresentou um novo iPad e lançou o iPhone 5 – que vendeu mais de 5 milhões de unidades em um fim de semana, fixando um novo recorde de vendas. A loja online de música iTunes e a de aplicativos App Store foram remodeladas e saíram versões atualizadas dos sistemas operacionais Mac OS, para computadores, e iOS, para dispositivos móveis. Ou seja, a máquina de novidades da Apple não perdeu ritmo.

Mas é no campo financeiro que o desempenho da Apple superou qualquer expectativa. As ações quase dobraram de valor desde a morte de Jobs, passando de US$ 378,25 em 5 de outubro de 2011 para US$ 671,45, ontem. A alta tem sido tão forte que em fevereiro analistas de bancos como Morgan Stanley, Goldman Sachs e UBS passaram a fazer projeções com e sem a Apple, por considerar que os resultados da companhia distorciam o cenário geral.

Designed in California

Em agosto, o valor de mercado da Apple chegou a US$ 623,5 bilhões, tornando a companhia a mais valiosa da bolsa americana na história, um lugar que pertencia à Microsoft desde 1999. Analistas estimam que, em até dois anos, a fabricante pode se tornar a primeira companhia a superar US$ 1 trilhão em valor de mercado. É uma trajetória invejável – e tudo isso ocorreu após a morte de Jobs. “O que a Apple conseguiu fazer, e continua fazendo, é ser uma referência no mercado de eletroeletrônicos, no qual os produtos costumam ser muito parecidos entre si”, diz Ivair Rodrigues, diretor de pesquisa da consultoria IT Data.

Um dos legados mais importantes, avaliam especialistas, foi exatamente a capacidade de Jobs de cercar-se de uma equipe de profissionais com brilho próprio, mas afinada com sua visão. “Hoje você tem uma lista de 12 altos executivos tocando a companhia que já estavam muito próximos de Jobs. Ele conseguiu preparar a sucessão e deixar um horizonte de planejamento”, afirma Fernando Belfort, analista da Frost & Sullivan, outra consultoria de tecnologia.

O desenho apurado, que sempre caracterizou a Apple, continua sob o comando do designer britânico Jonathan Ive. Foi ele quem criou equipamentos icônicos como o iPod, o iPad e o iPhone, embora Jobs tivesse obsessão em dar a última palavra sobre tudo. Tim Cook, que assumiu o comando executivo da Apple, continuou a rezar pela cartilha do ex-chefe. Uma rápida olhada no verso dos produtos da Apple deixa claro um princípio fundamental para a companhia. Acima do famoso “made in”, a Apple traz o “designed in California”. Isso significa que já não importa muito em que lugar a manufatura é feita. O fundamental é onde o equipamento foi concebido. A Apple reservou a si essa tarefa, transferindo para fabricantes asiáticos de baixo custo o processo fabril. A instalação da fábrica da taiwanesa Foxconn em Jundiaí (SP), que começou a produzir iPads e iPhones no país neste ano, é um exemplo dessa busca.

“A questão são os próximos dois ou três anos”

Ainda não se sabe quando – e se – Cook imprimirá uma marca pessoal na Apple, embora ele esteja fazendo alterações. Em março, anunciou planos para distribuir aos acionistas parte dos US$ 100 bilhões que a companhia mantinha em caixa. É uma mudança representativa. O assunto era quase um tabu na era Jobs, que se opunha frontalmente à distribuição de dividendos ou à recompra de ações. Cook também surpreendeu positivamente os analistas ao acelerar o lançamento global do iPhone 5. O plano é colocar o novo telefone à venda em cem países até o fim do ano. Em 2011, depois de anunciar o iPhone 4S, a Apple levou os mesmos quatro meses para chegar a 70 países.

O iPhone representa hoje quase 50% da receita da Apple. É uma participação que torna qualquer problema com o smartphone uma questão sensível para a empresa. Na semana passada, Cook precisou pedir desculpas públicas para acalmar os consumidores, irritados porque a Apple substituiu o Google Maps por um sistema próprio de mapas, que funciona mal, no novo sistema iOS, que equipa o iPhone 5. O smartphone provocou filas nas portas das lojas, mas recebeu críticas mornas, o que reacendeu o debate sobre a falta de Jobs.

“Talvez o erro da Apple tenha sido chamar o aparelho de iPhone 5, em vez de iPhone 4S com tela grande”, diz Vinicius Caetano, analista da consultoria Pyramid Research. A falta de mudanças significativas, afirma o analista, decepcionou o consumidor, mas a projeção é que isso não será suficiente para reduzir o ritmo das vendas. A dúvida principal é se esse tipo de falha vai se tornar recorrente. Jobs também cometeu erros. O Mac Cube – um computador em forma de cubo pelo qual Jobs tinha um apreço especial – saiu de linha em 2001, apenas um ano depois de lançado. O Ping, uma rede social de música dentro da loja iTunes, também teve um fim inglório, e o serviço de armazenagem na nuvem Mobile Me não atraiu atenção, sendo substituído pelo iCloud. A virtude de Jobs, no entanto, era detectar rapidamente a reação do consumidor e mudar de direção a tempo.

Os consumidores da Apple agem como fãs e são condescendentes com seus deslizes, mas o encanto pode se quebrar se a companhia não fizer as correções de rota a tempo. “A questão são os próximos dois ou três anos, quando o legado de Jobs já estiver mais distante”, diz Belfort.

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TV pode ser próximo teste para capacidade de inovação

A Apple praticamente redesenhou o mercado de música com o iPod e abriu espaço na telefonia com o iPhone, tornando-se a terceira maior fabricante mundial de celulares, atrás apenas da Samsung e da Nokia, segundo dados da consultoria Gartner relativos ao segundo trimestre. Mas, ao que tudo indica, é a próxima grande batalha de mercado que vai determinar se a Apple conseguirá ou não manter-se à frente da vanguarda tecnológica – e essa será a guerra da TV.

A companhia já oferece a Apple TV, um pequeno cubo negro pelo qual é possível transferir o conteúdo do iPad ou do iPhone para a televisão e alugar filmes da sua loja online iTunes. Mas isso parece um aperitivo perto da refeição completa que estaria sendo preparada. Chamado de iTV, o dispositivo em estudo na Apple – e não confirmado pela empresa – reuniria tudo o que o espectador quer ver em único lugar.

O problema é obter seu ingrediente básico: conteúdo. A Apple alterou as regras da indústria fonográfica porque conseguiu reservar a si mesma um papel novo e relevante nessa cadeia. Em vez de comprar um CD inteiro, o consumidor passou a adquirir faixas isoladas, pagando uma fração do preço anterior. O download de música já existia, mas era dominado pela pirataria. Com o sucesso do modelo, a Apple venceu a resistência das gravadoras e passou a ficar com uma fração de cada música vendida em seu site.

Blu-ray não deslanchou até agora

Com os filmes e programas de TV é diferente. Grupos tradicionais de mídia e companhias jovens, mas focadas, acompanharam o que acontecia nas áreas de música e fotografia, e agiram para criar seus próprios serviços online. Até os fabricantes de televisores começaram, recentemente, a fechar parcerias para exibir conteúdo em seus aparelhos com acesso à internet, as SmarTVs.

O resultado é que não faltam opções, mesmo em países como o Brasil, onde a TV paga e o acesso móvel à internet começaram a deslanchar mais recentemente. Operadoras de TV por assinatura como Net e Sky já lançaram seus serviços de locadora virtual. A programadora Globosat fez o mesmo. Alguns serviços estão ligados a canais específicos, como o da HBO, e a maior emissora de TV aberta do país, a Rede Globo, seguiu a trilha. A lista prossegue com serviços especializados – caso da americana Netflix e da brasileira Netmovies – e inclui nomes que vão do portal Terra à Livraria Saraiva.

Em um cenário povoado como esse, o que a Apple vai fazer para ocupar um papel que a diferencie das demais? Essa é a pergunta central sobre a iTV. Negociar com as redes de TV e os estúdios de cinema vai exigir mais talento da Apple do que o processo feito anteriormente com a indústria fonográfica. As gravadoras precisavam de novos meios – a internet, os tocadores de música e os celulares – para vender música. No caso da TV, já existem dispositivos, formatos e pacotes diferentes à disposição do espectador. Por que os donos de conteúdo se submeteriam a ceder à Apple uma parte razoável de sua receita? Além disso, o mercado de televisores – supondo que a iTV será um aparelho no formato tradicional – é muito disputado, com margens baixas. A Apple está habituada a cobrar preços altos de uma parcela reduzida de consumidores, para obter margens mais altas.

A conquista do consumidor é outro ponto. O videocassete desapareceu para dar lugar a uma tecnologia melhor, o DVD. Os serviços on-line, por sua vez, estão ajudando a sepultar o DVD e, com ele, as locadoras físicas. Talvez por isso, o Blu-ray, considerado o sucessor do DVD, não tenha deslanchado até agora. Com acesso garantido à programação em equipamentos que já tem, como o computador e o tablet, é difícil prever se o usuário vai comprar mais um equipamento, só porque tem a marca Apple.

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Cultura do sigilo estimula culto à marca

Mistério não costuma ser citado como um atributo importante para os negócios, mas, por estranho que pareça, essa é uma característica que a Apple sempre cultivou – e com sucesso. A prova mais recente é o que está sendo chamado de iPad mini, um tablet com tela reduzida. Não é de hoje que se comenta que a Apple estaria projetando um equipamento menor, com proporções parecidas com a de rivais como a Samsung. As indicações mais recentes são de que os fornecedores asiáticos da Apple já estão produzindo o aparelho. Mas o que chama a atenção é como isso se transformou em um evento de mídia.

Dias atrás, sites de todo o mundo publicaram que a Apple estaria para distribuir um convite à imprensa americana no dia 10, para lançar o produto no dia 17. A notícia foi publicada originalmente pela revista americana Fortune, que atribuiu a informação a um acionista da companhia, que teria conversado com terceiros. Nenhuma outra publicação conseguiu confirmar os dados, mas isso não impediu que muitas delas, além de uma legião de blogs especializados, repetissem a informação. Essa obsessão para conhecer antecipadamente a aparência dos produtos da Apple – e, em especial, quando eles chegarão ao mercado – é alimentada pela própria empresa, que costuma manter seus lançamentos em sigilo e apresentá-los ao mercado em eventos que lembram espetáculos.

A estratégia de marketing remonta a uma decisão de negócios tomada por Steve Jobs logo depois que ele reassumiu o comando da Apple, em 1996. A empresa que Jobs encontrou em seu retorno – ele ficou fora da companhia durante nove anos – estava próxima da bancarrota. As linhas de produtos eram tão extensas quanto confusas. Jobs eliminou a maior parte dos produtos, concentrando os esforços em pouquíssimos projetos. É uma diferença de postura em relação à maioria das demais empresas da área, que continua a lançar uma enorme variedade de produtos, a intervalos cada vez menores. Em média, as linhas são renovadas em três ou quatro meses. A Apple faz isso uma vez por ano para cada produto, o que ajuda a fixar a marca, tanto da empresa quanto dos equipamentos.

Um recente levantamento da Interbrand mostra que a Apple saiu do 8º lugar no ranking das marcas mais valiosas do mundo em 2011 para o 2º lugar neste ano, perdendo apenas para a Coca-Cola. A marca, segundo a Interbrand, vale US$ 76,57 bilhões.

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[Gustavo Brigatto e João Luiz Rosa, do Valor Econômico]