Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um novo palco para a sátira da imprensa

A mídia sempre foi o maior instrumento de satirização dela mesma. Por sua abrangência e notoriedade, os produtos midiáticos sempre foram alvo de brincadeiras e da atenção do público. Quem não tem um amigo que imitava o Gil Gomes? Os produtos jornalísticos também sempre tiveram seu espaço no humor, exemplos como TV Pirata e Almanaque Casseta Popular.

A sátira destilada sobre a imprensa geralmente esteve dentro do controle de suas próprias organizações midiáticas nos veículos impressos, rádio e televisão. Esses humorísticos sempre exploravam largamente o estético e raramente seu conteúdo. Agora, com as redes sociais na internet, onde as instituições não detêm mais o controle total da produção de conteúdos, o espaço de divulgação das sátiras da mídia ganhou um novo e enorme palco. Os usuários estão, como se diz na expressão popular, deitando e rolando sobre os conteúdos noticiados.

Nas últimas semanas, duas peças jornalísticas geraram uma repercussão enorme, envolvendo uma série de brincadeiras nas redes. O primeiro deles, sobre a matéria da revista Veja São Paulo sobre os reis do camarote. Facebook e outras redes foram tomadas de banners irônicos sobre uma das fontes utilizadas na reportagem. O empresário Alexander de Almeida fui ridicularizado e chegou a declarar para os veículos de imprensa que estava arrependido de ter aceito participar da matéria. Houve inclusive uma polêmica sobre a veracidade da reportagem e sua relevância (ver “Uma brecha para se aproveitar da imprensa“).

O segundo assunto que se transformou em humor, foi a capa da Folha de S.Paulo, de 8 de novembro, que estampou manchete duvidosa: “Prefeito sabia de tudo, diz fiscal, em gravação”. O título se reportava ao ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD), mas deixou enorme margem para a interpretação do leitor que poderia concluir que o prefeito nas gravações fosse Fernando Haddad (PT).

Usuários da rede Tumbl criaram uma página com sugestões satíricas para manchetes da Folha, tanto na versão impressa como na internet. A manchete foi duramente criticada, inclusive pela ombudsman da Folha, Silvana Singer, na coluna dominical ”Sujeito oculto“. Questões ideológicas à parte, o veículo se tornou mais um alvo do humor incontrolável das redes.

Função de bobo da corte

Nos tempos do absolutismo, em que reis rainha faziam, literalmente, as cabeças rolarem por uma simples crítica, existia apenas uma figura em todo o reino que poderia falar algumas verdades aos soberanos sem medo de ir ao degredo ou coisa pior. Esta figura era o bobo da corte, que sempre que podia ridicularizava os podres constituídos. Os nobres, convidados e até os soberanos riam de situações cotidianas que, se fossem tratadas com a seriedade devida, gerariam um derramamento de sangue.

A imprensa, como instituição, muitas vezes pensa ter o papel de soberana. Do alto do trono de sua relevância social e em defesa dos interesses do cidadão e da liberdade expressão, as organizações jornalísticas não estão acostumadas às críticas e as recebem com extrema dificuldade.

Os meios jornalísticos devem perceber por de trás dessas sátiras nas redes sociais na internet que, para além da satirização, existe uma crítica revestida de humor, mas que pode e deve ser levada em conta. Inclusive, essas piadas só comprovam que as instituições jornalísticas continuam sendo importantes para a sociedade, porque se assim não fossem seriam ignoradas.

Nesses nossos tempos em que os públicos também podem produzir seus próprios conteúdos, o bom exercício profissional do jornalismo pautado pelos procedimentos de verificação e certificação ganha maior relevância em meio ao turbilhão de informações. Talvez estes e outros exemplos contribuam para um jornalismo melhor, um jornalismo que está sempre correndo atrás daquilo que já aconteceu.

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Thiago Amorim Caminada é mestrando em Jornalismo no POSJOR/UFSC e pesquisador do objETHOS