Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A guerra da informação

O título é pomposo e o objetivo, sórdido. Foram os hackers do Syrian Electronic Army (Exército Eletrônico da Síria) que entraram na conta da Associated Press e mandaram para seu 1,9 milhão de seguidores o falso tuíte anunciando que Barack Obama fora ferido num atentado na Casa Branca. Quando a agência corrigiu a notícia, US$ 130 bilhões tinham se evaporado em Wall Street com o pânico na Bolsa. O grupo não esconde as intenções: financiado pelo governo de Bashar al-Assad, foi projetado para derrubar sites e criar embaraços com publicidade a favor do regime.

Encontrou no ciberespaço um adversário já estabelecido e com credibilidade reconhecida. Na guerra de versões, o tal exército eletrônico enfrenta o metódico relato de atrocidades de ambos os lados e a detalhada contagem do número de mortes do Observatório de Direitos Humanos, um serviço ao qual recorrem os analistas militares de Washington, a mídia internacional e as organizações de direitos humanos na busca por informações confiáveis sobre a selvagem guerra no país. De nome igualmente pomposo e sempre citado pelos jornalistas, o observatório surpreendentemente é trabalho feito de forma quase solitária por um sírio, aquartelado com a família numa casa da cidade industrial de Coventry, perto de Londres. Rami Abdul Rahman, de 42 anos, 13 dos quais fora da Síria, usa a mais barata tecnologia de comunicação com a internet para receber, checar e distribuir imagens, vídeos, links e posts no site, no Twitter ou na página do Facebook do seu observatório.

Mais de 60 mil mortos

A desproporção de recursos de um e outro é a mesma do armamento usado por governo e rebeldes no campo de batalhas do mundo real. Militantes de oposição dizem que o Exército Eletrônico Sírio é financiado por um bilionário primo do presidente Assad e estaria operando nas sombras de uma de suas companhias em Dubai – ele pagaria US$ 1.000 por cada ataque aos sites do ocidente, além de bancar casa e comida para os hackers sírios, um dinheiro considerável para os padrões do país em guerra. Teriam também uma discreta ajuda tecnológica da Rússia, um dos últimos aliados de Assad. “Os hackers atuam sob as ordens de Damasco, mas também fazem ações por conta própria”, disse um ciberativista de oposição ao jornal El País. No fim de semana passada, o Exército eletrônico atacou The Guardian sob o argumento de que o jornal só publica mentiras sobre a Síria. Anteriormente, já tinham entrado nas contas de Twitter da al-Jazira e da BBC, mandando mensagens do tipo “longa vida para a Síria” ou o “Exército Eletrônico da Síria esteve aqui”.

Muito menos espalhafatoso é o trabalho do Observatório de Direitos Humanos da Síria. Preso no computador e Skype praticamente todas as horas que passa acordado, Abdul Rhaman mantém-se conectado com quatro pessoas dentro da Síria que, por sua vez, recebem informações de 230 ativistas, uma rede montada por ele na época em que organizava protestos políticos ainda na Síria. Recentemente, ganhou o reforço de um quinto voluntário, encarregado de fazer a tradução de tudo para o inglês. A operação é financiada pelos lucros de uma loja de tecidos do pai e por um pequeno financiamento da União Europeia e de alguns países – mas ele não dá números nem nomes. Governistas e rebeldes reclamam das informações que posta e, dependendo do momento, o acusam de estar a serviço da Irmandade Muçulmana, do Qatar, da CIA e de outros interesses não confessáveis. Mas as organizações de direitos humanos confiam nos seus métodos e números, consideram-no como a voz mais autorizada para relatar a conturbada vida no país.

Quantos já morreram na guerra? Até ontem [terça-feira, 30/5], o número do Observatório indicava 62.554, marcando março como o mais mortal dos meses: 6.005. Sobre o uso de armas químicas no front de batalha, ele limita-se a distribuir os links com acusações trocadas entre rebeldes e governistas acusando uns aos outros de terem cruzado a linha vermelha marcada pelo presidente Obama como a senha de que repensaria a posição dos Estados Unidos diante do conflito.

Só os ingleses

O escândalo sexual que sacudiu o cenário político no Reino Unido tem exposição comemorativa dos 50 anos na National Portrait Gallery. Para os britânicos, há o que comemorar: a descoberta de que uma garota de programa – a bonitinha Christine Keeler – estava tendo um caso com o ministro da Guerra, John Profumo, e ao mesmo tempo com um espião russo é considerada como um marco do início da revolução sexual na terra da rainha. Foi em 1963, o mesmo ano em que os Beatles gravaram o primeiro álbum, a pílula anticoncepcional foi lançada e James Bond estreou nos Estados Unidos, vendendo a ideia de que a Inglaterra podia ser sexy. “Estava começando a separação entre bebês e sexo”, vaticinou o novelista Fay Weldon. A exposição é um documento de uma época, mas não deixa de ser engraçado: é um pouco como se os americanos comemorassem o aniversário do caso Monica Lewinsky com Bill Clinton abrindo uma exposição num dos mais importantes museus de Washington.

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Helena Celestino é colunista do Globo, em Londres