Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Por uma imprensa menos bairrista e mais responsável

Na quarta-feira (13/12), no Estádio Morumbi, foi disputada a final da Copa Bridgestone Sul-Americana entre São Paulo e Tigres da Argentina. Disputa de fato ocorreu apenas no primeiro tempo e o time paulista saiu na vantagem de 2×0. O time argentino não voltou para o jogo após o intervalo alegando que foram agredidos por seguranças no vestiário.

Antes de tudo quero deixar claro que considero o título conquistado pelo São Paulo como inquestionável. O time brasileiro foi o melhor nos dois jogos e mereceu a vitória. Também é verdade que o time argentino abusou da violência dentro do campo nos dois jogos. Principalmente no primeiro tempo deste que decidiu o campeonato. Mas nosso foco será no que aconteceu fora de campo e na repercussão em torno disso.

O Tigres não voltou a campo para o segundo tempo. Jogadores e comissão técnica disseram que foram agredidos pelos seguranças do estádio e ameaçados por armas de fogo. Na quinta-feira (13/12), chegaram até a publicar fotos para provar o ocorrido. A diretoria do São Paulo nega, alegando armação argentina. Bem, quem decidirá se houve agressão de fato ou se é apenas tramoia do Tigres, caberá à perícia criminal decidir. À imprensa, inicialmente, cabe noticiar os fatos ocorridos realizando a apuração dos mesmos adequadamente. Além disso, também é tarefa da imprensa um trabalho investigativo (não de perícia, a menos que ouça peritos) para entender realmente o que aconteceu. O que não cabe à imprensa é dar veredictos baseados em históricos e olhando apenas para um dos lados da história. Menos ainda bater palma para qualquer tipo de violência ocorrida!

A lei de Talião

Durante a partida, a principal emissora brasileira que transmitia o jogo não sabia o que estava acontecendo de fato no vestiário. Para dar alguma satisfação ao público, o narrador chegou a recorrer a informações passadas em redes sociais. Um dos comentaristas logo assumiu seu bairrismo criticando duramente os jogadores do Tigres sem ter ideia do que havia causado a interrupção do jogo. Algum argentino poderia ter escorregado na escada e quebrado o pescoço. E aí? Como condenar uma atitude sem saber o que a motivou? Até um assassinato pode ter sido em legítima defesa.

Após o jogo, a maioria das reportagens cobriu a festa do título. Até aí não vejo problema. O erro acontece quando tais reportagens desdenham dos fatos ocorridos fora de campo taxando-os como choro de perdedor. Isso, novamente, sem ter certeza do que aconteceu. Quando os argentinos começaram a dar suas versões, alguns jornalistas, parecendo querer amenizar o fato, diziam que na Argentina ocorria o mesmo e que os clubes brasileiros não eram bem tratados lá. Houve até um jornalista que disse que aqui os argentinos são recebidos como turistas, mas lá nos tratam como lixo.

Bem, primeiro temos de observar que essa história de que os argentinos foram bem recebidos não é verdadeira. O ônibus do Tigres foi apedrejado assim que chegou ao estádio. Além disso, o time argentino foi proibido de reconhecer o gramado no dia anterior ao jogo e minutos antes da partida. Se isso é ser tratado como turista, começarei a pensar duas vezes antes de visitar o Morumbi. Em segundo lugar, temos de deixar claro que o princípio da reciprocidade não é a mesma coisa que a lei de Talião. O princípio da reciprocidade tem uma ampla aplicabilidade dentro do Direito Internacional Público e das Relações Internacionais, contudo comporta restrições, especialmente quando frente a institutos humanitários. Assim, essa máxima de “se me agrediste lá, posso agredir-te aqui” não pode ser encarada como algo com legitimidade ética ou moral. Se os argentinos agrediram os brasileiros no primeiro jogo, agiram erradamente e devem ser punidos. Mas isso não assegura aos brasileiros o direito de agredi-los aqui.

Mais responsabilidade

O professor e jornalista Felipe Pena disse, em seu livro No jornalismo não há fibrose, referindo-se aos jornalistas, que “gostamos do direito à liberdade, mas desconfiamos das responsabilidades inerentes a ela”. De fato, parece que há muitos profissionais de imprensa que ignoram a responsabilidade que têm quando emitem uma opinião em cadeia nacional. Por isso, assusta-me quando um incentiva a “porrada” e ainda diz “bem feito” ao falar da possível agressão sofrida pelos argentinos. Bem fez o jornalista André Rizek ao afirmar que “é preciso diminuir o clima de rivalidade entre times do Brasil e da Argentina para o desenvolvimento do futebol sul-americano“ e que é patético afirmar que “duelo entre times argentinos e brasileiros sempre é guerra“. Quando um jornalista pega um microfone, ou até mesmo um teclado, precisam ter consciência do poder que possui. É possível iniciar uma verdadeira guerra. Quem forma opinião não tem o direito de ser tão irresponsável e inconsequente!

Outro erro grave é condenar os argentinos pelo histórico deles e ao mesmo tempo ignorar o histórico de incidentes no Morumbi. É verdade que já presenciamos diversas confusões protagonizadas por argentinos em competições sul-americanas, a maioria delas envolvendo violência. Contudo, é totalmente impossível que neste caso eles tenham razão? Não é a primeira vez que um clube reclama de maus tratos no Morumbi. Em 1981, o Botafogo alegou que o vestiário foi invadido no intervalo e jogadores e arbitragem foram ameaçados por seguranças do São Paulo. Ainda nos anos 80, em partida entre Fluminense x São Paulo, o jogador Romerito, do time carioca, foi retirado de campo por uma maca. Quando deixaram as quatro linhas, os carregadores da maca (profissionais do estádio) atiraram o jogador ao chão. E recentemente, o Vasco precisou arrombar cadeado no vestiário para subir ao campo. Bem, por este histórico eu posso dizer que nesta final novamente o São Paulo agiu erradamente? Não, não posso! Os fatos ainda não foram totalmente apurados! Mas se o histórico condena um lado, ele também não absolve o outro.

Acredito que já passou da hora da imprensa deixar esse bairrismo de lado. Essa atitude não traz nenhum benefício ao futebol brasileiro. Compare isso a um pai que sempre acha que o filho está certo, nunca condena suas atitudes e diz que os outros é que estão errados. Ele está formando um cidadão ou um delinquente? O mesmo se aplica à imprensa. É plenamente possível que o São Paulo esteja com a razão neste caso, mas isso só pode ser determinado com investigação e apuração. Mas se a imprensa não quer se dar ao trabalho de apurar, que pelo menos então não tome partido de nenhum lado. E, principalmente, que tenha mais responsabilidade quando atuar como formadora de opinião. Parafraseando Napoleão, tenho mais medo de três jornais do que de cem baionetas.

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[André Marques é analista de sistemas e jornalista, Rio de Janeiro, RJ]