Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Documentário é homenagem ao jornalismo

Pobres, sujos, negros. Indefesos, explorados, enganados. Operários, meninos de rua, viciados. Era da perspectiva desses personagens que o jornalista Tim Lopes construía suas reportagens.

Bermuda, sandália de dedo, camisa aberta, ele subia morro, pernoitava em abrigos, jogava futebol com meninos. Perambulou pela vida de brasileiros que costumam ficar de fora do noticiário oficial. Falou com sambistas, prostitutas, viúvas. Topou com tiroteios, assaltantes, bailes, mortes.

Assassinado por traficantes em 2002, enquanto trabalhava, Tim mergulhava de forma profunda em suas histórias. Repórter-camaleão, teve dias como ambulante, peão, maratonista. Buscou matéria-prima para contar a realidade longe de gabinetes, salas confortáveis e lugares higienizados.

Essa trajetória intensa é narrada por seu filho Bruno Quintella no documentário Tim Lopes – Histórias de Arcanjo, dirigido por Guilherme Azevedo. Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento era o nome do repórter, que ganhou o apelido no início de carreira por causa da semelhança com Tim Maia.

O filme ouve parentes, colegas de trabalho, amigos, personagens das reportagens desse gaúcho que passou a infância nos amplos campos de Itaqui, pertinho da fronteira com a Argentina. Vivendo no Rio, transformou-se em carioca legítimo e desbravou as entranhas do país, expondo-as em jornais e na TV.

A fita tenta escapar de pieguices e é como uma viagem do filho em busca de entender o trabalho do pai, morto aos 51 anos. Lembra outros documentários recentes que têm essa pegada de contar histórias conduzidas por um familiar que vai para frente das câmeras.

Em Mataram Meu Irmão (2013), Cristiano Burlan costura a violência da periferia paulistana com a tragédia em sua própria casa. Em Elena (2012), Petra Costa traz com delicadeza e densidade a questão do suicídio que abala a família.

A dupla Azevedo e Quintella percorre um caminho semelhante. Faz um filme solto, sem rancor, com pitadas de contexto do cotidiano brasileiro. O documentário é um tributo do filho ao pai. Mas não só. A grande homenagem vai para a reportagem que dá espaço àqueles sem voz e privilegia a realidade sem pasteurização. Ao jornalismo.

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Eleonora de Lucena, da Folha de S.Paulo