Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A difícil missão de transmitir o significado emocional das marcas

O marketing pode soar lamentavelmente superficial. A linguagem do “envolvimento emocional”, dos “pontos de paixão do consumidor” e dos “principais formadores de opinião” que o setor passou a apreciar tanto é difícil de vender a executivos-sênior eternamente pressionados para gerar retornos concretos de seus investimentos em publicidade.

Não é de estranhar que executivos das multinacionais Procter & Gamble e da Mondelez International tenham se sentido capazes, recentemente, de pôr as agências de publicidade em apuros ao adiar, por 75 dias e 120 dias, respectivamente, os pagamentos que deveriam efetuar.

Os gastos com publicidade vão alcançar US$ 518 bilhões este ano, segundo estimativa da agência ZenithOptimedia, mas, num momento em que a mídia enfrenta mudança acelerada nos campos digital, móvel e social, os proprietários de marcas nunca estiveram mais inseguros dos retornos que esse investimento gera do que atualmente.

É tentador, em vista disso, ignorar um relatório sobre “marcas significativas” como mais blá-blá-blá. A ideia de que um telefone, um automóvel, um xampu ou um tênis de corrida tenham grande significado soa como a promessa excentricamente grandiosa de um executivo de propaganda para “um produto que vai mudar a sua vida”.

Mas o estudo “Meaningful Brands” (“Marcas Significativas”) divulgado esta semana pelo braço de compra de espaço na mídia do grupo francês de marketing Havas merece ser tomado mais a sério.

Em primeiro lugar, sua metodologia lhe empresta consistência: a Havas pediu a opinião de 134 mil consumidores de 23 países sobre 700 marcas, e resolveu definir “significado” por 12 indicadores das contribuições das marcas à qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo.

“Valor compartilhado”

Alguns instrumentos de mensuração foram tomados emprestados dos índices aplicados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo Banco Mundial (Bird) para chegar ao que é conhecido por alguns como felicidade interna bruta para a iniciativa que Umair Haque, diretor de mídia da Havas, chama de primeira tentativa de ligar o bem-estar humano a marcas.

Em segundo lugar, o estudo foca precisamente nos números concretos que os contadores ultraminuciosos das empresas apreciam. As 25 marcas consideradas pelos consumidores “as mais significativas” superaram o desempenho das ações mundiais em 120% nos últimos dez anos.

Essas marcas mais apreciadas não são todas óbvias, quando medidas pelos habituais parâmetros de receita, capitalização de mercado ou valor de marca. A Apple, por exemplo, é a marca mais valiosa do mundo – pelo menos hoje – e encabeça o rol BrandZ da agência WPP das marcas mais valiosas do mundo, mas está em 22º lugar na lista das Marcas Significativas. Outras marcas – Google, Samsung, Microsoft e Sony – dividem os cinco primeiros lugares da lista com a Nestlé, um reflexo, diz a Havas, de como a tecnologia emancipou os consumidores.

A Havas diplomaticamente se recusa a identificar as que ficaram nas últimas colocações, mas a McDonald's, a quarta da lista BrandZ, não figura em seu ranking das 25 mais significativas. A General Motors, uma das maiores anunciantes dos Estados Unidos, também não. Empresas financeiras e de energia têm má classificação e, apesar de seu crescimento mundial, as marcas chinesas não alcançaram o sucesso.

O terceiro ponto que reforça a credibilidade do relatório é seu recado profundamente desconfortável para as agências de publicidade. A maioria das pessoas de todo o mundo, detectou a Havas, não se importaria se 73% de todas as marcas desaparecessem.

Há ainda mais descobertas preocupantes na Europa e nos Estados Unidos, onde os consumidores não se importariam se 92% das marcas desaparecessem.

O desapego não ocorreu da noite para o dia. Mas o que o causou, e como as marcas podem se tornar mais significativas?

Em mercados maduros, a saturação da marca pode ser parte do problema. Não se precisa passar muito tempo num supermercado americano para concluir que há simplesmente um excesso de marcas sem importância.

E, o que é mais importante, um número demasiadamente grande de marcas tem feito promessas que não conseguem cumprir. Pouco menos de um terço dos consumidores acha que a comunicação das marcas é sincera, o que resulta num crescente descrédito.

Após o esforço e o dinheiro gasto em programas de responsabilidade social corporativa, iniciativas de sustentabilidade e no que Michael Porter chama de “valor compartilhado”, uma tentativa de casar o progresso econômico com o social, essa descoberta é desanimadora.

Executivos parcimoniosos

De forma mais construtiva, o estudo mostra que os consumidores recompensam marcas que os ouvem; que oferecem boa qualidade; marcas de produtos inovadores a preços justos; que tornam sua vida mais feliz, mais fácil e mais saudável; e que apoiam o meio ambiente, a economia e a comunidade.

“Está despontando um novo modelo da prosperidade humana, centrado em torno da ideia de potencial e bem-estar humanos”, diz Haque. É uma afirmação ambiciosa.

Mas não há nada de superficial na correlação entre contribuir para o bem-estar dos consumidores e ser recompensado pelos consumidores e, por sua vez, pelos investidores. Haque quer usar os dados para conceber um novo instrumento de mensuração financeira, a “relação preço sobre bem-estar”. Os executivos podem paparicar os lucros, observa ele, mas “não se pode paparicar o significado”.

Essa pode até ser uma maneira de a comunidade de marketing convencer executivos de compras extremamente parcimoniosos de que ela ainda pode ser significativa.

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Andrew Edgecliffe-Johnson, do Financial Times