Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Discursos inflamados contra os taxistas

No Rio de Janeiro, não é difícil ler matérias que dediquem discursos inflamados contra uma categoria de profissionais: os taxistas. Geralmente, são artigos tramados com ingredientes apimentados, onde fica translúcida a intenção de denegrir uma classe de trabalhadores castigados pela aridez de asfaltos mal conservados e que trabalham, em sua maioria, a média de 12 horas diárias. Por que uma jornada tão longa? O taxista vive da produtividade e precisa compensar os longos períodos parados no trânsito de uma cidade que se transformou num imenso canteiro de obras. Como exemplo, cito Gilberto Scofield (no artigo “O universo paralelo dos táxis cariocas”), onde ele afirma que os companheiros taxistas interagem em animadas conversas e em almoços de quatro horas de duração. O colunista se refere a esses trabalhadores como se eles participassem de uma abastada elite corporativa. Em que país vive o sr. Scofield?

“Apesar de muitos motoristas corretos, o serviço é ruim de um modo geral: motoristas que perguntam para onde vai a pessoa, grosseria, carros horrorosos, direções irresponsáveis, recusas a aceitar passageiros” – assim o sr. Scofield descreve a classe dos taxistas, afirma que muitos motoristas são honestos, mas escolhe generalizar pelos piores. Afinal, como dizia um sábio: generalizar as coisas é o meio mais rápido pra querer ter a razão. Desconhece o jornalista que grande parte dos taxistas atua em regime cooperativado, onde são fiscalizados por conselhos de ética e punidos quando não se comportam com profissionalismo. Em sua aversão aos táxis, Gilberto fala dos “carros horrorosos”. No entanto, não teve o trabalho de investigar a fantástica burocracia que emperra a conquista da isenção do IPI e ICMS para que o taxista possa comprar um novo carro. Essa burocracia quase obriga os taxistas a se lançarem às mãos de despachantes e pagarem valores extorsivos para verem o processo andar.

O colunista de O Globo insiste na necessidade de maior fiscalização, o que é ponto indiscutível. Quando o sr. Scofield reclama da bandidagem nas portas de aeroportos e rodoviárias, ele brada, certamente, contra táxis piratas, sem documentação que os autorize a exercerem o ofício, transitando nas sombras da lei. Tudo isso passa longe da realidade dos profissionais licenciados, que pagam taxas para renovar a concessão e descontam impostos para exercer a sua atividade.

“Capitanias hereditárias”

O colunista se mostra intrigado com o sumiço dos táxis em dias de temporal. Será que não ocorre à inteligência dedutiva do sr. Scofield que os dias de chuva aumentam a demanda pelo serviço? E se faltam táxis em dias de tempestade como explicar a frota superabundante que alardeiam? Além disso, esquece o sr. Scofield que vivemos numa cidade que padece de enchentes e tumultos diante do mais tímido aguaceiro?

O combativo jornalista se mostra um defensor da licitação para concessões de autonomia e delega à miséria um substancial universo de motoristas auxiliares que dependem das transferências para sustentar as famílias e que, muitas vezes, se revezam em turnos com os titulares. O jornalista não comenta que nem todo o transporte licitado do Rio é sinônimo de sucesso e que a prática da licitação, no caso dos táxis, só iria beneficiar as grandes empresas e nunca o trabalhador que sonha com a independência do próprio negócio. Segundo o jornal Tribuna da Imprensa, o sócio de uma das maiores empresas de táxi do Rio é da família de um ex-alcaide do município.

O sr. Scofield mostra absoluto repúdio pelo que chama de “capitanias hereditárias”, ou seja, o direito que há sobre o repasse das permissões de táxi para auxiliares e viúvas (no caso de falecimento do titular) autorizadas pela SMTR. Seria de extremo valor se o sr. Gilberto Scofield questionasse no mesmo tom as “capitanias hereditárias” vigentes nas concessões de rádio e televisão, que incluem as Organizações Globo, empresa para qual ele colabora.

Questão de escolha

Por fim, o sr. Gilberto Scofield protesta contra a permissão da bandeira 2 concedida pela prefeitura aos taxistas durante eventos como foi a Jornada Mundial da Juventude. Ao mesmo tempo em que se mostra insatisfeito com o desempenho dos táxis, não considera que o taxista é uma das portas de entrada para um evento que atrairá um movimento turístico pela nossa cidade. Por desconsiderar os taxistas, não compreende que a bandeira 2 venha a ser um incentivo para que os motoristas profissionais prolonguem as 12 horas que trabalham diariamente. Quem sabe a bandeira 2 foi oferecida para compensar o taxista durante um período em que o movimento na cidade será mais intenso? O Rio de Janeiro consta como um dos quilômetros rodados mais baratos do Brasil, o que deve fazer do taxista carioca o profissional com a pior remuneração do país. Mas isso o sr. Scofield deve desconhecer, faltou pesquisa.

Numa oportunidade para debater com o colunista Gilberto Scofield, através do Facebook, tentei fazê-lo compreender as dificuldades que a classe profissional dos taxistas vivencia na rotina diária e ele me respondeu que, sabendo das dificuldades, o taxista deveria procurar outro trabalho. Como assim? Jornalistas enfrentam imensas dificuldades para exercer o ofício, são agredidos e até assassinados. O mesmo ocorre com os taxistas. O que há de comum entre as duas profissões? Nem sempre é uma questão de escolha, sr. Scofield, pois também existe o amor pelo que se faz.

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Alexandre Coslei é jornalista