Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O terror através das palavras

Não raro, no mundo imenso da internet, deparo com textos, crônicas, colunas que “inconscientemente” incitam o que há de mais bárbaro em um povo carente de educação, de ponderação, de crivo, de gentileza. Pois bem, na semana passada tive o desprazer de abrir mais um artigo do mesmo estilo.

Uma “carta aberta”, de um colunista-pitboy – aquele que se posiciona na base da porrada e do grito –, endereçada a uma atriz global que teve sua casa roubada e que se dizia “de esquerda”. Tentava mostrar uma ironia no episódio. Uma celebridade “vermelha” tendo sua casa roubada e sendo feita de refém por aqueles que defende serem vítimas da sociedade.

Com as comuns grosserias, moralismos e intolerâncias inerentes ao seu discurso, e sem o uso de qualquer argumento construtivo, demonstrava ao seu público de fiéis como o assalto sofrido pela atriz desbanca as ideias “de esquerda” dela. Gênio?

Não. O público que o aplaude e que enxerga algum valor em suas palavras quer mais é dar porrada e desqualificar qualquer ideia contrária à sua. Ora, são leitores pitboys, pouco preocupados com o debate, mais preocupados com o nocaute da atriz e de todos aqueles que se mostram contrários ao que pensam.

A ignorância de fato tomou conta. Em seguida, a ignorância é aplaudida.

Hit bestial

Rolando, com muito medo, para os comentários ao texto, percebi que o tom de seu texto é tão gritantemente de mau gosto e pobre que até alguns de seus leitores (e apoiadores de sua linha política, como se autoproclamaram) pararam por um instante. Foi de um alívio ímpar. Alguns desses leitores, no meio de centenas de aplausos, conseguiram identificar a bestialidade e a arrogância exacerbada no seu texto. O problema é que poucos param.

Após receber algumas críticas, o autor argumenta que sua obra-prima teve 200 mil likes. Hit? No país cujo maior hit da atualidade se chama “Lepo Lepo”, parece prudente atrelar o valor do texto ao número de likes que ele recebeu? Não. O máximo que uma pessoa como essa tem é o poder da palavra – o que de fato já basta para tocar o rebanho que anseia por nocautes e não por caminhos e reflexões.

Embora tenhamos percorrido séculos de civilização, bárbaros com suas formas de pensar (bárbaras) ainda persistem, a despeito de o homem ter supostamente se tornado mais culto, mais crítico, mais astuto.

Isso transcende discussões políticas. Esquerda, direita, centro, esquece. Enquanto tivermos por aí um formador de opinião que recebe aplausos por expor pensamentos com tanta pobreza de espírito e tanta riqueza de arrogância, cagando (com o perdão da palavra) tantas regras, ninguém ganha. Nenhum debate político, nenhuma ideia, nada se constrói, que não a nossa mais visceral selvageria e a revista que o contratou, afinal o que é hit (e o que vende) é mesmo preponderantemente bestial.

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Stella Caram Abduch é advogada, escritora