Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O jornalismo antichavista da ‘Folha’

Na edição da Folha de S.Paulo de terça-feira (4/3) era possível ler a seguinte notícia: “TV aberta da Venezuela não transmite Oscar”. Virou notícia o fato da Venezuela não passar o Oscar na TV aberta “pela primeira vez em 39 anos”. A razão dada é que o governo “temia que artistas de Hollywood se pronunciassem sobre o país, o que ocorreu”.

Interessante. O jornal não cita a fonte de tal declaração. Não há nada além da “informação” da Folha seguida por comentários da oposição ao atual governo. E apenas da oposição. Não há espaço para que o governo ou para que os responsáveis pelas telecomunicações do país esclareçam o fato que, para a Folha, pareceu tão absurdo e intolerável a ponto de aventarem que se tratou de uma tentativa deliberada, quase na base da futurologia, de evitar que comentários de artistas ganhadores incitassem mais protestos no país.

A Venezuela tem sido sacudida há semanas por imensos protestos, ora violentos, ora pacíficos, contra o governo de Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez. A mídia internacional, e em especial os grandes jornais e redes de TV brasileiros, tem dado especial atenção à crise, em geral escondendo grandes contramanifestações dos apoiadores do governo e claramente assumindo um dos lados do conflito, fazendo sofrer apenas o jornalismo de qualidade.

Mancha na credibilidade

No caso específico do Oscar, a Folha assumiu que o governo temia algo e isto virou notícia. Sim, pode ser verdade a informação de que o governo deliberadamente censurou o Oscar, como pode não ser, e jornalismo sério não publica fofoca sem verificação. Um jornal de circulação nacional e relevância como a Folha de S.Paulo não deveria publicar algo apenas informando se tratar de algo vindo “das agências de notícias” e esperar que isto satisfaça qualquer questionamento.

Vamos lembrar de outro país da América Latina onde o Oscar não passou na TV? Isso mesmo, o Brasil. A Globo não passou o Oscar ao vivo, mas um compacto que, oras, poderia ter uma edição para evitar que algum ganhador falasse mal do país, da Copa ou, quem sabe, da homenagem feita ao Eduardo Coutinho.

Será que o governo brasileiro exigiu que a Rede Globo censurasse o Oscar e passasse apenas uma versão “cortada” e preparada pelo PT? Acredito que não. Dilma Rousseff e Paulo Bernardo, seu ministro das Comunicações, sem dúvida não são adeptos da futurologia ou da censura prévia e a decisão coube à Globo, que sem dúvida tinha outros interesses comerciais, apesar de ter comprado um produto e de ter, assim, privado o público de assistir – uma prática predatória que causa claros danos à população, forçada a migrar para a TV a cabo, ao pay per view ou simplesmente ser forçada a acompanhar tudo por textos publicados em meios de comunicação que cada vez mais se mostram pouco confiáveis.

No fim das contas fica mais esta mancha na credibilidade da Folha de S.Paulo, em sua falta de critério e mesmo de interesse em passar uma informação verificada, balanceada, com ambos os lados sendo ouvidos, oras, colocando em prática as regras básicas de qualquer manual honesto de jornalismo.

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Raphael Tsavkko Garcia é jornalista e doutorando em Direitos Humanos