Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nem todo fotógrafo é repórter fotográfico

“Vire fotógrafo em um dia e ganhe até R$ 4 mil por mês.” A frase absurda era chamada de capa em uma dessas revistas de futilidades, de circulação nacional, e gerou muita polêmica entre fotógrafos profissionais. Mas a categoria que exige mais respeito é a mesma que em sua maioria se prostitui, não se especializa e quer ganhar o respeito no grito. A matéria é sensacionalista, obviamente, mas nem era pra tanta revolta. O texto é focado nos profissionais que trabalham cobrindo eventos sociais, como casamentos e batizados. É claro que todo fotógrafo precisa estudar bastante para ser o melhor na sua área, mas é possível, sim, clicar um evento social simples com pouca teoria. E é isso o que muitos vêm fazendo.

A grande questão é que no caso dos fotógrafos de casamentos e batizados a relação de confiança é com uma pessoa física. Se o contratante confia em um profissional pouco capacitado, o único prejudicado será ele mesmo. Enquanto isso, muitos profissionais da imprensa, repórteres fotográficos, nunca procuraram estudar a estética da imagem, ou mesmo alguns conceitos de jornalismo.

Existem exceções. Já trabalhei ao lado de um repórter fotográfico, com quem aprendi muito, que é jornalista “de batente”, mas já foi editor de Fotografia em jornal impresso, estuda diariamente e trabalha com um nível técnico altíssimo. Sabe mais de jornalismo do que muito repórter diplomado. Por outro lado, morro de vergonha alheia sempre que vejo um repórter fotográfico matando a gramática. Não precisa saber escrever um artigo, mas pelo menos o mínimo aceitável de sua língua nativa. E foram esses que mais reclamaram quando a matéria da revista saiu, com frases tipo “quero virar engenheiro ou médico em um dia!”.

É só “fotografar as pautas”

É preciso respeitar para ser respeitado. Uns se vendem por qualquer preço, como foto a R$ 1 “porque é pra galera do rock”, enquanto outros não valorizam a capacitação, obrigatória no caso de engenheiros e médicos. Já vi mentira sobre a própria formação. Um coleguinha da imagem chegou a colocar no Facebook que estudou na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) sem nunca ter pisado lá. É uma afronta contra todos os que ralaram muito para entrar e concluir o curso de Comunicação.

E como nem todo repórter fotográfico pode de repente virar fotógrafo publicitário, entender de fotografia não garante que o profissional possa virar repórter fotográfico. Fotojornalismo é linguagem representada por imagens. É a história inteira sendo contada, muitas vezes, por uma só fotografia. Pra isso é preciso estudar um bocado.

Mas para que estudar se o cara pode arrumar um emprego público em uma assessoria onde é só “fotografar as pautas”? “É um bom fotógrafo, mas não é repórter fotográfico”, dizem seus superiores, e o mercado segue cheio de profissionais que antes garantiam seus empregos porque muita gente não se interessava em aprender fotografia.

Os tempos estão mudando

Na pauta o governador vai assistir a um jogo entre dois competidores de futebol de botão. O cara fotografa o jogo, os botões, a equipe técnica, enfim, tudo menos o danado do governador assistindo ao jogo. Na outra o prefeito vai a uma escola entregar dois mil ioiôs e o bendito fotógrafo clica o prefeito, as crianças, as crianças com o prefeito e várias caixas pretas que supostamente contém ioiôs. Mas quem garante que estão lá se os ioiôs não aparecem? Quem garante que o governador foi mesmo ver o jogo? Jornalismo é notícia e fotografia é prova documental.

Se a falta de preparo entre repórteres fotográficos é latente, ainda pior é a situação dos repórteres cinematográficos, tanto que na Paraíba são chamados simplesmente de cinegrafistas. Também existem alguns muito bons, mas a maioria se limita a operar uma câmera e não entra numa discussão sobre fotografia de cinema.

O que acaba acontecendo quase sempre é o cinegrafista filmar o que o repórter aponta. E, formado em Jornalismo mesmo, não conheço nenhum. São guerreiros do batente, ralam muito para levar informação ao público, mas boa formação não faz mal a ninguém.

O mercado também tem culpa. Se antes contratava sem tantos critérios pela falta de opções, os tempos estão mudando e cada vez mais profissionais se formam em Comunicação entendendo bastante de como fazer uma boa imagem. Resta saber se haverá espaço para os mais capacitados e se o nível das imagens no Jornalismo vai mesmo subir.

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Felipe Gesteira é jornalista, João Pessoa, PB