As bancas de jornal, que já vendem de tudo um pouco – doces, sorvetes e até fotocópias – preparam-se para mudanças que podem ajudar a alavancar as vendas. A principal aposta é no vale-cultura, que pode aumentar em até 30% a venda de jornais e revistas. Na cidade de São Paulo, projetos de lei da Câmara dos Vereadores desenham mudanças no ambiente de negócios e no portfólio do setor.
Nos últimos dez anos, as bancas viram o faturamento encolher por causa da internet e pela disseminação de outros pontos de venda de jornais e revistas, como supermercado e loja de conveniência. José Antônio Mantovani, presidente do Sindicato dos Jornaleiros de São Paulo (Sindjorsp), diz que, por volta de 2003, havia 20 mil bancas no país e o faturamento do setor era de R$ 140 milhões. Hoje são 15 mil pontos de venda que faturam R$ 80 milhões. “Como vou ser exclusivo de jornal e revista se não sou o único ponto de venda?”, questiona Mantovani, dono de duas bancas na zona norte de São Paulo. “Quem não colocou outros produtos, perdeu dinheiro. Se você vende só jornal e revista, a conta não fecha.”
Mantovani diz que o setor trabalha para aceitar o vale no começo do segundo semestre, quando deve começar a funcionar. Em janeiro, representantes da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) se reuniram com a ministra Marta Suplicy (Cultura) para discutir detalhes sobre o projeto, como o controle na compra de produtos ligados a cultura, e não de itens como bala e chocolate.
“Nossa expectativa é aumentar as vendas de revista e jornal em 30%” após o benefício, diz Mantovani. “Vai ter campanha para usar o vale-cultura na banca.” E acrescenta: a Aner vai veicular anúncios em revista, jornal e TV incentivando o uso do vale. “Fazemos movimento para abocanhar parte desse valor, ter a máquina que aceita o vale. Temos chance de pegar esse dinheiro por causa da capilaridade da banca. Muita cidade não tem cinema e teatro, mas tem banca.”
Apoio ao turismo
O secretário de fomento e incentivo à cultura do Ministério da Cultura, Henilton Menezes, concorda: “O canal de venda banca é importante para a disseminação nacional do vale-cultura porque rompe a barreira geográfica já que está presente em grandes centros urbanos e nas pequenas cidades”.
A lei foi sancionada e a previsão é que o vale-cultura entre em vigor no segundo semestre. A Casa Civil finaliza o decreto presidencial para regulamentar a lei e o Ministério da Cultura prepara portarias para regulamentar o o programa. Depois disso, o ministério vai iniciar o credenciamento de operadores e beneficiários e “a partir daí, as empresas recebedoras serão credenciadas e as adesões, iniciadas. Por fim, acontecerá a distribuição do vale”, segundo Menezes.
O problema, segundo o ministério, é que 84% das bancas são de pessoas físicas e é preciso ser jurídica para aceitar o vale-cultura. Mantovani diz que o sindicato busca solução junto a uma empresa de contabilidade para fazer a transição de pessoa física para jurídica de maneira a englobar um número grande de comerciantes.
Em São Paulo, a Câmara dos Vereadores tem cinco projetos de lei (PL) referentes ao setor. Um foi vetado pelo prefeito Fernando Haddad e agora deve ser reapresentado para votação; outro está em tramitação; um terceiro aguarda a segunda votação. Além desses, um foi arquivado, mas o PT cogita tramitá-lo novamente, e o quinto está sendo discutido e não tem texto.
Em maio, Haddad vetou o PL 562/2011, que ampliava o rol de produtos que podem ser vendidos em bancas. O texto “descaracterizava” a banca de jornal por abrir demais o leque de produtos, diz o vereador José Américo (PT), responsável pelo projeto. Ele optou por fazer alterações e apresentar um novo texto. “Ele próprio [Haddad] me ligou e conversamos para eu reapresentar o projeto, para ser votado e sancionado”, diz o vereador. O novo projeto, PL 432/2013, foi protocolado e deve entrar na pauta de votação nos próximos dias.
Américo diz que aumentar o rol de produtos vai “sacramentar o que já existe na prática”, como a venda de doces com mais de 30 g e picolés acondicionados em geladeiras, por exemplo. “Não podemos vender um [pacote de bala] Halls, por exemplo. Tem 37 g, e só posso vender até 30 g”, diz Mantovani, do Sindjorsp. O novo texto do vereador Américo inclui eletrônicos de pequeno porte como pen drive, CD e fone de ouvido.
Outro ponto alterado no projeto de lei será o espaço cedido a produtos que não sejam jornais e revistas, que passa de 30% para 25%. As bancas têm 10 m², em média.
Outra iniciativa de Américo é o projeto de lei (PL) 561/2011, para as bancas se tornarem pontos de apoio ao turismo na cidade, em parceria com a SPTuris, agência de turismo da cidade. Assim, passariam a distribuir folhetos e mapas, o que poderia atrair público. O PL está em tramitação na Comissão de Finanças da Câmara.
Sobre publicidade
O PL 354/2012 trata sobre a exposição de livros no entorno das bancas, nas calçadas. Foi aprovado em primeira discussão e aguarda a segunda votação. Segundo Mantovani, do sindicato, os livros se tornaram fonte de receita para o setor, mas devem ficar dentro da banca e não na rua, onde poderiam atrair leitores sem atrapalham a exposição das revistas, cujo espaço deve seguir um contrato.
“Fazer promoção de livro ajuda a alavancar a receita”, diz o dono de uma banca na avenida Paulista, um dos lugares mais movimentados de São Paulo. Ele trabalha há 32 anos no setor e há 15 no local, e prefere não ter o nome divulgado. As bancas da região foram alvo de saques nos protestos das últimas duas semanas na cidade. Mantovani diz que ao menos três bancas na avenida Paulista foram arrombadas e saqueadas, e mais de dez foram pichadas.
Outras iniciativas podem afetar indiretamente a operação. O PL 563/2011 cria procedimento administrativo para remoção, transferência ou cancelamento do termo de permissão de uso (TPU), o alvará, da banca. Arquivado em 2012, o projeto pode voltar a tramitar. “A prefeitura não vai mais cassar o TPU de maneira arbitrária. Proponho um procedimento, com multa, notificação, processo e retirada [do direito], várias etapas. Hoje é sumário, a prefeitura cassa e vai para o Diário Oficial da União”, diz o vereador José Américo.
O projeto sobre publicidade nas bancas não foi elaborado. Américo diz que conversa com representantes do setor para definir o texto.
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Espresso e telefone ajudam as vendas
Sérgio Ruck Bueno | De Porto Alegre
Na capital gaúcha, a tábua de salvação das bancas de jornais é feita de doces, balas, gomas de mascar, biscoitos, picolés, café espresso, refrigerantes, cartões telefônicos e cigarros. Liberados pela prefeitura para venda entre 2008 e 2010, eles já representam, em média, 50% do faturamento do setor na cidade, estima o presidente do Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas do Rio Grande do Sul, Ernesto Pereira da Silva.
Apesar da diversificação do portfólio, o setor vem encolhendo gradativamente. Segundo a Secretaria Municipal da Indústria e Comércio (SMIC), existem 302 bancas licenciadas na cidade, mas o sindicato calcula que apenas 200 estão em operação, ante 350 há pouco mais de 20 anos. Metade delas tem faturamento diário de até R$ 1,2 mil, outras oscilam entre R$ 3 mil e R$ 5 mil e poucas passam deste valor. Até agora não há nenhum estudo para receber o vale-cultura, diz Silva.
Conforme o empresário, o declínio começou ainda na década de 1980 com a concorrência de pontos como supermercados, lojas de conveniência e até farmácias. Depois veio a expansão das assinaturas de jornais e o inimigo mais recente é a internet. O número dos chamados “pontos alternativos” de comercialização de jornais na cidade, sem contar as vendas avulsas nas ruas, já passa de 500, mais do que o dobro da quantidade de bancas, estima o sindicato.
Os novos produtos vendidos nas bancas também têm margens mais atraentes. O ganho pode chegar a 100%, ante a comissão de 25% sobre jornais e revistas. O setor fatura ainda com a locação de espaço publicitário para indústrias de refrigerantes, operadoras de telefonia e outras empresas. Segundo Silva, na onda de manifestações contra os preços da tarifa de ônibus que atravessa o país, algumas bancas tiveram a publicidade arrancada nos últimos dias, mas até agora nenhuma foi depredada mais seriamente.
Pela lei municipal, as bancas só podem ser instaladas nas calçadas em que sobrar um espaço livre de 1,8 metro para trânsito de pedestres. Quando há um edifício em frente, o dono ou o síndico do prédio deve autorizar o funcionamento do ponto, o que causa insegurança para o setor. “Já tentamos mudar esta regra, mas não conseguimos”, explica Silva. A SMIC não quis se manifestar sobre o assunto.
Segundo o presidente do sindicato, cada empresário tem direito a receber apenas um alvará de funcionamento da prefeitura, o que garante o perfil familiar das operações. É o caso de Lenir Pereira, há 20 anos dona da banca Cultura, em um bairro da zona sul de Porto Alegre. Professora por formação e casada com um administrador de empresas, ela encontra no pequeno negócio uma contribuição importante para o sustento da família.
Lenir ainda obtém 60% do faturamento com a venda de jornais e revistas, principalmente as especializadas em temas como artesanato, arquitetura, história e geografia. As revistas de variedades populares, que custam entre R$ 1,25 e R$ 2, saem como “pão quente”, em uma média diária superior a cem unidades, diz a empresária.
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Letícia Casado, do Valor Econômico