Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A aula de jornalismo esportivo da revista ‘Exame’

O Brasil sedia dois importantes eventos de futebol num período de um ano e o primeiro começa nesta semana: a Copa das Confederações, evento que funciona como um teste para o maior torneio, a Copa do Mundo, em 2014. Há com isso um impacto no futebol de maneira gritante, em todos os aspectos. Porém a escassa mídia especializada não faz uma cobertura de qualidade sobre o momento que o futebol brasileiro experimenta. Mais deprimente é que uma revista de economia foi quem reportou de forma brilhante os novos aspectos que circundam o esporte rotulado de paixão nacional.

Restringindo-se apenas à mídia impressa, o Brasil tem dois grandes veículos esportivos: o jornal Lance! e a revista Placar e, às vésperas desses dois eventos, a cobertura inovadora foi mínima. O jornal Lance! teve uma edição especial na qual detalhou o resultado final das obras no estádio do Maracanã. Depois… O jornal é mais dedicado ao noticiário imediatista, dos jogos que aconteceram ou vão acontecer e abastecido de especulações rasas envolvendo as equipes de futebol. A Placar, com cobertura 100% sobre futebol, dá um destaque maior aos perfis de jogadores e reportagens investigativas, linha editorial correta. Contudo, nas seis edições de 2013, nada sobre os bastidores da Copa das Confederações, da Copa do Mundo.

Eis que a Exame, integrante do mesmo grupo de publicações da Placar – Editora Abril –, produz uma estupenda matéria de capa com o título “Como o capitalismo pode salvar o futebol brasileiro (e o seu clube)”, edição 1042. A chamada na capa, que tem uma foto do atacante do Barcelona Neymar com a camisa da Seleção, diz: “Às vésperas da Copa do Mundo, os clubes brasileiros ganham dinheiro como nunca – e têm uma chance única de entrar para o pelotão de elite do futebol mundial.”

Combinação de situações

A reportagem, assinada por Lucas Moreira, disseca em robustas 10 páginas uma primorosa análise de como o futebol brasileiro tem se transformado e como chegar no topo junto com as principais ligas. O texto, muito bem escrito e amarrado, pontua tópicos interessantíssimos e apresenta soluções, questionamentos, problemas e críticas.

Um assunto a que é dado maior enfoque é o da gestão profissional. Em ordem, ajuda a ganhar títulos e ter uma administração bem avaliada pelos torcedores. Traça-se paralelo com os políticos em relação à transparência na prestação de contas, necessária para quer o torcedor saiba como o clube está investindo/gastando o dinheiro arrecadado. Dentro disso, são ressaltadas as gestões do Santos, Corinthians e Internacional.

É feita comparação interessante com o futebol inglês e o alemão. Após volumoso contrato com a TV, a Premier League (Inglaterra) passou a ser a liga mais valiosa do futebol mundial – conforme aponta a matéria; os clubes brasileiros recentemente renovaram com a principal emissora do país num valor 50% a mais que a cota anterior. A comparação com a Bundesliga (Alemanha) é com o público nos estádios, que aumentou sensivelmente após o país ser sede da Copa do Mundo de 2006. Se o Brasil aproveitar, uma combinação de situações pode alavancar fortemente o futebol nacional.

Fica a lição

Outros temas explanados: média de público do Brasil é menor do que a da MLS (liga americana de futebol/soccer); novas empresas investindo no futebol; crescimento de sócios torcedores; fim da politicagem interna; e o bom exemplo da NFL, maior liga esportiva do mundo.

O que também enriquece a reportagem são as fontes utilizadas e pessoas entrevistadas, como: Eduardo Bandeira de Mello, ex-diretor do BNDES e atual presidente do Flamengo, Ricardo Tadeu, executivo da Ambev, Edu Gaspar, ex-jogador e atual gerente de futebol do Corinthians, Álvaro de Souza, ex-presidente do Citibank no Brasil e membro do comitê gestor do Santos, Anita Elberse, professora de negócios de Harvard e Edward Lange, presidente da Allianz no Brasil.

Essa edição da revista Exame é para guardar, trabalho bem feito de um veículo que tem como foco principal o business e soube utilizar um gancho super popular, em voga, para no momento ideal publicar uma reportagem aplicada certeiramente. Quem deve estudar com carinho essa matéria são os editores responsáveis por veículos estritamente esportivos (futebolísticos) para que saibam como produzir um material da mais alta qualidade.

Tanto a Placar quanto o Lance! não devem – nem precisam – mudar o direcionamento jornalístico que praticam, mas quando uma revista de economia faz a principal reportagem do ano sobre futebol…

Fica a lição para que aprendam.

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João da Paz é jornalista, São Paulo, SP