Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mordidas e lágrimas (de crocodilo…)

O choro é livre!

Nas entrevistas que tenho visto de atletas, comissões técnicas e dirigentes durante esta Copa do Mundo, bom senso é um artigo em falta.

E com a severa punição ao atacante uruguaio Luis Suárez (4 meses de suspensão de qualquer atividade ligada ao futebol), a tendência é de que a grita seja ainda maior.

Comecemos, então, pelo capitão da Celeste, Lugano, convocado para enfrentar a mídia na coletiva do dia seguinte à mordida de Suárez no italiano Chiellini, se negou a admitir o fato (não sei se por desinformação ou desfaçatez) e ainda saiu dando botinadas em jornalistas e adversários.

Sobre o italiano agredido disse:

“Si salió llorando y alcahueteando así del campo de un compañero de trabajo, como hombre no alcanza los puntos que tiene como jugador. Si lo dijo, es tremendo alcahuete, mala gente y llorón”.

Deixo a declaração propositalmente em espanhol para que não haja dúvidas sobre a força das palavras. Em resumo, chamou Chiellini de dedo-duro, chorão e mau caráter.

Um jornalista inglês também levou um sopapo verbal do capitão. Lugano se recusou a responder à pergunta em inglês, embora jogue na Grã-Bretanha e quando o mesmo jornalista refez o questionamento em espanhol, partiu para uma saraivada de palavras agressivas:

“Sei que a mídia britânica têm perseguição com o Suárez. Jogamos contra a Itália e vamos jogar contra a Colômbia. O que faz um jornalista inglês cobrindo nossa seleção?”

Não satisfeito, o antes equilibrado Lugano ainda soltou farpas que sugerem um suposto favorecimento ao Brasil, como no caso primeira partida contra a Croácia, quando Neymar, deliberadamente jogou o braço na cara de Modric e foi punido apenas com um cartão amarelo.

“Não sei se vocês, jornalistas, querem fazer justiça ou tirar alguma vantagem. O lance do Brasil eu nunca mais ouvi falar, com o cara da Croácia. Parece que só querem apontar para um jogador e uma seleção” 

Em relação ao lance e ao pênalti mal marcado contra seu time, o treinador Croata, Niko Kovac, também pegou pesado:

“Não tem nada a ver com esse árbitro em especial, tem a ver com jogar aqui no Brasil, o Brasil ser o grande favorito para ser campeão. As regras valem para os dois lados. O slogan da Fifa é ‘respeito’, então, que haja respeito para as duas equipes, se continuarmos assim, vamos ter um circo.”

Em relação ao pênalti, a queixa é mais do que justificável, mas em relação ao lance do Neymar, nem tanto. Ele poderia ter sido expulso? Sim, poderia. O cartão vermelho seria dado mais pela intenção do que pelo resultado do lance. Mas, no calor da partida, o árbitro avaliar a intenção de um lance de jogo é realmente complicado.

Novos esperneios

Acho que nos dois casos, tanto no de Neymar quanto no de Fred, a mídia brasileira se saiu muito bem. Não partiu para patriotadas e mostrou, como não poderia deixar de ser, que realmente a atuação do juiz acabou nos sendo favorável. Mas daí a isso fazer parte de uma estratégia voltada a garantir o título para o país sede, fica difícil para alguém acreditar (a não ser, provavelmente, o Rodrigo Constantino, da Veja).

Infelizmente a postura do atacante/ator e da Comissão técnica não foi tão sensata. Entre não comentar o caso e defender com unhas e dente o indefensável, Fred e Felipão preferiram a segunda hipótese e deram uma tremenda bola fora.

Assim como o presidente da Federação Uruguaia que declarou que não havia provas de que Luis Suárez tivesse, realmente mordido o italiano.

Mas como dizia lá em cima, as desculpas para erros, maus desempenhos e eliminações têm sido jogadas aos ventos cálidos e tropicais para quem as queira ouvir e, quem sabe, aceitar.

O italiano Marchisio disse que o calor de Manaus lhe provocou alucinações.

Revoltado com o fato de que ter que trabalhar e ver seleções europeias jogarem nos trópicos, também se mostrou o jornalista Julián Ruiz, do jornal espanhol El Mundo

“España, Inglaterra, Portugal etc. están ya fuera con sólo dos partidos. Es un ejemplo grotesco. Por ejemplo, casi gana Estados Unidos, con un liga de risa. Como la de Costa Rica, la de Irán , la de Ghana, la de tantos mindundis con selecciones que corren más, porque están menos cansados o están acostumbradas a estas situaciones meteorológicas. El caso de Portugal es típico de lo que le ocurrió a Alemania el otro día o el horror de Bélgica.”

Sou só eu , ou alguém sente na gritaria uma indignação “primeiromundista” contra o fato de ter que se submeter a outras condições de temperatura e pressão que não as suas? A revolta no discurso do tal periodista me parece ser traduzido da seguinte forma:

“Como nós, verdadeiros e dignos representantes do futebol mundial podemos nos submeter a competir nessas condições. Eles que se adaptem a nós e não o contrário. Futebol que importa, só acima da Linha do Equador e, mesmo assim, com exceções”. Mentalidade de colonizador…

Outros esperneios virão por aí. Isso é típico no futebol, um esporte jogado e apitado por seres humanos e imprevisível como eles.

O “choro” do momento é em relação a Luis “Mordedor” Suárez.

Rigor ético

Li, há pouco, enviado pela amiga Pamella Lima, um tweet do radialista uruguaio Orlando Peletinatti, no qual ele dizia, em tradução livre:

“A FIFA acaba de determinar que Suarez matou J.F.Kenedy, derroubou as Torres Gêmeas e é o único culpadpo pelo Aquecimento Global”

Houve exagero da mídia? Foi ela a responsável pela duríssima punição? Ou a atitude reincidente do jogador uruguaio era, mesmo, indesculpável?

Lembro que o mesmo jogador havia sido endeusado pela imprensa esportiva dias atrás quando fizera os dois gols da vitória sobre a Inglaterra, após uma heroica recuperação de uma cirurgia no joelho.

É certo que a FIFA aproveitou o momento em que os holofotes estavam todos ligados em sua direção para defender o Fair Play com unhas e dentes.

Pena, no entanto, que tanto rigor ético não seja aplicado em outras questões relacionadas aos milionários interesses de Blatter e cia.

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Uma notícia, vários olhares

Muita gente andou acusando a mídia de ter potencializado a gravidade da mordida que o atacante Luis Suárez deu no jogador italiano Chiellini durante a fase de grupos da Copa do Mundo. Então, nada melhor do que a gente dar uma analisada nos jornais do dia seguinte ao anúncio da suspensão de 4 meses para o jogador uruguaio.Suárez já está em solo pátrio e lá foi recebido como herói injustiçado.

A capa dos jornais uruguaios têm, todas, um tom de velório e revolta. Só o La República buscou mexer com os brios da torcida:
 

  

 

 


Na Grã-Bretanha, a mídia do país, acusada de complô contra Suárez, se ateve a registrar o fato em manchetes bem mais comportadas do que nos últimos dias, mesmo nos tabloides sensacionalistas.

 

 


Na Itália, terra da vítima, também manchetes menos duras, talvez pelo fato do próprio Chiellini ter considerada dura demais a punição. Só o Corriere dello Sport continuou a chamar Suárez de canibal:
 

 

Nos países latinos que ainda disputam a Copa, tons diferenciados. Enquanto na Argentina, célebre rival uruguaia, os jornais pegaram leve (mesmo o irreverente Olé), em outros países como México, a agressividade das manchetes ainda chamou a atenção (Suárez é chamado de cachorro):

 

 

 

Aqui no Brasil, por ser a sede da Copa, quase todos os grandes jornais deram destaque à punição. A maioria, contudo, não emitiu juízo de valor nas manchetes. O Lance! optou pela gozação, já o Correio da Bahia reproduziu uma montagem que correu as redes sociais nos últimos dias e pegou pesado:

 

 

 

Culpados ou não, o fato é que os jornais foram bem menos duros depois da punição anunciada. Talvez saciados em sua fome de justiça, talvez com certo sentimento de culpa. Mas como dizia aquela velha frase, “Jornal velho só serve para embrulhar peixe”, e amanhã a Copa segue e outras notícias virão. Suárez passa, como outros passarão e, para nós, resta apenas a refletir sobre o caso.

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Rafael Casé é jornalista