Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma visita simbólica

Em recente conversa com o correspondente Andreas Wunn da TV pública alemã ZDF, no Rio de Janeiro, ele foi taxativo: “O Brasil não se interessa pela Alemanha”. Entre os dias 13 e 16/5, sob o gancho “abertura do ano da Alemanha no Brasil”, o presidente alemão Joachim Gauck marcou presença em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O evento de maior importância da viagem oficial foi, juntamente com a presidente Dilma Rousseff, a abertura do Encontro Econômico Brasil-Alemanha, em São Paulo. Em reportagem exibida no Jornal Nacional (13/5), a âncora Patrícia Poeta anunciou o encontro com “o presidente da Alemanha”, sem mencionar seu nome ou qualquer outro aspecto para diferenciar a matéria.

Na matéria propriamente dita, o jornalista Alberto Gaspar mencionou erroneamente o nome do presidente e na página web da Globo, que disponibiliza o texto da matéria, em vez de Joachim Gauck consta “Joakin Grauck”.

“No encontro com o presidente alemão, troca de elogios para ciência e tecnologia alemãs, para a política ambiental e a baixa taxa de desemprego brasileira. Joakin Grauk também parabenizou a presidente pela eleição do diplomata Roberto Azevêdo para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio, apesar da Alemanha ter apoiado outro candidato” (ver aqui).

Mesmo que o agendamento do ano da Alemanha no Brasil tenha sido planejado com anos de antecedência, a imprensa brasileira não achou conveniente publicar matérias de conteúdo – esclarecendo, por exemplo, o papel limitado e de cunho representativo que o presidente tem no país que segue o sistema de democracia parlamentar.

Envio de recados

Num dos artigos sobre a visita do presidente, foi mencionado que Gauck teria sido “enviado” pela chanceler Angela Merkel – já que, dizem as más línguas, Dilma Rousseff e Angela Merkel teriam uma relação “difícil”, que na palavra alemã schwierig suscita grande incompatibilidade. Merkel, que estaria devendo uma visita oficial ao Brasil, teria enviado Gauck para “sondar o terreno”.

Frases como “convido as pessoas a encontrar a Alemanha sem preconceitos”, diante de uma plateia de convidados alemães e brasileiros, a maioria empresários, no Teatro Municipal de São Paulo, não trarão como resultado uma real aproximação cultural entre os dois países. Nem mesmo os encontros regulares no Bar do Ernesto, promovidos pelo Instituto Goethe no Rio de Janeiro, irão transpor a barreira existente no âmbito cultural, nem tampouco os projetos culturais de robusto orçamento institucional, concebidos e coordenados por instituições com interesses econômicos no Brasil, terão como resultado uma real aproximação de cunho cultural entre os dois países.

Somente através da experiência cultural se poderá eliminar os inúmeros clichês existentes no Brasil sobre a Alemanha – até chegar o dia em que o habitante do morro Santa Marta saberá de quem está apertando a mão, sem ter que para isso depender do Jornal Nacional ou de qualquer outro meio de comunicação.

Gauck fez uma visita recheada de tópicos, de fato, condizentes, com a sua biografia: por exemplo, o encontro com a Comissão da Verdade e o comprometimento em possibilitar às autoridades brasileiras o acesso a informações que possam ajudar o trabalho da Comissão, a pedido da presidente Dilma.

Cobertura da imprensa alemã

Jornais de grande porte e grande número de leitores cobriram a visita do presidente com matérias de conteúdo relevante . O destaque é para o jornalista freelance Tobias Käufer, que radicado em Bogotá cobriu para a redação alemã da emissora Deutsche Welle e para o Mannheimer Morgen, esse último de forte cunho político.

O Berliner Zeitung publicou duas matérias, uma delas da agência de notícias DPA (ver aqui), mas a cobertura diária e mais robusta em quantidade da visita à Colômbia e ao Brasil ficou com o tabloide Bild. As notícias mencionavam o entusiasmo da companheira do presidente ao ver a estátua do Cristo Redentor, assim como a notícia, claro, em primeira mão, de que o casal teria “fugido do hotel de luxo Copacabana Palace para andar de mãos dadas à noite, na praia de Copacabana”, e que os seguranças os teriam acompanhado discretamente (ver aqui).

A visita de Joachim Gauck ao Brasil foi, como diz o ditado em alemão, “uma mosca de um dia”, sem um efeito-dominó para recíproco conhecimento dos dois países. Com certeza não serviu de motivação para uma necessária mudança de paradigma da mídia brasileira em relação ao país do chucrute e do simpático Sebastian Vettel. Grande parte da imprensa brasileira prefere continuar apostando no eixo obsoleto Paris-Londres- Washington.

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Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988