Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As vaias, o espaço da liberdade e a democracia

A democracia não abre mão de críticas. Nem de vaias. A diferença da democracia para a ditadura, entre outras, é o espaço da liberdade que uma garante e que outra sufoca.

De um lado, as vaias de baixíssimo nível à presidente Dilma Rousseff, na abertura da Copa do Mundo 2014, no Itaquerão, em São Paulo, garantem àqueles que vaiam um espaço para poder tranquilamente ir para casa e não serem importunados com prisões, cassações, torturas ou perseguições à família e ao entorno afetivo, familiar ou político. Na ditadura, uma vaia a um(a) presidente, ainda que coletiva e iniciada pela elite que em eras recentes também apoiou a ditadura – e dela se beneficiou para construir carreiras políticas ou pessoais –, dificilmente escaparia de uma revanche, ainda que na calada da noite.

Eleita pela maioria dos votos do povo brasileiro, Dilma Rousseff – a que lutou pelo espaço de liberdade e foi torturada por isso; a que sofreu nos porões da ditadura e sofreu humilhações físicas, morais e emocionais – recebeu vaias hegemonizadas e orquestradas por aqueles que nunca lutaram, efetivamente, pelo espaço da liberdade política, pessoal e ideológica hoje vivida.

Na construção da liberdade, Dilma foi um exemplo; na destruição da liberdade, a elite brasileira foi um paradigma e um exemplo a não ser seguido. Tal “elite” estava bem representada na abertura da Copa na quinta-feira (12/6), já que seu acesso ou era gratuito ou a “peso de ouro”, coisa inimaginável para a maioria da população brasileira, beneficiada com o Bolsa Família, com o acesso mais igualitário ao ensino público, mas não beneficiária de poder aquisitivo para adentrar a um estádio na maior competição futebolística do planeta. Elitismo não significa democracia e riqueza não representa boa educação, no máximo acesso a lugares e ambientes que outros não conseguem experimentar.

Simulação da liberdade e resposta imediata

O importante, quem sabe, é que nem a mídia foi homogênea no amparo às vaias e nem as vaias ficaram sem resposta, cenário facilitado pelas redes sociais e pela resposta do público – não da “elite”. Ainda que parte minoritária dela tenha se envergonhado do episódio, o uso político das vaias para a eleição que vem logo após a Copa fez calar várias pessoas e mídias, mas ainda bem que outros vários jornalistas e meios tomaram posição a favor do espaço da liberdade tão duramente conseguido e tão equivocadamente utilizado por quem só vê problemas no governo – nunca mérito algum –, apesar dos índices de sobrevivência, longevidade e educação terem melhorado substantivamente – e os dados estão disponíveis – nos últimos 10 anos.

Assim, as redes sociais, a resposta on line às vaias, a manifestação de vergonha de parcela da população acena para um momento em que: a) a resposta é mais imediata; b) não depende dos meios tradicionais; c) fiscaliza os meios tradicionais e sua repercussão; d) constrói outros discursos; e) a audiência ou público tem mais opções; f) a liberdade de opinião não é mais privilégio de um ou outro setor; g) o espaço de liberdade existe como nunca no Brasil, ainda que sua democracia seja recente e a de mais longa duração da história da República; h) não se pode perder tal espaço; i) deve-se lutar para que aqueles que sufocam a liberdade não retornem ao poder político nas próximas eleições, evitando que a “elite”, ao chegar ao poder de governo, impeça a investigação da corrupção como tem sido feito nas últimas três gestões do país – é só verificar a atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e a liberdade do Supremo Tribunal Federal.

Aqueles que os elogiam hoje , como a “elite”, já no poder facilmente abrem mão da liberdade para defender seus interesses particulares e seu bolso. E rapidamente esquecem para que serve a liberdade, inclusive a de imprensa; e para que serve a investigação via organismos constitucionais do Estado, que deve investigar também os corruptores, grande parte representada pelos que vaiaram Dilma Rousseff.

A preocupação principal da “elite” é com uma democracia conveniente a si mesma, ainda que a palavra democracia seja apenas um conceito vazio ou gelatinoso para ela.

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Francisco José Castilhos Karam é pesquisador do objETHOS e professor na Universidade Federal de Santa Catarina