Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Conversa de técnicos

A cada dia nos surpreendemos mais e mais com o nosso povo brasileiro, que antes se dedicava tecnicamente a comandar uma seleção, ou um time de futebol. Somos mais de 190 milhões de técnicos, prontos para entrar em campo a qualquer momento e traduzir para estes 190 milhões tudo sobre as táticas e jogadas ensaiadas que faz uma equipe vencedora em um campeonato. Mas não nos dedicamos apenas às páginas esportivas dos grandes jornais, ou mesmo aos programas especializados na TV, pois se outro assunto merece igual destaque, estamos prontos a comentar e traduzir cada termo técnico que este assunto carrega.

Se ocorrer um acidente aéreo, somos mais de 190 milhões de pilotos experientes prontos para explicar e resolver o enigma que levou a tal fatalidade aérea. Mesmo antes da abertura das caixas pretas, já sabemos qual falha ocorreu, quando e por que. Se o assunto é da área médica, lá vamos nós de novo. Afinal, uma cirurgia bem feita precisa de 190 milhões de médicos prontos para explicar todo o procedimento.

Já na política, nunca os 513 deputados poderiam explicar em tão curto espaço de tempo todos os trâmites de um projeto de Lei, os conchavos, as ligações partidárias e os acordos, como os 190 milhões de políticos de plantão, que inclusive sabem, com total certeza, quem entra e quem sai da infinidade de partidos que nós temos.

A ameaça da segunda divisão

Agora chegou a vez do Judiciário, onde 190 milhões de brasileiros vestem a toga, recebem o processo, analisam, sentenciam e determinam o cumprimento de pena, mais rapidamente que qualquer outro processo que há anos aguarda julgamento.

Embargos infringentes passou a ser tão coloquial, como fulano de zagueiro, e o tal 3 4 2 do futebol. O tal termo jurídico, antes restrito às cortes judiciais, tomou conta das ruas, e não raro será um dia ouvirmos: “Fulana não quer mais saber de mim. Aí não teve jeito, entrei com embargos infringentes para que ela pudesse rever sua decisão.” Hoje todos sentam na mesma cadeira do ministro do Supremo e todos analisam cada peça do processo, não tão minunciosamente como os magistrados, pois os supérfluos não irão mudar a sentença já dada pelas ruas, e que deve ser estritamente cumprida, doa a quem doer.

A mídia passou então a ser a grande cátedra da área judicial, formando todos os dias os 190 milhões de juristas eméritos que, ao lerem os artigos, as reportagens e os editoriais, formam sua própria opinião a respeito daquilo que judicialmente está em curso e transformam cada edição dos jornais em peças processuais prontas para o julgamento e sentença, que deve sempre ser acompanhada da mesma celeridade do feito.

Não podemos esperar que o Brasil tenha sua história passada a limpo a passos de tartaruga. Temos pressa, a mesma pressa que temos quando somos chamados a ser técnicos de uma equipe de futebol. Afinal não podemos permitir que nossa equipe caia para a segunda divisão.

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Julio Cesar Camerini é jornalista