Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Má-fé e incompetência ética

Em conversa com amigos sobre a Copa do Mundo 2014, na quarta-feira (27/6), fiquei perplexo pela forma como eles entendiam e viam o evento negativamente. Suas opiniões longe de serem de um “radicalismo direitista”, era um julgamento, em geral moderado, mas uma oposição contundente ao Mundial da Fifa. Ao me manifestar, questionando tal posicionamento fui taxado de ingênuo e desinformado, nos argumentos destacados pelos meus interlocutores. Montou-se um clima de insegurança imenso que se pode perceber nas relações interpessoais.

Após a leitura do post do Diário do Centro do Mundo (DCM), viu-se o vídeo “O que a imprensa dizia sobre a Copa antes dela começar“, que apresenta uma suposta jornalista lendo e comentando uma coluna não identificada sobre os rumos da Copa do Mundo antes do evento começar. Depois, viu-se o conglomerado de sujeitos públicos que arriscaram a sua frágil credibilidade, como destaca o site Vi o Mundo: “Jornalismo Wando: Lembrando aqueles que quebraram a cara com a Copa do Mundo“. Assim, esses episódios levam a refletir sobre a comunicação e a responsabilidade nas relações sociais. Os desdobramentos da ação do comunicador social no processo informativo, suas consequências éticas e políticas que tudo isso encerra, porque a prática ética não é unanimidade neste campo social.

Observa-se que grande parte dos comunicadores (jornalistas, apresentadores, comentaristas, colunistas) que teceram sua opinião sobre a Copa, de um ponto de vista ético-profissional, não reconhece a maioria da população brasileira como digna. Não a tem como seu interlocutor digno: cadê responsabilidade ética?

Ao manter uma opinião negativa, tais produtores culturais erraram eticamente, em formato de “crítica” e criaram discursos que seguindo apelos políticos romperam com a necessidade de respeitar os interlocutores, o seu digno público (leitores, telespectadores e internautas) no processo de comunicação.

A quebra do sentido relacional

Zygmunt Bauman, em seu livro Ética pós-moderna, lembra o desafio de construir elementos que possam balizar os processos das relações humanas. Pensar o outro como interlocutor faz com que o “eu” se lance ao seu paradoxo, o “outro”. Os sujeitos assim devem buscar a inter-subjetividade relacional para alcançar uma prática ética.

Assim, pode-se inferir que o exercício prático na ética da comunicação é pura alteridade. Mais que qualquer coisa é uma ação de reconhecer-se no outro, sentir-se próximo ao outro, mas sem negar-se objetivamente. Nas interlocuções comunicativas, deve haver um mínimo de inter-subjetividade para prevalecer o sentido da comunicação e mobilizar socialmente as pessoas em uma comunidade humana. A responsabilidade é um ação para com o outro: leitores, telespectadores e internautas.

Desse modo, o que se constrói no processo de comunicação social é um conjunto de valores em que se deve levar em conta a formação de imagens, símbolos e relações sociais fortes. Tudo isso possibilita não só formar uma cadeia de significados, mas também reforça as bases da confiança nos comunicadores, em um nível interpessoal, ou seja, ético-moral.

Se a comunicação não for adequada não há alteridade, rompe-se com essa cadeia de significados (a verdade, a referência, a credibilidade), observa-se a quebra do sentido relacional. O processo identitário (eu) do comunicador não está em consonância com seu interlocutor (outro). Logo, o comunicador que nega o outro, nega a si, rompe eticamente com sua função de comunicar, de obter êxito, pois de forma equivocada não reconhece o outro como digno da comunicação.

Descrédito e desmoralização

Os erros recorrentes sobre a Copa do Mundo, forjado na omissão de fatos e informações com a intencionalidade de omitir/mentir significa mais do que tudo a verdade de grupos que não se identificam com o povo brasileiro. Os produtores culturais da comunicação social que de forma deliberada proliferaram intencionalmente um clima de negação do evento pauta um clima de desajuste ético com seus interlocutores. Tornam-se assim incompetentes eticamente. Descreditados e fragilizados na construção simbólica de significados.

Agiram de má-fé? O resultado, por enquanto, é o paulatino descrédito, a falta de referência nas práticas éticas, a desmoralização dos baluartes da desinformação. O que sobra é ingenuidade, o silêncio da crítica e reflexão para poder purgar o que está por vir na comunicação.

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Moisés dos Santos Viana é jornalista e professor de comunicação