Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Receita certa para o espetáculo

Nos últimos dias, dois fatos ganharam destaque na mídia por seu caráter absurdo e, ao mesmo tempo, constrangedor: a agressão física cometida pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que desferiu dois socos em um cidadão após uma discussão, e a condenação do juiz que mandou prender o grupo musical Planet Hemp, em 1997, por receber propina de um traficante.

O caso de Eduardo Paes é um prato cheio para os jornais: trata-se não só de uma pessoa pública, como alguém que, pelo cargo que ocupa, tem ainda mais obrigação de se comportar de modo exemplar. Para tornar o cenário ainda mais grave, a confusão se deu com uma pessoa relativamente popular, o músico Bernardo Botkay, em um sofisticado restaurante da zona sul da cidade. Não por acaso, poucas horas depois do ocorrido, um texto redigido por ele já “bombava” nas redes sociais.

Com tantos ingredientes espetaculares, não há dúvida de que a mídia seguirá acompanhando de perto os desdobramentos do caso, como já ocorreu no dia seguinte ao acontecimento: “Para Sérgio Cabral, atitude de Paes em restaurante não se justifica” (O Globo, 27/5); “Casal que se envolveu em briga com prefeito Eduardo Paes terá que prestar novos esclarecimentos” (Manchete Online, 27/5).

O tráfico de drogas e um estranho interesse

Já a condenação do juiz Vilmar José Barreto Pinheiro obteve espaço na pauta dos jornais por três razões básicas: por ter como protagonista o juiz que mandou prender o grupo de origem de Marcelo D2, hoje um cantor de expressão nacional; pelo fato de que justamente o magistrado que ordenou a prisão dos integrantes da banda por apologia às drogas foi condenado por receber propina de um traficante; e, finalmente, por envolver uma autoridade máxima da lei que se corrompeu e, não obstante, se aposentará com um salário de R$ 28 mil mensais.

Outra vez, tem-se a receita certa para repercussão nos veículos de comunicação de massa: uma pessoa famosa envolvida em um acontecimento inesperado e de contornos grotescos. Nesse caso, contudo, não há a perspectiva de permanência do assunto na agenda dos jornais, dado que a Justiça já estabeleceu a maior pena possível para o juiz. Por outro lado, fica lançado o “gancho” para os jornais investigarem o envolvimento de representantes dos três poderes da República com o tráfico de drogas – e até que ponto não é exatamente esse interesse que está por trás do discurso contrário à legalização de entorpecentes.

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João Montenegro é jornalista, Rio de Janeiro, RJ