Penso que o papel do jornalista, na sociedade do consumo, é interpretar e traduzir informações. Não cabe a ele apenas informar. Devido à saturação da informação, cabe ao jornalista interpretá-la, atribuindo-lhe sentido e precisão na produção de um bem intelectual que dê ao receptor a possibilidade de refletir e, também, de interpretar. É aí que reside a grandeza de um texto e só então pareceria correto atribuir ao jornalismo o papel de auxiliar na difusão do conhecimento.
O ato de informar consiste em transmitir dados técnicos sobre determinado fato. Estes dados, tal qual o lead, não possibilitam percepção de atmosfera, conjuntura emocional e emissão das particularidades de um fato. A absorção da informação calcada na objetividade jornalística esfria as capacidades emocionais e afeta o entendimento do universo particular de uma ocorrência por parte do receptor.
Ser objetivo não é ser pouco preciso. É possível ser objetivo em um texto jornalístico e descrever um acontecimento com precisão e técnicas narrativas literárias que lhe componham as sutilezas que permeiam a história humana. Inclusive o lead, ou “guia”, possui imenso valor às narrativas não ficcionais, portanto este ensaio não prega sua abominação, apenas uma mudança ótica e executiva.
Reflexo do que consome
Responder a todas as perguntas na abertura de uma matéria é um desserviço ao leitor. Pensa-se que ele não possui tempo para ler jornais. Até parece uma afirmação acertada. Mas será mesmo? Ou será que os textos jornalísticos (salvo o brilho de poucos mestres) são frios, imprecisos, burramente objetivos e o leitor já se acostumou com essa estética técnica e industrial? Ora, o jornalismo se nutre da vida e história humana, portanto sua narrativa não deveria desumanizar as personagens das suas tramas de não ficção. O excesso da objetividade aborta a humanidade de um texto.
A importância do jornalismo bem feito, com pleno domínio do campo narrativo, por vezes chamado de “literário”, fica clara nesta vertente ideológica, em uma sociedade pautada pelo consumo desregrado e imediato, que cultua o objeto “de marca”, onde o “ser” é excluído pela supervalorização de um “ter” desenfreado e ambicioso.
Então, sendo o ser humano, a vida humana, a matéria prima do jornalismo e de toda narrativa, cabe ao jornalista o papel de extrema relevância de atentar-se para a humanização do seu trabalho. O escritor de reportagens não possui mais ou menos valor do que o literato, mas seu trabalho incide imediatamente sobre a sociedade, atingindo uma maior parcela da população com seus textos do que a maioria dos escritores de livros. Além disso, o ser humano acaba sendo o reflexo daquilo que consome, portanto, consumindo narrativas permeadas de olhar humano postulo que o adquirirá, por meio da interação do sujeito com este objeto abstrato, visto que o conhecimento só se manifesta e desenvolve através dele próprio.
Proponentes da reflexão
Ir contra o consumo imediatista é uma solução paliativa para o estabelecimento de uma cultura da coletividade e de parcial igualdade. E sendo o jornalismo, e parte do processo comunicacional humano, uma estrutura de contrapoder, a ele lhe cabe o papel de regular e opor-se a degradação e massificação da mente coletiva da sociedade do espetáculo.
Se o jornalista escreve para seu leitor é por ele, e para ele, que deve se pautar. A intimidade e círculo de confiança gerado pelos jornais de pequenas esferas de abrangência, como jornais e cadernos de bairro, atendem de forma muito mais crucial aos interesses coletivos do que a generalização de abraçar o mundo dos grandes veículos. A estes últimos caberia o papel não de formadores de opinião, mas de proponentes da reflexão.
O verdadeiro papel do jornalista é, e sempre foi, fazer pensar.
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Tiago Lobo é jornalista, Porto Alegre, RS