Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A violência é uma doença contagiosa

“Barbosa no tronco” é o título do artigo escrito pelo jornalista Reinaldo Azevedo, na Folha de S.Paulo de 7 de março último. O Barbosa em tela é o juiz-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, e o tronco uma ironia do jornalista, como depois se pode ler no artigo. É um tronco simbólico, não aquele em que se prendiam os negros escravos no Brasil até a morte. E no qual o presidente do STF agora estaria preso pelo PT e outros críticos de sua posição, derrotada, pela absolvição dos políticos do partido presos pelo suposto crime de quadrilha do mensalão.

O texto como habitual virulento de Azevedo, que faz escola de outros seus colegas assumidamente politicamente incorretos, prima pelo dedo na ferida, nos olhos. Um pitbull, como o qualificou a ombudsman do jornal, Susana Singer, no que foi admoestada pelo sociólogo Demétrio Magnoli, outro agitador de massas anti-PT.

Dizia um antigo jurisconsulto que aquele que grita “Fogo!” em um teatro lotado causa mais danos que o incêndio mesmo se ele for real. Azevedo grita fogo há muito tempo. Junto com outros colegas, como J.R.Guzzo. E o partido da violência já está nas ruas se apresentando como solução. Para quem acha que o pau não tem nada a ver com a canoa é bom observar que o problema candente da criminalidade e violência no Brasil vem sendo discutido por dois partidos informais absolutamente inconciliáveis, identificados como de direita e de esquerda. O primeiro defende a adoção de penas máximas – perpétua e de morte –, inclusive para menores, junto com porte de arma liberado para a população. O de esquerda, o status quo com ênfase na justiça social e a descriminalização das drogas.

Um tipo de violência provoca outro

O mais triste é que de um lado e de outro não há espaço para uma proposta filosófica ou científica como as feitas por Dostoievski (o escritor russo, sim) e pelo epidemiologista americano Gary Slutkin.

“Se não houvesse a Igreja do Cristo, não haveria para o criminoso freio a seus crimes, nem castigo, uma vez cometidos, isto é, um castigo real, não mecânico e que não faz senão irritar na maior parte dos casos, mas o único eficaz, o único que amedronta e acalma e que consiste na confissão de sua própria consciência”, diz um pope (padre russo) nos primeiros capítulos de Os Irmãos Karamazov, acrescentando: “Todas essas deportações e trabalhos forçados, agravadas outrora por punições corporais, não emendam ninguém e sobretudo não atemorizam quase nenhum criminoso; o número dos crimes não somente não diminui, mas só faz aumentar, à medida que se avança nas penas. Resulta que a sociedade não fica dessa maneira de modo algum preservada, porque, muito embora o membro nocivo seja mecanicamente cortado e mandado para longe, oculto à vista, outro criminoso surgiu em seu lugar, talvez mesmo dois.”

Olhar sociológico:

“A violência é uma doença contagiosa”, diz por sua vez o epidemiologista norte-americano Gary Slutkin, em artigo saído na revista Galileu. “Ao longo da história, nós, humanos, demoramos muito para entender as epidemias. Não porque não investíamos ou não nos preocupávamos. O problema é que fazíamos o diagnóstico errado. O mesmo acontece hoje com a violência. Se não conseguimos entender suas motivações, não entenderemos suas causas.

Depois de uma década combatendo epidemias na África, percebi que os mapas de densidade populacional que ajudam a explicar a disseminação delas no continente eram muito parecidos com os mapas que mediam casos violentos em Nova York e Detroit. Notei então que a violência é uma doença contagiosa assim como a malária, a cólera e a tuberculose.

Ela se espalha por meio de brigas de rua, estupros, assassinatos e suicídios. Um tipo de violência provoca outro. É como um ciclo. Se quisermos revertê-lo, temos de atacar o germe antes que se espalhe e se torne uma infecção – e contamine outras pessoas.

Solução para um problema crônico

Em 2000, demos início a um projeto-piloto de contenção da violência em Chicago, no distrito de West Garfield, na época um dos mais violentos dos Estados Unidos. Contratamos interruptores de violência para atuar igual a agentes de saúde diante de casos iniciais de gripe aviária. Eles faziam visitas diárias a líderes de gangues e grupos violentos, além de seus amigos e familiares, e davam conselhos úteis como orientações para empregos.

Em um ano, West Garfield viu o número anual de tiroteios cair 67%. Com a expansão da iniciativa para toda a Chicago, o número de assassinatos caiu de 628, em 2000,para 435 em 2010.”

Dado: somente em janeiro de 2014, houve 422 assassinatos registrados pela polícia no estado de São Paulo e 100 no município, sendo que os registros referem-se a mais de uma morte cada.

Continuando com Gary: “O sucesso levou nosso programa a ser expandido para outra 15 cidades americanas e outros sete países, incluindo o Iraque.

Há algumas semanas, fomos (associação Cure Violence, de Chicago) por representantes das prefeituras de Recife e São Paulo, interessados em colocar em prática nosso programa. Nas comunidades violentas do Brasil, os moradores moram muito próximos uns aos outros, o que ajuda a disseminar a criminalidade, mas também facilita a propagação de medidas pacificadoras.

Assim, com estratégias pautadas em métodos científicos, quem sabe possamos ser vistos como a geração que encontrou a solução para um problema crônico. Do mesmo modo como os médicos do século 19 fizeram com a cólera ao descobrir a doença não era produto de sujeira e imoralidade, e sim da atuação de um simples bacilo.”

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Zulcy Borges de Souza é jornalista