Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Globo faz propaganda religiosa

Por mais importante que tenha sido a visita do papa Francisco ao Rio, por maior que seja o universo de católicos no Brasil, por mais impressionantes que sejam as imagens de devoção na Jornada Mundial da Juventude, me parece um exagero a principal emissora do país ficar três horas e meia no ar, ao vivo, exibindo uma missa, sem oferecer qualquer outra opção ao espectador.

Foi o que aconteceu no domingo (28/7). A Globo alterou a sua programação, deixou de exibir dois programas, além do GP da Hungria de Fórmula 1, para oferecer, desde as 9h da manhã, imagens da cerimônia religiosa. Do ponto de vista do Ibope, foi uma ótima aposta (veja na atualização, ao final do texto).

Em formato de “pool”, as imagens estavam disponíveis para todas as emissoras de TV, mas a única rede aberta que optou por mostrá-las na íntegra foi a Globo. Sem edição alguma, exibiu, mais uma vez, todo o passeio de Francisco no papamóvel ao longo da avenida Atlântica e, na sequência, a íntegra da Missa do Envio, que marcou o encerramento da JMJ.

Temas polêmicos

Um espectador desavisado vendo a Globo na manhã de domingo pensaria estar sintonizado na Rede Vida ou na TV Aparecida, não em uma emissora privada e laica. A questão vai além do respeito pela fé. Querendo ou não, a longa transmissão de um evento religioso, quase sem intermediação, passa a impressão de propaganda.

Acrítica, a emissora aderiu ao tom entusiasmado com que a Igreja tem tratado o evento. “Um papa sem medo das ruas”, disse a apresentadora Renata Vasconcellos, a quem coube a tarefa de preencher os poucos vazios na celebração. “Vai ficar na memória não só do carioca, mas de todo brasileiro”, disse algumas vezes, tentando justificar o investimento.

Em outros momentos desta semana, acho justo dizer, o jornalismo da Globo explorou os mais variados aspectos da visita do papa, mostrando também os problemas que causou, as dificuldades vividas pelos peregrinos e os temas polêmicos que a Igreja não enfrentou na Jornada.

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Atualizado em 29/7: A cobertura que a Globo fez da missa do papa, das 8h55 às 12h27, rendeu média de 13 pontos no Ibope, quatro pontos a mais que a média do horário. É um crescimento de 40% em comparação com os quatro domingos anteriores, informa a colunista Patricia Kogut, de O Globo.

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Mauricio Stycer é colunista da Folha de S.Paulo e do UOL