Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘O fotojornalismo impresso tradicional acabou’

Giorgio Palmera é fundador e líder da ONG Fotógrafos sem Fronteiras. Italiano, divide a rotina entre agência de imagens e cursos de formação de crianças em áreas pobres e de conflito mundo afora; é capoeirista e está no Brasil.

“Tenho 46 anos e já rodei o mundo. Estudei capoeira 15 anos em Roma, mas ainda não conhecia o Brasil até três anos atrás, minha primeira visita. Desta vez, cheguei no último carnaval e vou embora Quarta-Feira de Cinzas de 2015. A foto sem fronteira é minha vida. Minha foto é filha do olhar da criança que a gente já foi”.

Conte algo que não sei.

Giorgio Palmera – O fotojornalismo impresso tradicional acabou. Ficou autorreferencial, mais ligado a prêmios, a pautas escolhidas pelos jornais do que a ideias concebidas pelo fotógrafo. Isso acontece no mundo inteiro, em diários como Le Monde e New York Times, para os quais trabalho pela agência ECO. Ao mesmo tempo, os movimentos populares de fotografia têm hoje o compromisso que a gente tinha antigamente.

Já trabalhou em jornal?

G.P. – Não, sempre tive medo de ficar preso ao dia-a-dia, à rotina. Numa agência fica-se mais seletivo e tenho tempo para tocar meu trabalho voluntário.

Mas em publicidade, sim.

G.P. – Uma coisa boa da publicidade é que a gente tem a possibilidade de fazer pesquisas de dois, três meses. Numa campanha para a Tim, tentando humanizar o cliente, rodei por várias cidades de Nápoles. É raro um fotógrafo de jornal ter esse tempo. Hoje, a publicidade tem dinheiro, os melhores fotógrafos e cineastas do mundo, até Spike Lee! Uma força de produção que uma National Geographic não tem mais: pagam 800 euros de cachê…

Como seu trabalho transforma indivíduos?

G.P. – Uma menina ficou três anos presa na Argentina por tráfico e estudou fotografia num programa nosso. Quando foi libertada, não conseguiu ficar em paz enquanto não voltou para a carceragem para desenvolver o mesmo trabalho com outras detentas. Em Gaza, um rapaz que fez fotografia popular teve toda a família morta. Foi chamado pelo Hamas. Ele nos pediu ajuda para resistir. Finalmente, voltou ao Hamas e disse: “Obrigado pelo convite, mas vou por outro caminho.” Um homem-bomba a menos. Na pobreza você não precisa só de bebida e comida, mas também de comida para a cabeça.

Como na canção dos Titãs…

G.P. – Não conhecia! Isso vale na favela, em campos de refugiados na África. Criança é criança, a mais pobre precisa abrir sua mente, brincar e criar.

Como veio parar no Rio?

G.P. – A primeira vez foi há três anos, para encontrar o pessoal da Imagem do Povo, o João Roberto Ripper e os fotógrafos da favela. Aí me apaixonei. Tinha já 15 anos de capoeira, que cursei em Roma. Morei dois anos na Nicarágua, fiz livro na Argentina, rodei o mundo. O Brasil foi o clique para eu entender o que já sabia: esse pessoal sai diariamente pela comunidade para fotografar, com qualidade. O que está acontecendo no teleférico? As imobiliárias estão entrando no Vidigal? Perdemos esse caráter. Foto é mais que emprego.

Mas os morros estavam fechados para os profissionais.

G.P. – Existe isso. O interessante é misturar. Há fotógrafos populares que passam para a mídia tradicional. Em Gaza tinha um Mohamed que foi para a AP! Tinha mais entrada que qualquer fotógrafo de agência, fora o medo que eles têm de arriscar sua integridade…

Seu olhar sobre a Copa.

G.P. – Há um gasto econômico evidente e uma falta de infraestrutura grande. Mas a Copa esquenta a economia, nem tudo é ruim. O grande fantasma do Brasil, porém, mais que os protestos, é a Argentina: ninguém lá gosta realmente do Messi, têm antipatia, ele está mordido e precisa fazer algo que lhe dê uma legitimidade nacional, histórica. Bater o Brasil em casa é a grande ocasião…

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Arnaldo Bloch, do Globo