Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O papa e o repórter

Na história de todo jornalista, sempre haverá a busca pela sonhada entrevista exclusiva, aquela reveladora, a tal que envolve aventuras e negociações para ser concedida, ou que cai do céu como milagre em dado momento e o “furo” acontece e a notícia repercute, servindo, inclusive, como pauta para novas investidas ou especulações que se incumbem de realimentar a mídia sedenta de descobertas quanto a rumos, decisões ou posturas, novas diante de velhos problemas.

O papa Francisco, que na viagem ao Brasil se revelou um desenvolto comunicador de massas, atuando com generoso carisma em defesa dos pobres e injustiçados, representando o papel que lhe cabe com a santidade acrescida da moderna instrumentalização cibernética, um pontífice tuiteiro, antenado, cordial, apreciador de tango, além de torcedor de futebol, não se furtou em responder às perguntas oportunas do jornalista da Globo News, o atento pernambucano Gerson Camarotti.

Tendo acompanhado os passos do ainda cardeal Jorge Mario Bergoglio, antes e durante a realização do conclave em Roma que o elegeu novo papa, Camarotti publicou um livro relatando os bastidores da escolha do primeiro papa latino-americano e, com reverente profissionalismo, realizou a entrevista que tem sido reproduzida, no todo ou em partes, oferecendo pontos dignos de análises tanto religiosas, como políticas, ou até sob o ponto de vista psicológico, pois o homem que atende agora pela denominação de papa Francisco deixou-se observar em opiniões e questões não somente ligadas ao seu ofício público de bispo de Roma, mas confidenciou, com simplicidade e sinceras palavras que preferiu morar na residência Santa Marta porque não gosta do isolamento e teria que buscar um psiquiatra para superar a solidão.

“Como é que você sabe tanta coisa?”

Declaração inusitada para um religioso, a priori, mas considerando-se que a própria entrevista se conduziu pelo ineditismo no curso da estada do papa em terras brasileiras, durante o evento católico da Jornada Mundial da Juventude, há, consequentemente, mérito, tanto por parte do entrevistado, destemido, claro, ciente do que devia ou podia dizer a cada instante dos 45 minutos de conversa, quanto do repórter, cuja habilidade em provocar respostas não evasivas resgata, de certo modo, o prazer da comunicação menos marqueteira e mais humano-realista.

Os desdobramentos já se fazem soar, tanto no comportamento da imprensa credenciada que, no voo de volta a Roma, pôde questionar Francisco em coletiva também recheada de respostas diretas e incisivas, quanto foi flagrante a inteligente sucessão do próprio papa ao acrescentar novidades que apontam para mudanças na Cúria e nos olhares da Igreja de Roma para temas como lobby gay, comunhão aos divorciados, destino do banco do Vaticano, entre outros.

No seu blog, Camarotti conta que o pedido da entrevista, por meios oficiais, havia sido negado pelo Vaticano, mas vias e fontes concorreram para que lhe fosse dada a oportunidade de realizá-la, sendo que ao entregar um exemplar autografado do seu livro no início do encontro daquela tarde na residência do Sumaré no Rio de Janeiro, quem o surpreendeu foi Francisco, que lhe disse que havia lido vários trechos da obra e lhe fez uma pergunta: “Como é que você sabe tanta coisa?”

Exposição de ideias

Dali em diante, o papa Francisco demonstrou, seguramente, que já assumira o posto de um pauteiro fomentador de notícias que demandam, em contraponto, um contingente de jornalistas observadores em plantões ininterruptos, tendo em vista que novos tempos e novos rumos apontam simplicidade e humildade, mudanças e inesgotáveis temas para sacudir mídias viciadas com a acomodada previsibilidade, que Francisco, delicadamente, rompeu.

Como ele se autodefiniu, indisciplinado em questões de segurança física, mostrou-se, sobretudo, destemido com a exposição de ideias diante da surpresa do jornalista e do público em geral, a partir da conversa com o atento Gerson.

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Maria Aparecida Torneros é jornalista, Rio de Janeiro, RJ