Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O primeiro corte é do fotógrafo

Até quem não trabalha na imprensa percebe quando um veículo tenta prejudicar a imagem de uma determinada pessoa. O personagem aparece no topo da notícia, seja jornal impresso ou página da web, chateado, constrangido. Na maioria dos casos são figuras públicas, políticos, técnicos de futebol e até empresários, quando desagradam ao dono da empresa de comunicação. A parte onde entra o abuso editorial é que nem sempre aquela fotografia representa o contexto maior do fato.

No decorrer de mais de uma hora de entrevista coletiva, em algum momento o entrevistado vai fazer uma careta, ou deixar passar um semblante mais sisudo. Nada perceptível nas imagens de TV, mas repórteres fotográficos atentos ativam o modo de captura sequenciada de suas câmeras. São cerca de cinco fotografias por segundo, tecnologia que garante cobertura suficiente para conseguir o melhor lance em um jogo de futebol e a pior imagem em uma fala simples.

Quem escolhe a foto que vai ilustrar a matéria divide a culpa com o autor. Essa maldade na publicação muitas vezes é planejada. O fotógrafo vai para a pauta com a obrigação de ter os dois tipos de fotografia, a boa e a ruim para o entrevistado. A relação dessa pessoa com o dono da empresa vai definir de que forma sua imagem será usurpada. Esse modo de se fazer jornalismo nem sempre representa a verdade.

Bom senso e ética

A representação do real proporcionada pela fotografia deve ser respeitada. Se sorriu muito, que apareça sorrindo; se estava irado, aí sim, uma imagem mais carrancuda. A figura do editor de Fotografia está desaparecendo das redações. Muitos profissionais que editam texto e imagem ao mesmo tempo não entendem a magnitude do conceito imagético, e não falo em pegar uma câmera para fotografar, não é necessário.

Sobrecarregados na redação com a extinção da editoria, todos são vítimas. O editor de fotografia perde seu espaço, o repórter fotográfico vê seu trabalho subutilizado, o editor de página assume uma nova competência sem estar devidamente preparado, tudo em função da economia de um cargo para a empresa. O produto final fica mais pobre, e o leitor, mais uma vez, leva o prejuízo maior.

Compromissado com a verdade, o repórter fotográfico pode resolver parte do problema assumindo a posição de “elo forte da corrente”. É dele o primeiro corte, a primeira edição. Somente ele pode dizer o que viu e o que não viu. É na rua que se faz a imagem de auditório cheio ou vazio, em uma mesma cena, a pedido do editor. Um corrupto até finge que não vê, mas o sensato registra tudo, em grande angular. No mercado que troca capacitação por lucro empresarial, rezamos para que pelo menos haja bom senso, pela ética, acima de tudo.

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Felipe Gesteira é jornalista