Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O importante é abrir a felicidade

Em outubro de 2013, os grandes veículos de comunicação do Brasil noticiaram que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, havia criado o Ministério da Suprema Felicidade. Para a Veja, “Maduro inventa outra: o ministério da Suprema Felicidade Social”. Nos telejornais da Globo, Band e Record, a criação desse ministério foi alvo de piadas e comentários em tons, no mínimo, irônicos. À primeira vista, realmente parecia algo, pelo menos, incomum. Afinal, como um governo pode tentar garantir ou ajudar as pessoas em suas procuras, sempre individuais, do que consideram que seja a felicidade?

Lendo um pouco mais sobre o tal ministério e tentando encontrar algo fora da grande mídia – que parece ter o prazer de ridicularizar qualquer iniciativa de Maduro, assim como fazia com Hugo Chávez –, comecei a entender que a intenção da criação dessa pasta era garantir a articulação e continuidade dos programas sociais (que a mídia prefere chamar de assistencialistas). Enfim, assistencialismo ou não, comecei a refletir sobre as relações entre um Estado de bem-estar social, ou que tente garantir algumas condições materiais mínimas, e a felicidade de seus cidadãos. Claro que esse movimento que tive de fazer, o de tentar algo um pouco menos idiotizante e superficial, não foi incentivado pela cobertura jornalística de nossos veículos de comunicação.

Enfim, algum tempo passou e não havia pensado mais sobre essa vontade de se diminuir e deslegitimar tudo o que venha da Venezuela e, menos ainda, voltei a pensar nessa relação entre felicidade e governo. Será que o Maduro estava querendo dar uma de Coca-Cola e dizendo ao seu povo: “Vou ajudá-los a abrir a felicidade!”

A felicidade da fabricante de refrigerantes

Recentemente assisti a uma reportagem do Esporte Espetacular sobre a relação entre os habitantes do Butão, pequeno país localizado ao sul da Ásia, e o futebol. Foi aí que o tema voltou aos meus pensamentos. Segundo o repórter Régis Rösing, o Butão é conhecido como o “Reino da Felicidade” e o país se considera o mais feliz do mundo. Comecei a juntar as pecinhas para a ficha começar a cair: futebol, Butão, felicidade, Copa do Mundo. Eliminando o Butão do raciocínio, algo era sempre constante: futebol, Copa, felicidade ou, se preferir, Copa, felicidade e futebol. Foi quando pensei: isso me parece muito familiar. Lembrei: Coca-Cola, abra a felicidade! Claro, só podia ser… e era!

A reportagem era sobre a turnê que a taça da Copa do Mundo Fifa faz pelos quatro cantos do mundo, passeio logicamente financiado pela Coca-Cola. Então, os muito felizes cidadãos do Butão – que com largos sorrisos davam seus depoimentos – estavam falando de sua paixão pelo futebol, da oportunidade de chegar tão perto de um objeto tão desejado e, não podia faltar, relatavam a maravilha de morar em um país em que todo mundo busca, ou abre, a felicidade a toda hora.

Logo, a logo da Coca-Cola começou a me saltar aos olhos em todos os cantos da tela. Como sujeito criado em estádios de futebol e admirador desse esporte, por alguns instantes estava me deixando levar pela beleza de um lugar, pra mim, tão exótico e que, assim como eu, estava se rendendo aos prazeres de uma boa pelada, um bom bate-bola. Então, o vermelho da maior fabricante de refrigerantes do mundo e uma das empresas que mais investe em publicidade no planeta, começou a tomar conta da tela. As pessoas estavam ali para participar de um evento criado pela Coca-Cola. O futebol era, mais uma vez, apenas mais uma jogada de marketing, um adereço. O importante era celebrar a abertura do Butão à felicidade da fabricante de refrigerantes.

A felicidade é muito complicada

Passei a lembrar então de como a mídia, principalmente a Globo e a Veja, ridicularizaram o Ministério da Suprema felicidade, instituído por Maduro. Por que na reportagem de Régis Rösing não se via nenhum motivo para rir de um país que se intitula o mais feliz do mundo? Não só não havia motivo para tirar sarro desse exótico e feliz país, como, ao longo do texto, o repórter citou que a Organização das Nações Unidas declarou o dia 20 de março como o “Dia Internacional da Felicidade”. O fez em tom célebre e sério e ainda lembrou que para o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, a felicidade está na base dos desejos humanos. Nesse caso, a felicidade é coisa séria, importante e que deve ser celebrada.

Assim como as calorias de seu refrigerante, a felicidade vazia da Coca-Cola deve ser aberta todos os dias. Não interessa a quantidade de corantes, de açúcar, de conservantes e de problemas que a ingestão da tal bebida possa trazer, o importante mesmo é comprá-la, abri-la, celebrá-la. Ah, e a felicidade idealizada pelo ministério venezuelano? E a intenção de criar uma relação, ou pelo menos um debate, entre as condições sociais em que vive um povo e a sua felicidade, como fica? E essa felicidade? Essa não tem graça nenhuma. É muito complicada. Mais fácil para a grande mídia é estimular a população a brindar a que vem dentro de uma garrafinha, de uma latinha, na versão Zero, pode ser de dois litros. Essa que a gente pode comprar em qualquer esquina…

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Tiago Costa é jornalista, Florianópolis, SC