Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A retórica da vingança

A expressão é forte; o significado que dela emana, maior ainda.

Em debate na TV, sobre a execução penal e alternativa do regime semiaberto ser cumprido no domiciliar devido à lotação carcerária, promotor de Justiça gaúcho reivindicou para si, como elogio, o fato de ser chamado de “nazista”. Disse o promotor que ser chamado assim significa que está fazendo bom trabalho, pois é rigoroso ao cumprir seu mister. Para além da repercussão que a autocomparação ocasiona, vale analisar a fala no contexto do papel que alguns promotores pensam desempenhar, como vocação redentora de combate ao crime.

Ainda há, no seio da corporação, na plena vigência do Estado de Direito, um resquício de discurso quase autoritário, que cumpre dupla função: reafirmar o espaço corporativo de combate ao crime, senão exclusivo, ao menos majoritário, em particular, no confronto com as forças de segurança; e, usar uma retórica que serve para apaziguar o sentimento de desproteção e abandono do cidadão comum, que se acha vitimizado e inseguro. Esse último aspecto está arraigado ao discurso de alguns promotores, em especial aqueles que lidam contra o crime e pregam a estrita e dura aplicação da lei penal e processual, como se ela contivesse, por si só, a solução do caos criminal.

Aristóteles escreveu a TecneRhetorica (Retórica), que é a arte e análise da comunicação, sob o viés do discurso público com fins persuasivos. Uma tentativa de sistematizar racionalmente a fala pela argumentação e pela dedução lógica das premissas usadas e sua função prática. A ele, como a Platão, seu mestre, repugnava o mero uso emocional, de puro efeito externo.

Medoeintimidação

Ao usar o adjetivo “nazista” como forma de identificação com a “segurança” e “aplicação rigorosa da lei”, o promotor manda mensagem à sociedade de que alguém está velando por ela, dizendo: “Fiquem tranquilos. Estou combatendo o crime e vingando vocês.” É a entrega, em nome do Estado, da vingança pública que o cidadão não pode realizar de modo privado.

Para muitos, nazistas cuidando de presídios resolveria o problema criminal, principalmente quando a fumaça saísse das chaminés.

Só que instituições do Estado, como o MP e seus membros, não podem querer apaziguar corações e mentes do povo com a retórica do medo e da intimidação. O termo “nazista”, para além de trazer segurança, traz à lembrança que um dia a lei foi usada como meio de privação de direitos, usurpação da justiça, terror de Estado e morte.

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Ben-Hur Rava é professor universitário e advogado