Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A imprensa parece um urubu desorientado

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Tenho uma leve sensação de que a imprensa aguarda ansiosamente para noticiar a morte do cinegrafista da Band Santiago Andrade, atingido em manifestação no Rio. Toda vez que passa um link com o Hospital Souza Aguiar me dá repulsa este tipo de cobertura “jornalística”. Após a noticia (torço para estar errado), o cinegrafista será colocado em patamar de símbolo contra os Black Blocs e como consequência muitos irão abominar as manifestações, até mesmo as pacíficas, mesmo sem saber o motivo que estão indo para as ruas. Desta forma, os enfoques das manifestações não serão mais autoridade políticas, mas sim, os que são a favor ou contra de quem está na rua. E mais uma vez, assim como aconteceu ano passado, os protestos vão perder o fôlego.

Fico muito triste com a declaração da esposa do Santiago dizendo que o marido está indo embora e deixando uma família, mas diariamente pessoas estão morrendo de forma tão injusta quanto esta. A mídia deveria colocar o Eduardo Paes explicando porque aumentou a tarifa para R$3,00 por um serviço de má qualidade e não ficar caçando somente o “mascarado assassino” – este serviço é da polícia. Sou jornalista recém-formado e a cada dia que passa tenho menos vontade de ser contratado por um grande veículo de comunicação e servir como uma peça da grande máquina manipuladora e exploradora.

Gostaria de pedir aos jornalistas um pouco mais de reflexão antes de começarem a digitar o que vão escrever porque o personagem da notícia em pauta amanhã poderá ser você. Tenho a esperança de que a notícia da morte do cinegrafista Santiago não aconteça e que ele venha denunciar as condições de trabalho dos profissionais da comunicação brasileira. E tenho certeza que a força das manifestações vão aumentar conforme a Copa estiver chegando e ‘‘hajaaa coraçãooo’’ para os políticos corruptos porque um “povo forte não precisa de um líder forte”, como dizia Emiliano Zapata.

A foto acima é do fotojornalista Kevin Carter, que sofreu devido à repercussão da sua foto na própria mídia. Anos depois o fotógrafo se suicidou e deixou uma nota: “Estou deprimido… Sem telefone… Sem dinheiro para o aluguel. Sem dinheiro para ajudar as crianças. Sem dinheiro para as dívidas. Dinheiro! Sou perseguido pela viva lembrança de assassinatos, cadáveres, raiva e dor… Pelas crianças feridas ou famintas… Pelos homens malucos com o dedo no gatilho, muitas vezes policiais, carrascos…”

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Eder Fernandes é jornalista