Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Pessoas comuns que estão na hora certa e no lugar certo

Com a ascensão e a proliferação da internet no planeta, o jornalismo vem sofrendo uma transformação incrível. Isso acontece através de pessoas comuns que estão na hora certa e no lugar certo. Testemunhar um acidente ou relatar a precariedade de uma determinada rua, por exemplo, chama a atenção do cidadão de tal forma que ele hoje passa a ser um narrador de fatos, e não somente um mero espectador. Para isso, é fundamental que ele tenha em mãos a ferramenta adequada para o compartilhamento, quase sempre um smartphone.

É comum encontrarmos na web sites em que os internautas postam textos, fotos e vídeos de acontecimentos que julgam ser relevantes. Esse tipo de publicação ocorre geralmente em sites de redes sociais, como Facebook, e microblogs, como o Twitter. De olho nessa prática atual, veículos tradicionais desenvolveram canais virtuais para esse tipo de contribuição, como o Você, no G1, e o IReport, CNN. A interação entre cidadão e jornalista está inclusa no jornalismo-cidadão.

O jornalismo-cidadão, segundo os autores Ana Carmen Foschini e Roberto Romano Taddei, é dividido em braços, entre eles o cívico, o participativo, o colaborativo e o grassroots. A cada termo, uma maneira de fazer. Mas como a imprensa trabalha com essa atual realidade? Oferece perigo? Ajuda? São questões que a princípio podem parecer simplórias, mas que rendem um estudo muito mais complexo do que pode ser descrito.

Polêmica no meio jornalístico

Daniel Scola, jornalista e âncora do programa Gaúcha Repórter (Rádio Gaúcha/Porto Alegre), afirma que a interação da rádio com o ouvinte é fundamental “desde sempre”. O espaço do receptor em seu programa permite trabalhar o assunto de um formato diferente, trazendo o público para a roda de debate. Isso poderia se enquadrar na categoria de jornalismo participativo (somente com comentários e opiniões), mas sua ideia vai além. “Hoje, com rede social, telefone celular, torpedo, ninguém mais é dono da informação. O que eu gosto é de pegar o dado que vem do ouvinte, trazer um especialista e fazer um cruzamento de informações, vendo ela por todos os lados e analisando o impacto que isso causa à sociedade. Hoje o ouvinte é uma espécie de pauteiro”, afirma.

Scola conta que 50 a 60% do conteúdo transmitido no seu atual programa é oriundo de ouvintes. “Chamo de informação compartilhada. É tu compartilhares uma informação que tu deténs”, explica. No matutino programa Gaúcha Hoje, que foi apresentado por Scola durante oito anos, ele diz que 90% das informações de trânsito, ocorrências policiais e de prestação de serviços vinham dos ouvintes. Nota-se então, que hoje em dia o cidadão tem cada vez mais o poder nas mãos para pautar a imprensa, que desencadeia as mais diversas opiniões entre o público.

Todo o progresso da internet e das evoluções dos dispositivos tecnológicos causa alvoroço nos meios midiáticos. Recentemente, o Chicago Sun-Times demitiu toda sua equipe de repórteres fotográficos e deu aos jornalistas smartphones. Polêmica no meio jornalístico! A Rede Globo não pronuncia mais as palavras “Twitter” e “Facebook”, se dirigindo a elas como “rede social de mensagens curtas” e “uma grande rede social”, respectivamente. No livro Jornalismo digital: audiovisual, convergência e colaboração, de Demétrio Soster e Walter Lima Junior, há uma ideia do presidente da CNN, John Klein, sobre a concorrência da web.

Histórico “não é muito bom”

Leia-se que “o maior desafio mercadológico da Cable News Network hoje não são as novas emissoras dedicadas à informação em tempo integral, como é o caso da Fox, mas ser mais confiável que redes sociais em vertiginoso crescimento, como Facebook e Twitter”. O trecho segue. “Na opinião do presidente da CNN, portanto, a concorrência jornalística é menos preocupante que ambientes de produção colaborativa de informação.” Eternas discussões.

O começo do texto remete o leitor a pensar em pessoas que estão na “hora certa e no lugar certo”. No condomínio Viva Rossi, localizado na zona norte da capital gaúcha, houve um exemplo claro dessa situação. Um vídeo postado no YouTube, sábado, dia 11 de maio, gerou revolta em grande parte da população. Na gravação feita por celular, uma mulher aparece agredindo, junto com o filho, um filhote de poodle toy. O vídeo foi gravado por um vizinho da agressora. A repercussão veio através da publicação que ele fez no seu perfil pessoal do Facebook. Pela postagem, seus amigos tiveram conhecimento da violência e compartilharam as imagens. Esse compartilhamento em massa desencadeou uma visibilidade imensa que chegou ao conhecimento da mídia local, que a reproduziu e pautou, inclusive, a imprensa nacional.

Não só em Porto Alegre, mas em todo o Brasil houve manifestações de repúdio contra a mulher, Fernanda Vanacor. O caso foi parar na polícia. Ela foi indiciada por crimes de maus-tratos contra animais, maus-tratos contra crianças e constrangimento de menores. Protestos foram mobilizados através das redes sociais. A comoção foi grande a favor do poodle. O cãozinho agredido está sob os cuidados de Bruno Campelo, subsíndico do residencial onde mora a agressora. Ele diz que o histórico da mulher “não é muito bom” (por isso o indiciamento de agressão não só relacionado a Rossi – nome dado ao cãozinho –, como também ao filho menor).

Adorável cãozinho

A violência contra o poodle havia sido flagrada diversas vezes e depois de registrada por um morador com telefone celular, Bruno foi procurado por vizinhos revoltados. “O pessoal me procurou pra falar sobre a situação que estava acontecendo no apartamento. Eu fui lá ao apartamento, conversei com eles e peguei o cachorro. Depois disso me perguntaram se era possível postar no YouTube ou no G1 pra ver se poderia render alguma coisa e eu disse para postar”, relata Bruno. Entre uma pergunta e outra, retruca que sua vida não mudou desde a repercussão do caso. “Só não achei que ia repercutir tanto. Achei que poderia passar algo na mídia local, mas não imaginei que iria exagerar para a mídia nacional. Tanto é que hoje chegou uma amiga minha dos EUA e disse que viu lá na internet”, confessa admirado.

Na análise do jornalista Daniel Scola, esse é um exemplo claro do poder que as pessoas têm de gerar informação. “O vizinho identificou uma situação real, fez o flagrante e usou a internet para divulgar isso. Acho isso fantástico no jornalismo”, expressa. Nessas situações a imprensa faz um diferencial. “O vídeo somente na internet ficou rendendo polêmica, mas a grande repercussão e impacto social, com pedido de prisão da mulher e tudo, só veio quando a imprensa se apropriou do produto (que estava à disposição) e fez disso uma reportagem”, explica Scola. O papel da imprensa nesse caso foi chancelar a informação com a sua credibilidade. Ele diz que mesmo com as redes sócias, o receptor olha com muita mais atenção uma determinada situação quando ela é exposta pela imprensa.

Qualquer pessoa pode ser um cidadão jornalista, basta ter uma conexão de internet, créditos no celular ou qualquer outro tipo de acesso à rede. Para que isso se torne um material jornalístico, os fatos registrados precisam ser relevantes para a sociedade, seja por texto, foto ou vídeo. Hoje você faz a notícia e faz a diferença na sociedade. É importante lembrar que nem todos terminam com a sorte de Bruno Campelo. Mesmo afirmando que sua vida não mudou desde o caso, ele recebeu um novo integrante na família: o adorável cãozinho Rossi. Entre as perguntas, ele deixa escapar: “A mulher da propaganda do Datena gostou do que eu fiz e me deu uma super frigideira”, exibe-se sorridente.

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Leonardo Pujol é estudante de Jornalismo, Porto Alegre, RS; colaboraram Rodrigo Rodembusch, Sara Munhoz e Priscila Valério