Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As fotos proibidas de Hitler

As fotos feitas por Heinrich Hoffmann, em 1925, mostram como Adolf Hitler, que acabava de ser libertado da prisão de Landsberg, na Baviera, no Sul da Alemanha, aprendeu a conquistar as massas com seus discursos enfáticos, repletos de ódio, e acompanhados de um gestual muito característico. Nas fotos, Hitler, na época com 36 anos, movimenta os braços, em uma atitude teatral – estilo que se tornaria a marca registrada dos seus discursos – ensaiada meticulosamente em frente ao espelho.

Aparentemente, Hitler não gostou do que viu. Tanto que pediu a Hoffmann que destruísse os negativos. O fotógrafo, que teve um papel decisivo na ascensão do Führer, não cumpriu a ordem, deixando assim para a posteridade fotos que são um documento sobre como tudo começou. Depois do fim da guerra, as imagens chegaram a ser publicadas num livro de memórias de Hoffmann de pouca circulação, mas, posteriormente, foram dispersas em várias coleções. Somente agora elas voltaram a ser reunidas e divulgadas.

Nascido em Fürth, perto de Nuremberg, em 1885, Hoffmann abriu em 1913 um ateliê de fotografia em Munique. Como Hitler, ele era um artista frustrado, que tinha sido proibido pelo pai de estudar artes plásticas. Quando os dois se conheceram, em 1923, começou uma longa amizade, que só foi terminar com a morte do ditador, em 1945.

Ódio racial

Hoffmann não era apenas um fotógrafo. Ele encenava as imagens que fotografava, tendo ajudado o futuro ditador a se tornar um fenômeno capaz de atrair as massas, criando com as suas fotos o mesmo efeito atingido mais tarde com os documentários de Leni Riefenstahl sobre os congressos do partido nazista.

Já em 1923, no mesmo ano quando conheceu Hoffmann, Hitler ensaiou o seu primeiro putsch (golpe), em Munique. Acabou preso até dezembro de 1924. A estadia na prisão apenas ajudou a impulsionar seus planos. Quando foi libertado, tinha um manuscrito pronto, o livro “Minha luta”, que foi publicado em julho de 1925.

– O livro era o seu programa, mas o culto à personalidade de Hitler era ainda mais importante para os seus adeptos – lembra o historiador Hajo Funke, da Universidade Livre de Berlim, autor de “Paranoia e política”.

Hoffmann teve, como alguns outros, um papel importante na formação da imagem carismática de Hitler, que nessa época não tinha nem passaporte alemão e ainda falava com sotaque austríaco. Depois de ter vivido como artista desempregado, vagabundo e ter até pedido esmola para sobreviver, o futuro ditador participou como voluntário do exército da Baviera na Primeira Guerra Mundial, criou em pouco tempo, do nada, o movimento nazista e menos de 20 anos depois conseguiu chegar ao poder, dando início à maior tragédia da Europa no século XX.

Na Alemanha caótica da “República de Weimar” (a república foi fundada em Weimar, estado da Turíngia, porque Berlim estava dominada pelo caos causado pelos confrontos de rua entre extrema direita e extrema esquerda), sem ordem política e com seis milhões de desempregados, Hitler era visto como uma espécie de “messias” que prometia restabelecimento da ordem e prosperidade econômica.

– As encenações da sua imagem feitas pelo fotógrafo Heinrich Hoffmann e, depois, pela cineasta Leni Riefenstahl, ajudaram no fortalecimento do entusiasmo dos alemães pelo falso messias – afirma Funke.

Muitos ajudaram na construção da sua imagem, na radicalização ideológica e também no financiamento do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Entre os financiadores, havia nomes famosos, como Fritz Thyssen (da firma Thyssen), Edwin Bechstein, proprietário da fábrica de pianos Bechstein, bem como Siegfried e Winifred Wagner, o filho do compositor Richard Wagner e sua esposa.

O futuro Führer recebia ajuda também do exterior. Depois da interferência do casal Wagner, o americano Henry Ford doou grande quantia ao movimento, como era chamado o nazismo, por concordar com algumas ideias antissemitas.

Da mesma forma que Hoffmann foi decisivo para o surgimento da imagem do político que encenava os seus discursos para as massas, o escritor Dietrich Eckart, que alimentava o austríaco com ideias e dinheiro, foi um dos que mais influenciaram na radicalização do ódio racial contra os judeus.

“Obras brilhantes”

Poucas eram as pessoas que tinham uma relação também de amizade com Hitler e entre elas estavam Hoffmann e Eckart, os únicos em que ele confiava cegamente.

Segundo Funke, Eckart foi o “descobridor” de Hitler por ter detectado seu “talento de agitador”. A partir desse momento, aos inimigos já existentes, juntou-se o bolchevismo.

“A nossa luta precisa e vai terminar na vitória”, escreveu Hitler no dia 10 de abril de 1924. Menos de nove anos depois, ele chegou ao poder, no dia 30 de janeiro de 1933.

Heinrich Hoffmann ficou rico depois de 1933, como responsável pela comissão de “reuso” das obras de arte confiscadas dos judeus. Hitler era muito grato ao amigo, também por ter sido por seu intermédio que conheceu Eva Braun, em 1929 – ela era aprendiz na oficina de fotografia de Hoffmann, em Munique.

Depois da guerra, Heinrich Hoffmann (assim como Leni Riefenstahl) teve sucesso em “vender” a tese de que “não sabia de nada” sobre os crimes cometidos pelo regime. Ele foi condenado a menos de cinco anos de prisão e já em 1950 voltou a trabalhar como fotógrafo, apesar da conclusão do juiz Josef Purzer, em janeiro de 1947:

“As suas obras são brilhantes, e ajudaram na psicose que surgiu no povo alemão através da glorificação de Hitler por meio das fotos, que apresentavam tudo o que era grande e bonito. A realidade era inteiramente diferente. E o seu trabalho teve um papel essencial na ação de enganar o povo.”

Ele morreu uma década depois, aos 72 anos de idade.

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Graça Magalhães-Ruether, de O Globo, em Berlim