Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Criar um caderno de informática foi desafio editorial e comercial

O telefone tocou cedo em casa no primeiro dia útil de 1983. Era Caio Túlio Costa, que se apresentou como secretário de Redação da Folha e disse que o jornal pensava em criar um caderno sobre informática e que gostaria de conversar comigo. Meu nome aparecera em um jantar na casa de Claudio Abramo, quando o assunto veio à tona em uma conversa informal – eu havia trabalhado durante um ano e meio na revista Dados & Ideias, da Gazeta Mercantil, até então o único veículo no Brasil a tratar da nova realidade da computação pessoal.

O mercado existia, mas nenhum outro jornal diário cogitara criar um caderno dedicado ao tema. Era um grande desafio editorial e comercial. Não havia jornalistas treinados para a tarefa e eu tive três meses para encontrar as pessoas, passar a elas as informações que eu tinha e criar pautas que sustentassem uma edição semanal sempre com um mínimo de seis páginas. Ainda, o departamento comercial, da mesma forma, não tinha a mais vaga ideia do que iria enfrentar.

Uma das riquezas de minha função eram as reuniões semanais, quando eu contava aos funcionários da equipe do então diretor da área e hoje presidente do Grupo Folha, Luiz Frias (um visionário), quais eram os movimentos, em quais portas bater, a quem procurar e por quê. Esta última tarefa não era fácil, dado o fato de que os lançamentos de produtos, ou serviços, eram escassos, num território ao qual o capital ainda não havia se apresentado para bancar uma dinâmica de mercado que viabilizasse o setor. Uma política de proteção para fabricantes nacionais, imposta pelo regime militar, não contribuía para o seu desenvolvimento.

Fechamento tumultuado, mas divertido

Não existia, de início, nem uma equipe – eu tinha um subeditor e uma verba para colaboradores até que as coisas deslanchassem. Com a importância do jornal, e a atração da novidade, apareceram muitos candidatos. Alguns deles hoje ocupam cargos importantes na imprensa, no mundo da comunicação corporativa e como empreendedores – em parte, talvez, por terem sido treinados a tirar leite de pedra.

Surgiram também estudiosos, técnicos, acadêmicos, em uma rede que se mostrou vital para o esforço. A equipe, pelo menos durante o tempo que permaneci como editor do caderno, nunca passou de meia dúzia de pessoas, eu incluído, para edições que tinham até 16 páginas. Sobrava muito espaço para o improviso. Como era impossível preencher o espaço necessário com o que o pífio mercado trazia, optei por elaborar um caderno que foi de início algo que podia qualificar como uma publicação sobre “vida moderna”.

Tratava-se de tudo que pudesse ser relevante, inclusive de fotografia, tema da última página. Eu lia todas as revistas e jornais, principalmente americanos e ingleses, que conseguia achar nas bancas, tanto os especializados quanto os de economia, que pudessem sugerir pautas ou mesmo contivessem reportagens passíveis de serem “cozinhadas”. O fechamento dessa colcha de retalhos era tumultuado, mas muito, muito divertido. O caderno, como se sabe, logo se transformou em um enorme sucesso. E eu tive o privilégio de ser seu criador e estar à frente de profissionais entusiasmados.

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José Eduardo Mendonça criou a revista Bizz e foi editor da Gazeta Mercantil e do Jornal da Tarde; hoje, com 42 anos de carreira, escreve no blog “Planeta Urgente”, da Editora Abril