Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

GM e Malaysia Airlines ensinam sobre crises

A General Motors e a Malaysia Airlines estão, ambas, em apuros, mas uma está dando uma lição de como lidar com uma crise fatal, ao passo que a outra está oferecendo uma aula de como não fazê-lo. Há um contraste gritante no comportamento, e na capacidade de lidar com críticas públicas, por parte de Mary Barra, presidente-executiva da GM, e Ahmad Jauhari Yahya, presidente-executivo da Malaysia Airlines – embora Mary tenha uma tarefa mais simples.

Ambos defrontam-se com o mais crítico problema empresarial – como reagir quando clientes morrem ao usar seu produto ou serviço. As vítimas de acidentes com automóveis da GM foram uma dúzia de motoristas ou passageiros de veículos compactos defeituosos; no caso da Malaysia Airlines, as vítimas presumidas são os 239 passageiros do voo MH370, cuja aeronave está desaparecida.

Mary, CEO da GM desde janeiro, até agora reagiu de forma exemplar. Ela assumiu responsabilidade pessoal, admitiu que a GM é a culpada e pediu desculpas; enfatizou sua tristeza (“como mãe, tenho minha própria família”) e prometeu não só corrigir procedimentos como usar a crise como um marco de mudança para a GM.

Gestores reagem de forma distinta ao pior pesadelo empresarial – a morte de clientes que usavam seus produtos ou serviços. Ahmad estava no comando quando foi cometido o erro: algumas famílias foram informadas sobre mortes por mensagens de texto. Após enfatizar, em uma declaração, ter reagido: “Como pai, como um irmão, como um filho”, ele recaiu num discurso empresarial defensivo padrão em entrevista à BBC Radio. Qualificando as críticas como “injustas”, ele insistiu em que sua companhia aérea tinha “se mobilizado além do que considero cenário padrão”.

“Um sujeito diz uma coisa e outro diz outra”

“Muitíssimo obrigado” seria a resposta mais branda de alguém que tenha perdido um ente querido no que nada teve de “cenário padrão”. Parentes de passageiros no voo MH370, incentivados tacitamente pelo governo chinês, protestaram diante da embaixada da Malásia em Pequim. Uma tragédia aeronáutica converteu-se em desastre diplomático e empresarial.

Esse contraste deve-se, em parte, ao evidente abismo de personalidade e habilidade entre Mary e Ahmad. O fato de a CEO da montadora ser uma mulher ajuda – uma “mãe” é mais simpático do que um “pai”, e o recuo de Ahmad, assumindo uma abrasiva postura de macho alfa evocou a resposta de Tony Hayward, ex-CEO da BP, após o desastre com a plataforma Deepwater Horizon, em 2010.

Mas Mary também está em melhor posição do que Ahmad devido a acasos. Ela dispõe de argumentos mais fortes, que até agora manipulou com habilidade. Ele está em posição lamentável, apesar de a GM ser, evidentemente, culpada, ao passo que a Malaysia Airlines talvez não seja. O voo MH370 envolveu um Boeing 777 com motores Rolls-Royce e a aeronave pode ter se incendiado, ter sido sequestrada ou muitas outras coisas.

Em primeiro lugar, Mary tem certezas. As mortes relacionadas com a GM tiveram uma causa – uma falha evidente esperando para manifestar-se na ignição do Chevrolet Cobalt e de outros compactos da GM, que pode ser sanada. O problema também já foi, essencialmente, resolvido, ainda que a GM tenha tido de recolher 1,6 milhão de carros e possa ser alvo de crivo político e de processos na justiça movidos por parentes enlutados. A GM sabe o que precisa fazer.

A Malaysia Airlines defronta-se com o equivalente ao vazamento no poço da BP. A companhia sequer encontrou a aeronave e os investigadores do acidentes estão longe de atribuir-lhe uma causa. Fiapos de informações vêm vazando, criando um ambiente de especulação e a suspeita de que a aérea ainda está escondendo coisas.

“Investigadores de acidentes geralmente têm condições de separar o trigo do joio atrás de portas fechadas, mas isso está acontecendo publicamente. Existe um tal vazio de informações, que eles estão sendo obrigados a liberar o que já descobriram”, diz Matthew Greaves, chefe do centro de segurança e de investigação de acidentes da Universidade de Cranfield.

Em segundo lugar, a GM tem autoridade. A companhia está sendo investigada e o Departamento de Justiça dos EUA poderá acusar a fabricante de automóveis de fraude, se for concluído que a montadora ocultou uma falha da qual tinha conhecimento quando o Cobalt foi lançado em 2005. Mas Mary tem autonomia suficiente para posicionar-se publicamente e assumir o comando.

“Se você não se comunicar de forma clara e frequente, alguém fará isso por você”, diz Shuba Srinivasan, professor de marketing na Universidade de Boston. “Ao assumir uma postura pessoal, ela mudou a narrativa: do recolhimento de veículos à maneira como estava lidando com isso.”

A Malaysia Airlines foi apanhada em meio a uma vasta investigação envolvendo 26 países, tendo à frente o governo da Malásia, que levou uma semana até declarar publicamente que estava no comando. “A história continuou mudando, durante a primeira semana. Um sujeito diz uma coisa e outro sujeito diz outra. Foi muito difícil”, diz um dos consultores de relações públicas que foram chamados para dar conselhos sobre a questão.

Por último, a GM tem uma narrativa. Ela entrou em concordata em 2009 e voltou à vida sob nova administração, que culminou com a nomeação de Mary. O Cobalt foi produto de um momento em que a GM fabricou carros baratos de baixa qualidade nos EUA. Embora ninguém diga isso publicamente, o fiasco envolvendo o Cobalt é emblemático da velha GM.

CEO poderá renunciar em consequência do desastre

Mary é veterana na GM, mas não foi vinculada ao problema (se tivesse sido, isso ameaçaria sua posição). Em vez disso, tinha uma história para contar: o Cobalt mostra por que a GM precisa mudar. Ela capitalizou isso anunciando mais três “recalls” por razões de segurança.

O problema de não dispor de uma narrativa redentora ao atravessar uma crise é que uma outra história lhe será imposta. Ahmad admite que poderá renunciar em consequência do desastre, e sua companhia aérea e país precisam evidentemente de alguém que assuma a culpa. Tanto as famílias enlutadas como a narrativa poderão exigi-lo.

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John Gapper, do Financial Times