Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ciência pela porta da frente

Está no ar desde agosto o TVCiência.Net, novo canal de cultura científica na internet. Com um programa semanal em exibição, dois em vias de produção e outros ainda por vir, a iniciativa pretende oferecer uma grade de programação diversificada, que mescle cultura, ciência e entretenimento.

“A gente não pretende ser didático; os programas são para despertar o interesse das pessoas pela cultura científica”, explica o jornalista Sergio Brandão, fundador e diretor da produtora VideoCiência, curador da mostra VerCiência e idealizador do novo canal.

Segundo o próprio, a grande inspiração para o projeto veio do sucesso do Porta dos fundos, que produz vídeos cômicos para a internet, já atingiu milhões de acessos e caiu nas graças de um número surpreendente de patrocinadores.

Assim como o coletivo criativo, Sergio e sua equipe começaram colocando a mão na massa, sem apoio financeiro e com recursos técnicos simples. A ideia é gravar uma dezena de episódios de cada um dos três programas já definidos – Cerebrando, com a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, UAU, com o biólogo e colunista da CH On-line StevensRehen, e Que história é essa?, com o físico Ildeu de Castro Moreira – e ir atrás de patrocínio. Sergio considera inclusive apelar para o crowdfunding.

Os programas são gravados em alta definição, o que permite sua veiculação em canais de TV. Estes têm dedicado espaço tímido a temas de ciência, sobretudo em horário nobre. “Falta arrojo”, avalia Sergio, que começou sua carreira de jornalista fazendo programas de divulgação científica na BBC de Londres e, em 1984, ajudou a criar o programa Globo Ciência na Rede Globo.

Apesar de considerar a possibilidade de veiculação na TV, Sergio aposta mesmo é na internet para o sucesso do novo canal. É nela que as pessoas estão passando mais tempo e ali elas podem montar sua própria grade de programação. “Com a internet, você é quem faz seu horário nobre”, ressalta o jornalista.

No dia 06 de setembro, Sergio me recebeu no estúdio da VideoCiência, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde os programas do TVCiência.Net estão sendo gravados. Acompanhei a gravação de um episódio do UAU, com Stevens Rehen entrevistando o bioquímico e diretor-adjunto do Instituto Ciência Hoje Franklin Rumjanek, que falou sobre sua trajetória na ciência e na divulgação científica. O programa deve ir ao ar ainda neste mês.

Confira, a seguir, a conversa que tive com Sergio Brandão entre toques de direção – “Desacelera, Stevens, fa-la-de-va-gar”, “Tem que sorrir para o internauta” – e palavras de estímulo – “Ótimo!”, “Você está cada vez melhor!”.

Como e quando surgiu a ideia de criação do canal TVCiência.Net?

Sergio Brandão – Quer saber mesmo a verdade? Foi depois de a gente ver os vídeos do Porta dos fundos fazendo sucesso, com milhões de visualizações na internet. Mas, na realidade, eu já tinha a ideia de criar um canal. A Suzana e eu vínhamos conversando há algum tempo sobre isso. A gente chegou a fazer uns pilotos de programas de televisão há mais ou menos dois anos. Interrompemos o projeto temporariamente por uma série de motivos. Este ano voltamos a nos falar e acertamos de fazer. Então, já tínhamos um programa, por que não fazer um canal? E assim a coisa evoluiu. Como as pessoas hoje estão passando mais tempo vendo vídeos na internet, achei que tinha chegado o momento de começar uma experiência na web, com qualidade de broadcasting. A proposta do TVCiência.Net é realmente ser um canal de TV, só que na internet. As gravações que a gente faz são de alta definição e por isso podem passar em qualquer emissora de televisão. 

O que já está planejado para ir ao ar?

S.B. – No momento, estamos produzindo dois programas, o Cerebrando e o UAU. O primeiro, apresentado pela Suzana, é sobre neurociência e está no ar desde agosto. O segundo, conduzido pelo Stevens, é sobre assuntos gerais da ciência e sobre por que as pessoas dizem UAU ao fazer ciência. Este deve entrar no ar neste mês de setembro. O terceiro, Que história é essa?, a gente começa a gravar neste mês, para ir ao ar em outubro. Nesse programa, o Ildeu vai falar de casos, personagens e episódios da história da ciência. E virão outros. A ideia é que a gente tenha uma grade de programação diversificada, que mescle cultura, ciência e entretenimento. A gente não pretende ser didático; os programas são para despertar o interesse das pessoas pela cultura científica. 

O que embasou a escolha dos formatos que estão sendo usados nos programas?

S.B. – Como começamos sem patrocínio, estamos usando os recursos que temos, que são os estúdios de televisão – temos dois – e nossa equipe. Não temos recursos ainda para fazer gravação externa, esse tipo de coisa, mas isso deve vir naturalmente quando a gente conseguir uma fonte de financiamento para a produção dos programas. A princípio, iremos usar o formato mais simples de produzir, como talk shows e entrevistas, mas virão outros, com certeza. Daqui a pouco estaremos fazendo programas iguais aos da BBC.

Qual o modelo de negócios pensado para o funcionamento do novo canal?

S.B. – Isso ainda não está definido. Estamos experimentando. Primeiro queremos mostrar para nós mesmos, para nossa equipe e para nossa produtora, que é possível fazer um programa de divulgação científica com qualidade, sem aquela dependência de ter uma emissora interessada em veicular. Nós vamos produzindo e acredito que, naturalmente, com a qualidade das pessoas que estão se juntando a nós, as oportunidades irão surgindo. Entre as possibilidades que já cogitamos estão a captação de recursos via Lei Rouanet, via Lei do Audiovisual e talvez até o crowdfunding. Mas ainda estamos em fase experimental. Estamos nos concentrando em ter o que mostrar. Seria muito mais complicado a gente montar um projeto e sair por aí buscando patrocínio. Isso levaria anos! 

Como você enxerga as possibilidades comerciais da web? É possível contar com isso para sustentar o TVCiência.Net?

S.B. – Se pegarmos o exemplo do Porta dos fundos, inspirador pra nós, vemos que eles têm patrocinadores aos montes. Estamos esperando que os nossos programas sejam vistos por pelo menos 100 mil internautas; isso interessa a qualquer patrocinador, porque envolve um custo mais baixo de produção. Mas, como disse antes, ainda não temos um ideia precisa de quem poderia ser o nosso patrocinador. Talvez os próprios órgãos do governo, como o Ministério da Ciência e Tecnologia, o CNPq e a Finep. Mas, por enquanto, estamos apenas tentando mostrar que somos capazes de fazer. 

Por que há pouca ciência na TV aberta brasileira? 

S.B. – Essa é uma história antiga, que acompanhei de perto. Comecei minha vida de jornalista na BBC, na Inglaterra, em 1974, como estagiário. Em 1980, já estava fazendo programa de divulgação científica. Voltei para o Brasil em 1981 querendo fazer programas de ciência, mas senti que não havia tradição. Depois de trabalhar no Fantástico, na Rede Globo, ajudei a criar o Globo Ciência. Acabei me envolvendo bastante com o programa, onde fiquei sete anos como repórter e diretor. Foi nessa época que eu criei a produtora VideoCiência, inicialmente para produzir o programa.

O sucesso de público do Globo Ciência, que passava às oito e meia da manhã, foi surpreendente. Antes dele, não havia programas de manhã na emissora. Você ligava a TV e via aquela barra de cores. Quando a gente começou a ter audiência, a Rede Globo descobriu que tinha telespectador sábado de manhã. O sucesso comprovou que havia interesse por programas de ciência. Desde então, surgiram vários outros, na própria Rede Globo, mas eles não conquistaram o horário nobre. Na minha opinião, falta arrojo. As pessoas que fazem as grades de programação das emissoras não querem correr riscos; preferem trabalhar com novelas, com jornalismo sensacionalista, não acham que a ciência vai gerar público. Se eu fosse diretor de uma TV aberta, eu faria programa de ciência em horário nobre e tenho certeza de que bateria recorde de audiência. Por outro lado, com a internet, você é quem faz seu horário nobre.

A obrigatoriedade de os canais fechados de TV terem conteúdo nacional pode abrir espaço para programas de ciência?

S.B. – Acho que isso também pode ajudar. Essa é uma possibilidade, inclusive pra gente. Quem sabe não conseguimos eventualmente entrar em um desses canais estrangeiros, como o Discovery Channel, que precisam de conteúdo brasileiro. Já vi algumas produções independentes bem feitas nesses canais. Esta também é uma oportunidade, mas se limita à TV a cabo. Na TV aberta, não tem essa obrigação. Se tivesse, a televisão brasileira daria um passo à frente, mas é difícil, são pressões muito grandes.

Qual a sua expectativa para o canal TVCiência.Net?

S.B. – Acho que ele vai bombar, vai ser o Porta da frente (risos).

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Carla Almeida, especial para a CH On-line