Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O guardião da história

Foram quatro dias nos quais a fotografia foi discutida em todas as suas vertentes, inclusive em sua relação com o cinema e a literatura. No 9.º Paraty em Foco, que terminou no domingo na cidade fluminense, as exposições lotaram a cidade. Embora Paraty não ofereça muitos espaços com esse fim, as ruas e as paredes foram tomas por imensos cubos fotográficos.

“Foram nove pontos expositivos ao ar livre, com 120 fotografias em grande formato, 22 projeções na rua, e a fotografia em movimento numa tenda multimídia ganhou destaque com a apresentação e o debate com participantes do Mídia Ninja” comenta Claudi Carreras, curador das exposições. “Neste ano, alcançamos um público de 5 mil pessoas”, completa.

Nos meio de tantas imagens, alguns fotógrafos destacaram-se, como o espanhol Pep Bonet, um dos fundadores da agência holandesa Noor. Há mais de dez anos, ele se dedica a registrar cenas ou histórias dramáticas pelo mundo, como a luta contra a Aids, o pós-guerra na África ou a situação do trabalho escravo das crianças em Bangladesh.

Nos últimos anos, com o catalão José Bautista, realizou o video Into the Shadows, vencedor do World Press Photo do ano passado. Bonet trouxe para o Brasil a exposição sobre Bangladesh que faz parte do Modern-Day Forms of Slavery, projeto da agência. Também falou, ao lado de Bautista, sobre fotografia, video e sons.

Também foi impactante a palestra do norte-americano Stephen Ferry, que mora na Colômbia e é responsável por um trabalho duro e aprofundado sobre a violência no país. No Paraty em Foco, ele lançou seu livro Violentologia, considerado o melhor do ano no POY Latam 2013.

A sensação foi o chinês Li Zhensheng, que veio ao Brasil com apoio do Instituto Moreira Salles. “Sua palestra foi recorde de visualizações na transmissão ao vivo, com 18 mil acessos”, diz Claudi Carreras.

Sem sossego

Nascido em 1940, era um jovem de 26 anos quando começou a trabalhar com fotojornalismo. Eram os anos da Revolução Cultural Chinesa (1966-1976). “Na época, todos apoiamos a revolução. Acreditávamos que seria muito bom para o país”, afirma Li ao Estado. Com o tempo, ele começaria a mudar de opinião: “Claro que não aconteceu em um momento determinado, foi aos poucos, mas não gostei de ver as pessoas sendo humilhadas e comecei a fotografar o que não era permitido”.

Assim, complementa, as fotografias eram definidas como úteis – as que elogiavam o governo – ou inúteis – as que eram contrárias. Ele apostou nas últimas. “Fazia tudo como o jornal e o governo queriam, mas também o que eu queria.”

Foi quando começou a esconder suas imagens. Num primeiro momento, dentro de uma gaveta da Redação. Percebendo o perigo, resolveu levá-las para casa, abrir um buraco do tamanho de um livro no chão da sala e cobri-lo com um mesa. Ainda bem. Tempos depois sua casa foi invadida, mais precisamente em 1968, após ter sido delatado por seus colegas, mas nada foi achado.

“Fotografar o que fotografei naquela época era expressamente proibido, estava fazendo algo ilegal, e isso se tornou muito grave”, conta. “Hoje, por exemplo não é expressamente proibido, mas a mídia continua só apresentando aspectos positivos do regime. Temos uma liberdade maior, mas ainda não chegamos a um patamar satisfatório, ainda há progressos a fazer.”

Foi assim que, nos anos 1980, as fotos vieram à luz. Foram mostradas primeiramente em Nova York, e trouxeram-lhe notoriedade, permitindo que viajasse, desse palestras e aulas em universidades pelo mundo. Hoje, o livro e a exposição já foram vistos por muitas pessoas, e ele se tornou, como foi apelidado, um “guardião da história”.

Sobre o que a arte lhe deu ou tirou, diz sem hesitar: “Quando fiz as imagens durante a revolução chinesa, a fotografia me tirou o sossego. Vivia com medo. Mas também deu-se enorme felicidade. Agora, o medo foi embora e só ela restou.”

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Simonetta Persichetti, especial para o Estado de S. Paulo, em Paraty