Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornais de bairro sem participação dos moradores

As discussões acadêmicas sobre a finalidade e objetivo do jornalismo comunitário levam à conclusão que um jornal essencialmente comunitário tem de apresentar problemas de determinado bairro e de seus habitantes. E, essencialmente, as reportagens têm de ser produzidas pelos próprios moradores. Mas no Brasil essa característica não é praticada pela maioria dos veículos de bairro. A grande mídia, em contrapartida, é quem dá mais espaço para a comunidade, respeitando os aspectos teóricos do jornalismo comunitário.

A maioria dos jornais de bairro não ganha o título de comunitário por justamente não ter participação da população local. São jornais que defendem interesses dos donos, de políticos e organizações. Seu conteúdo foge do ideal e é recheado de propagandas, matérias pagas e publicidade. São raros os casos em que o chamado “buraco de rua” ganha destaque nas páginas dos jornais. Textos sobre ruas importantes sem sinalização padrão, falta de vagas em escolas públicas e escassa segurança pública têm espaço irrisório nas edições, sendo preteridos por conteúdo que trará mais rendimento ao jornal, desconsiderando assim seu papel de prestador de serviço.

Outra característica ruim do jornalismo comunitário no Brasil é a interferência de elementos externos, agentes que têm influência direta nas pautas dos jornais. Clubes sociais como Rotary e Lions, partidos políticos, líderes comunitários e empresas recebem tratamento diferenciado, levando em consideração a empatia criada com o dono do jornal. Ou seja: se alguma pauta for prejudicar alguns desses grupos, por mais que seja relevante para a população, ela não será produzida para não causar desconforto. Da mesma maneira, se tais endossadores sugerirem qualquer pauta, ela será publicada sem nenhum crivo editorial, desconsiderando os princípios básicos do jornalismo comunitário.

Globo cede à comunidade o melhor canal de comunicação

Sendo assim, onde está o jornalismo comunitário?

Por mais que soe estranho, é na chamada grande mídia que as pautas comunitárias se sobressaem. Em tese um espaço apenas para notícias mais abrangentes, questões pontuais de bairro são recorrentes em veículos de renome como o jornal Folha de S.Paulo e TV Globo.

Na Folha, além de reportagens com um teor mais social serem comuns no caderno Cotidiano, voltado a discutir temas da cidade de São Paulo, no site do jornal há um blog produzido exclusivamente por colaboradores que trazem assuntos sociais, boas ações e problemas de seus respectivos bairros. O blog se chama Mural e é uma voz importante para que principalmente a periferia consiga se expressar. Esse acesso é mais fácil para eles, o que causa a contradição por não terem chance de se comunicar em jornais de bairro.

A Globo ousa mais ao abrir espaço para o jornalismo comunitário. No jornal local para a cidade de São Paulo, SPTV, existe o quadro chamado “Parceiros do SPTV”. Nele, moradores de bairro são os protagonistas das pautas e repórteres. Cada semestre vários bairros, de preferência os mais carentes, são selecionados. Em cada matéria, se cumpre, efetivamente, os fundamentos do jornalismo comunitário.

Independente do posicionamento político, econômico e social, a Globo cede à comunidade o melhor canal de comunicação no jornalismo brasileiro, pois de fato são as pessoas que vivenciam o bairro que, mesmo sem qualificação técnica, produzem as reportagens veiculadas em um dos horários de maior audiência da TV – às 12h.

A tendência é que o jornalismo comunitário cada vez mais perca sua essência. Os interesses aumentam e os donos dos jornais sacrificam a ideologia jornalística em prol da sobrevivência da publicação, vendendo espaço que em tese seria para prestação de serviço e o entrega a quem oferecer um melhor preço.

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João da Paz, Adílio Diogo, Douglas Nunes e Leonardo Macedo são jornalistas