Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Gastos para produzir discursos crescem 37%

O cenário é sempre o mesmo: o Palácio do Alvorada desfocado ao fundo, enquanto a câmera passeia lentamente sobre trilhos e dá movimento à imagem, sem tirar do primeiro plano a mesma personagem, sentada. O formato dos pronunciamentos de Dilma Rousseff na TV pouco mudou, mas os gastos para produzir os anúncios veiculados em rede nacional tiveram uma disparada nos últimos quatro meses.

Desde que foi eleita, Dilma já convocou emissoras de rádio e televisão para a transmissão de 12 pronunciamentos, que custaram aos cofres públicos um total de R$ 855 mil, em valores corrigidos. O salto no valor pago – já descontando a inflação – foi de 37% entre o primeiro pronunciamento, quando Dilma apresentou o novo slogan do governo, em fevereiro de 2011, e o último, em março, no qual anunciou a desoneração da cesta básica. Os valores pagos incluem despesas com produção, gravação e edição dos vídeos.

Em 2011, os quatro primeiros anúncios tiveram um custo unitário de produção de até R$ 66 mil. Já do final de 2012 até o começo de 2013, os três pronunciamentos feitos superaram os R$ 90 mil cada.

Sem reajuste

A Presidência da República justifica o aumento dizendo que os preços não eram reajustados havia quatro anos. “Em dezembro de 2012 houve uma atualização de valores na produção dos pronunciamentos, uma vez que os preços praticados remontavam ao ano de 2008.”

Se mantiver o preço atual, o governo pode contabilizar em maio, com o tradicional pronunciamento do Dia do Trabalho, gastos de cerca de R$ 1 milhão com os anúncios de Dilma em rede nacional.

O governo federal não paga para veicular os vídeos em rádio e televisão – somente os custos com a produção. Um decreto presidencial de 1979 prevê que as emissoras possam ser convocadas para divulgar gratuitamente assuntos de relevância.

Agências

Três agências de publicidade – Leo Burnett, Propeg e Nova S/B – que venceram licitação e têm contratos com a Presidência da República disputam entre si a confecção de cada pronunciamento.

A Propeg fez 10 dos 12 pronunciamentos de Dilma – muitos deles supervisionados por João Santana, o marqueteiro da campanha petista de 2010. Ele também foi responsável pela campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à reeleição, em 2006.

Apesar de exigir das agências gastos discriminados e cotação de preços no mercado, o governo não informou à reportagem quanto foi pago, por exemplo, a diretores, cinegrafistas, editores, maquiadores e cabeleireiros.

Tudo está embutido no preço total do pronunciamento, uma vez que as agências de publicidade selecionadas para prestar o serviço têm liberdade de subcontratar profissionais de cada área. “As agências são remuneradas pelos serviços por ela intermediados e supervisionados”, afirma a Presidência. O valor pago pelos pronunciamentos é abatido do contrato total das empresas com o governo federal.

No mercado do marketing político, o custo superior a R$ 90 mil é considerado alto, mesmo utilizando equipamentos de ponta e contratando os melhores profissionais de texto, arte, luz e direção de cena.

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Marqueteiro trabalhou de graça para petista

Marqueteiro do PT e da campanha de Dilma Rousseff ao Planalto, o publicitário João Santana “contribuiu” de graça e sem contrato nos pronunciamentos oficiais da Presidência da República. Em nota, o Planalto admitiu a “contribuição gratuita” do publicitário. “Esporadicamente”, diz a nota, “[Santana] conversa com pessoas do governo sobre assuntos de comunicação pública, inclusive pronunciamentos oficiais, mas não recebe qualquer remuneração por tais observações.”

Embora tenha sido questionada, a Presidência não informou sobre outros serviços prestados por Santana além de dois episódios citados pela reportagem. Um deles foi a criação do slogan da gestão: “País rico é país sem pobreza”. O outro é a produção do pronunciamento de 1º de maio de 2011, quando foi lançada a campanha do programa Brasil Sem Miséria.

“[Santana] deu, por exemplo, contribuição gratuita doando formalmente ao governo federal seus direitos de autor referentes à linha criativa do posicionamento da nova Marca Brasil e ideias para a campanha de lançamento do programa Brasil Sem Miséria”, afirma a nota do Palácio do Planalto.

A Marca Brasil é a logomarca que identifica o governo Dilma Rousseff em obras e peças publicitárias. Pela campanha que elegeu Dilma à Presidência da República, em 2010, João Santana recebeu R$ 39 milhões. No ano passado, Santana foi o responsável pela campanha vitoriosa de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo por R$ 30 milhões.

Procurado por e-mail, Santana não respondeu aos questionamentos (Filipe Coutinho e Fernanda Odilla).