Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O legado da Copa para Salvador

“O legado da Copa é nosso. (…) Porque ninguém que vem aqui assistir à Copa leva consigo, na sua mala, aeroporto, porto, não leva obras de mobilidade urbana, nem tampouco estádios. O que eles podem levar na mala? É a garantia e a certeza de que este é um país alegre e hospitaleiro. Podem levar isso na mala. Agora, os aeroportos ficam para nós, as obras de mobilidade ficam para nós, os estádios ficam para nós” (presidenta Dilma Rousseff, 15/5/2014).

Copa do Mundo no Brasil, Olimpíadas no Rio de Janeiro. Propostas demagógicas do autômato – em sentido figurado mesmo! – ex-presidente da República, feitas a mando da banda podre do PT, como parte integrante do plano de perpetuação no poder. Como anteviram, o ingênuo povo brasileiro foi no engodo. Vingaram, pois, as propostas. A primeira, já às vésperas de ser concretizada; a segunda, provavelmente, será em 2016.

É clara, indiscutível, exceto para os menos esclarecidos, a finalidade política, no curto, médio e longo prazos, das propostas. É um cristalino exemplo do condenável “abuso do poder econômico” para realização de pretensões políticas; e esse com uma agravante: um abuso praticado à custa do erário; e, ressalve-se, com um custo estupidamente superfaturado.

Esses megaeventos estão à altura de países que possuem “qualidade de vida” e uma economia sustentável. Não nações como a nossa, em que boa qualidade de vida é privilégio de poucos e a economia é fantasiosa. Sua realização em países desestruturados dá margem ao que vimos na África do Sul e estamos vendo aqui: a “cafetina” do futebol mundial estabelecer seu “padrão”, para o que chega a determinar a revogação de normas legais a fim de atender aos seus caprichos e facilitar suas negociatas (até as vagas em hotéis são extorsivamente por ela negociadas).

Para atender ao “padrão Fifa”, Salvador implodiu o estádio da Fonte Nova e o ginásio Balbininho. Fizeram-se acompanhar dos nomes dos ex-governadores da Bahia Otávio Mangabeira e Antônio Balbino. Também por imposição da “sanguessuga”, foi soterrada a piscina que integrava nosso minicomplexo olímpico. Resultado: ficou a Bahia sem a estrutura mínima para a preparação de atletas olímpicos; ficou Salvador impossibilitada de receber eventos que envolvam a prática de outros esportes, tais como voleibol, basquetebol, futebol de salão (futsal), boxe, natação, handebol, polo aquático, atletismo (o novo e enorme equipamento não é dotado de pista – por imposição da Fifa, que tão logo termine o evento Copa do Mundo daqui “se picará”, destinar-se-á somente à prática de um esporte: o futebol).

Realmente, assiste razão à presidenta. Quem vem assistir aos jogos da Copa não levará nas suas malas portos, aeroportos… E mesmo que possível fosse, assim não fariam. E não fariam, simplesmente, por pena, por dó, diante da miséria que certamente se lhes apresentará. A Fifa, não; se possível fosse levaria tudo quanto pudesse e venderia na primeira esquina, sem dó nem piedade. Uma questão de manutenção do seu estilo: auferir lucro à custa do suor alheio.

Mas enganada está a presidenta quando diz que os assistentes da Copa vão levar consigo tão somente a garantia e a certeza de que este é um país alegre e hospitaleiro: “Pode levar isso na mala”. Não só vão levar a garantia e a certeza de que o Brasil é um país alegre e de que os brasileiros são mais do que alegres, são verdadeiras hienas: comem estrume e dão risada. Não há como admitir que deixem de levar na lembrança “a garantia e a certeza” de que o Brasil que eles viram não é o fantasioso país pintado e apresentado ao mundo pelo ex-presidente da República; que neste país, que demagogicamente socorreu financeiramente outros países sob pretexto altruístico, a fome não é incomum; a criminalidade alcança índices alarmantes e a segurança pública muito deixa a desejar; seu sistema de saúde pública continua debilitado, ao ponto de hoje se ver socorrido por países de pouca ou nenhuma expressão econômica, a exemplo de Cuba; que o índice de analfabetismo aqui ainda sustenta o Brasil em vergonhosa posição no “ranking” mundial; que as cidades escolhidas como sedes não têm saneamento básico – tirando a conclusão de como estarão as outras; que o transporte urbano é incapaz de suprir até mesmo as necessidades de seus habitantes; que a miséria concorre, ao redor, com as suntuosas arenas especialmente construídas para receber os jogos da Copa. Temos certeza de que perceberão outras muitas carências que os autorizarão a concluir que o Brasil sob uma administração responsável jamais se aventuraria a sediar eventos de grande porte como Copa do Mundo e Olimpíadas e, por fim, convencidos ficarão de que as propostas para a realização desses acontecimentos no Brasil não teve outro propósito que não político-eleitoreiro.

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Ubiratan Pires Ramos é auditor e fiscal do Trabalho, Salvador, BA