Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Todos contra um

Nos grandes veículos de comunicação, os ataques a um governo democraticamente eleito pelo povo tornam-se cada vez mais frequentes. Revistas, jornais e programas como talk shows têm, amiúde, o mesmo alvo, disparando acusações falsas e de grande alarde para quem lê. Não raro, acusam-no de comunista, revolucionário ou qualquer coisa que o valha, desde que o impacto da calúnia tome proporções semelhantes. Esse ataque unilateral também ganha outros campos que possam arrebatar uma possível oposição civil, e nada tão forte como a religião. De uma vez só, acusam o governo de inimigo da moralidade cristã, conseguindo, assim, a simpatia das duas maiores religiões do Brasil: a igreja católica e a evangélica.

Unidos esses grupos em um só, eles pregam o medo em toda parcela da população, arrebatando, assim, os que estavam à margem dessa organizada oposição. Isso é feito através do medo – mecanismo fundamental para que um grupo possa governar ou manipular um outro, como bem descreveu Maquiavel, seguidor não tão coerente com aqueles que seguem – ou dizem seguir – a filosofia de Tomás de Aquino. Com uma grande quantidade de civis insatisfeitos e temendo ditaduras, líderes civis os coordenam às ruas, em grandes manifestações que pedem a renúncia do então presidente. Unidos às Forças Armadas, prometem uma intervenção militar para reconstrução da ordem civil e moral do Estado.

Não, não estamos narrando os acontecimentos premeditados à derrubada do governo Jango, com a liderança civil de Carlos Lacerda ou com as manifestações cristãs que pediam a intervenção das Forças Armadas, no objetivo de justificar um golpe para evitar um outro, sendo que este último nunca existiu. Estamos falando de agora, o ano de 2013.

O medo de Lula nas eleições de 2002

Religiosos engajam-se politicamente, temendo o comunismo. O engajamento, como descreveu Pascal Bernardin em seu livro Machiavel pédagogue ou Le Ministère de la réforme psychologique (por ironia, um livro que denuncia um suposto esquema globalista de liderança comunista), é uma forma de preparo de terreno muito eficaz para manipular-se um determinado grupo. Numa outra ironia, quem está fazendo isso é a direita. Na semana passada, em seu canal no YouTube, o economista liberal Rodrigo Constantino sugeriu uma aliança entre os liberais-libertários e os liberais-conservadores, em combate à esquerda brasileira. Sugeriu que deixassem as discussões morais divergentes entre os grupos, como o aborto e a liberação das drogas, para depois, pois o momento agora era de combate a uma suposta hegemonia esquerdista. Essa união já está em curso e a direita tem propagado com muito sucesso as suas ideias de oposição.

A força de acusação não é nenhuma novidade, visto que é facilmente perceptível a semelhança com o que fora feito em meados de 1964. É muito fácil perceber isso nas redes sociais, onde há um espaço de compartilhamento muito grande e que atinge uma parcela ainda maior. Esse mecanismo substituiu a forma de propagação utilizada nos anos 60. Antes apenas se informavam através de jornais e a propaganda se dava através de cartazes e conversas informais. Hoje, com as redes sociais, basta que um pequeno grupo leia as matérias publicadas nos veículos de comunicação e os compartilhe em redes sociais livres para aplicar qualquer distorção no conteúdo já fortemente tendencioso. Os resultados, evidentemente, atingem em escala viral. Quem não lembra da atriz global Regina Duarte e o seu medo de Lula, nas eleições de 2002?

Umquadro previsível

Essa propaganda sorrateira, que já é vista desde os tempos do Collor, procura cercar qualquer medida possa ser reconhecida como progressista, procurando criminalizá-la socialmente, de forma que fique fértil às atribuições falsárias que estão sendo dadas hoje. A produção de propaganda também volta a alcançar as livrarias, como a série Guia Politicamente Incorreto, que ganhou uma edição ampliada e hoje está na lista dos best-sellers das livrarias brasileiras. Toda propaganda produzida atingiu a faixa etária que veio após a década de 70, ou seja, uma geração que não conheceu a ditadura militar de perto, ou ao menos o seu ponto mais nefasto. Resultante a essa mudança política, formou-se uma estranha geração formada sob uma dialética dupla, confundindo-se entre o conservadorismo e o progressismo. A juventude, hoje, é extremamente conservadora em alguns pontos e progressistas em outros, sem dar-se conta disso. Até o seu vocabulário mudou. Hoje, os mais ou menos politizados usam novamente os termos dos anos 60, como comuna e reaça, o que mostra a mudança cultural feita também no vocabulário.

Estacionamos novamente no medo de uma suposta ameaça comunista, como já muitas vezes fabricada. Já dizia Cazuza: “Eu vejo um museu de grandes novidades.” O quadro é bastante previsível, para quem acompanhou os rumos que o jornalismo brasileiro. Os donos dos grandes jornais devem estar felicíssimos com os resultados do trabalho dos seus cães de guarda.

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André Rosa é analista de sistemas e escritor, São José do Vale do Rio Preto, RJ